A MISTERIOSA INSCRIÇÃO
Quem já calcorreou bastante a Serra da Estrela decerto já
passou em frente a uma intrigante inscrição que foi, em tempos, gravada a
cinzel numa grande placa natural de granito. A inscrição levanta-se dos prados
do Covão do Boi, à altitude de 1850m. Aquela misteriosa gravação em latim sempre me
deixou intrigado.
Desta vez, dei-me ao trabalho de tentar traduzir o texto.
Descobri que a mensagem foi esculpida, provavelmente, em 1940, tendo servido para celebrar os 800 anos da independência de Portugal. De facto, por todo o país foram realizadas diversas celebrações que exaltaram o orgulho nacional e nacionalista, como era apanágio do regime da ditadura do Estado Novo. A Serra da Estrela não fugiu à regra. No mesmo momento, na Torre, foram realizadas cerimónias de aclamação e foi colocado um cruzeiro no topo da pirâmide central, que por lá ficou durante vários anos.
As comemorações dos 800 anos de Portugal, celebradas na Torre da Serra da Estrela, em 1940
Em 1940, em plena guerra mundial, a estrada que conduzia ao topo da Serra da Estrela ainda não existia (esta foi construída apenas em meados dos anos 50). No entanto, esse contratempo não impediu que centenas de pessoas se deslocassem para a Torre e que fossem realizados discursos e uma missa em celebração dos 800 anos da independência do país. Estiveram presentes várias entidades, incluindo presidentes de câmaras e outras personalidades. Uma outra curiosidade foi o anunciar da intenção de se esculpir um baixo relevo, num rochedo do Covão do Boi (perto da inscrição de que trata este texto), com a figura da Nossa Senhora da Boa Estrela, posteriormente reconhecida como santa protectora dos pastores. A obra foi financiada com recurso a doações e conseguiu-se juntar a quantia de mil escudos, suficiente para a concretizar. Em 1946, o artista António Duarte, terminou a escultura, com mais de sete metros de altura.
A escultura atirou para segundo plano a intrigante inscrição em latim, e esta passou, de certa forma, para a obscuridade. No entanto, ali está, gravada num grande muro de granito, resistindo ao passar das décadas e dos elementos, semi-coberta apenas pelo musgo. O rumo da natureza é indiferente à velha mensagem que continua a tentar manter-se à tona, passados 85 anos.
Segue a tradução, mais ou menos grosseira, da inscrição e alguns apontamentos posteriores:
Original
IN. HOC.
SIGNO. VINCES (4)
PORTUCALENSE. IMPERIUM. AN. DN(I?). M. C. XL. STABILITUM. (1)
PRISTINAQUE. LIBERTATE.
AN. M. DC. XL. INSTAURATUM. (2)
UTRIUSOVE. PRODIGIOSI. EXITUS. OPE. ET. AUXILIO. DEI.
VIRGINISOVE. MARIAE. IMMACULATAE. INTERVENTU. PERFECTI.
SECULARIA. CELEBRAVIT. SOLLEMNIA. AN. M. DCCCC. XL. (3)
OUO. TEMPORE. IN. HOC. SUBLIMIORI. HERMINII. MONTIS. FASTIGIO.
CIVITAS. COVILIANENSIS. CETERAEOVE. TERRITORII. PAROECIAL.
A. L. H (?). TIT (?). M. P. (5)
Tradução (grosseira)
Com este sinal vencerás (4)
Estabelecimento do império português no ano (do senhor?)
1140 (1)
Liberdade original instalada no ano 1640 (2)
De qualquer maneira com a ajuda e assistência de Deus
A intervenção da Imaculada Virgem Maria foi aperfeiçoada
Celebrações solenes seculares no ano 1940 (3)
Neste momento no cume desta mais sublime montanha Hermínia
A cidade da Covilhã e o restante território paroquial
A L H (?) TIT (?) M P (5)
1. Refere-se à afirmação de D. Afonso Henriques como o primeiro rei de Portugal e à data do nascimento do país (1140).
2. Refere-se à data da restauração da independência de Portugal
(1640).
3. Refere-se à comemoração dos 800 anos da independência de
Portugal, que foi celebrado em todo o país (1940).
4. Inscrição com mantra adotado pela monarquia (“In Hoc Signo
Vinces”: “Com este sinal vencerás”). O curioso foi ter sido talhada em pleno
regime ditatorial do Estado Novo. Uma afirmação de nacionalismo de extrema
direita ou um sinal subtil de apoio à monarquia?
5. Não consegui traduzir. A gravação está parcialmente escondida pelo musgo - será necessária uma pequena escovagem para decifrar. Quiçá uma assinatura? Uma referência? Uma data?
Paulo Roxo