quinta-feira, janeiro 31, 2013

Sopa de legumes

SOPA DE LEGUMES
 
 

Uma rápida vista de olhos na face oeste do Cântaro bastou para concluir que as condições para a escalada mista naquela parede eram nulas. Com o mês de Janeiro a terminar, não deixou de ser uma surpresa descobrir aquela parede despida de neve, uma vez que (finalmente) tinha caído um bom nevão na semana anterior.
Entretanto, as temperaturas voltaram a subir a pique e a chuva do dia anterior ajudou a estragar o cenário. A única vantagem consistia no facto de a pouca neve sobrante, ter transformado… mais ou menos.
No entanto, a pequena fortuna que representa hoje em dia uma deslocação à serra, a juntar à nossa fome crónica de “Invernais”, uniram-se para criar um bom nível de motivação. Apesar das condições adversas, estávamos decididos a escalar qualquer coisa. Felizmente os nossos critérios de qualidade e características relativamente às escaladas que escolhemos são extremamente abrangentes e versáteis. No fundo, com os crampons nos pés e os piolets nas mãos, para nós, vale praticamente tudo!

Bem-vindos à Serra da Estrela!


 A caminho do sector


Abandonámos o carro junto aos mamarrachos de betão de gosto duvidoso que violentam o cume da serra.
Em azimute, como noutras tantas ocasiões, dirigimo-nos ao sector do célebre “Corredor Estreito”. Descemos o fácil corredor largo contornando pela direita o maciço rochoso e, após algumas pernas enfiadas em ocos na neve, chegámos à base do nosso objectivo. 


 A calçar os crampons antes de descer o Corredor largo.


Ao primeiro vislumbre o “objectivo” revelou-se… verde!
Quando todas as evidências nos aconselhavam a procurar outras actividades mais aprazíveis como por exemplo, tomar caipirinhas na aldeia do Meco, nós estávamos mesmo determinados a subir algo que tivesse algumas semelhanças – mesmo que remotas – com a escalada mista.
O primeiro lance converteu-se num teste “hardcore” de resistência, não ao nível físico, apesar da escalada exigente, mas sim ao nível do vestuário e equipamento.


 Condições... mistas?!? A sopa começa a levantar fervura.

 
 A entrar no diedro divertido. Será escalada?


Um diedro de ervas, musgo e… alguma rocha, não se deixou domar com facilidade. Desde baixo as aparências faziam supor algo menos duro mas, já deveríamos estar acostumados a este tipo de ilusão, uma vez que é sempre assim. O resultado final traduziu-se em 35 metros, verticais e intensos a partir do meio, onde enfrentámos ervas ensopadas, desgarradas, maus gancheios em lama que teimava em rebolar a troços por cima do gore-tex e até (pasme-se) alguma neve, claro está, pesada e inconsistente. 


 Aposto que no Canadá não existem largos desta qualidade!


 A Daniela a iniciar o mixed: no rules!

  
 "O que é que eu acabei de escalar?!"


Refeitos do primeiro largo, infame e precário, divagamos sobre a certeza de que estas aventuras são bem mais gratificantes quando realizadas com temperaturas negativas, com a erva congelada, algo mais de neve e quiçá gelo.
Conformados com a realidade, suspirámos e, ao invés de ceder à lógica do bom senso que sugeria descer, continuámos para cima.
O lance seguinte teve mais semelhanças com a escalada invernal. Quase todo constituído por rampas de neve, ainda assim intercaladas por passos de rocha que mereceram o comentário: “Fo… Isto não é dado!”


 Neve de verdade. Uau!


 Na segunda reunião.


Já bem metidos no interior do “Corredor da Selecção”, tínhamos a opção de saída muito mais fácil pela direita através do corredor clássico. No entanto, ali estava aquela evidente passagem pela esquerda, de aspecto mais difícil mas, depositária da pitada final de picante da ascensão.
Um troço de gelo estrangulava a “goulotte” e ali adivinhava-se a secção mais dura, sobretudo porque o gelo não aguentava com um caracol.
Mais uma vez, a solução estava na rocha. Desta feita, protecções muito fiáveis e uns gancheios “a canhão” proporcionaram uma saída airosa e até… elegante.


 
 Dois momentos na passagem algo atlética do crux do terceiro lance. Aquele gelo era uma mera ilusão.


Chegados ao topo do sector, celebrámos a nova via com uma bela sandocha e um merecido café ainda quente, saído da garrafa térmica.


 E, claro, a indispensável: foto-cume.


Tínhamos encontrado condições muito longe do modelo ideal. De qualquer modo, com alguma imaginação e vontade é possível aproveitar aquilo que a serra nos apresenta.
Feitas as contas, tinha sido um dia divertido.
Uma dose a repetir.

Bem-vindos á Serra da Estrela!

 Paulo Roxo



 O Croquis:
   



4 Comments:

FPereira said...

Está na hora de "reestruturar" a rede espiões e informadores do estado do gelo...

Rosado said...

Dry tooling Tombado?
Will Gadd toma lá Spray Off!

Anónimo said...

Bem, a mim o "tombado" ainda me fez pensar na vida...
"Spray off" era um bom nome também!!

Paulo Roxo

Anónimo said...

Seremos nós fanáticos ou simplesmente não nos rendemos às desculpas!
Posso comprovar que se trata de uma grande actividade, condições f**** antásticas.
O mais duro? aproximação

Abraço
Sérgio D