terça-feira, setembro 30, 2008

TO ROPE OR NOT TO BE

Nos finais de Julho, durante uma derradeira tentativa de ascensão ao Gasherbrum II, quase fui desta para melhor quando uma corda fixa se partiu sob o meu peso provocando-me uma queda com cerca de 30 metros.

Estávamos aos 7400 metros, a Daniela e eu, muito perto do campo 4 da via normal da montanha. Preparava-me para "rapelar" uma secção vertical de gelo quando a corda se partiu. Felizmente, no meu alinhamento de queda encontravam-se instaladas outras velhas cordas ás quais me agarrei de uma forma instintiva. Saí ileso e o acontecimento não passou de um grande susto.

Mas, este mail não é sobre mim ou sobre este "quase-acidente". Este texto é uma reflexão geral acerca do uso exagerado das cordas fixas em montanhas consideradas comerciais.

E esta corda que está aqui ao lado? Será mesmo necessária?

Em montanhas populares as cordas fixas são uma constante. São colocadas para assegurar passagens mais verticais mas, muitas vezes servem sobretudo para assegurar a continuidade de uma máquina comercial já instituída.

Hummm...esta aqui já deu um certo jeito!...mas lá se foi a dificuldade do passo.

A nossa experiência nas grandes cordilheiras do mundo ainda é limitada. Talvez por isso sejamos ingénuos. Talvez por isso nos custe aceitar de bom grado certos procedimentos aparentemente normais em montanhas como o Gasherbrum II.

Na passada época, no campo base dos G`s foram realizadas duas reuniões para as quais foram convocadas todas as equipas de expedição. Em diferentes dias, as duas empresas comerciais estacionadas no terreno convocaram toda a gente para combinar uma estratégia de acção com a finalidade de fixar cordas na via normal do GII. No fundo, pediam material, dinheiro e mão de obra para realizar o trabalho.

A grosso modo, a estratégia consistia no seguinte: todos fornecem parafusos e cordas, todos pagam, todos juntos abrem o trilho. Ou seja, organizar uma mega equipa de forma a garantir a submissão da montanha.

Algumas equipas nem se moveram acima do campo 1, esperando que os carregadores de altitude das expedições comerciais terminassem de fixar as cordas.

Um estilo de escalar montanhas que jamais pensámos utilizar. Será assim em todas as montanhas com mais de 8000 metros?


Paulo na via normal do GII durante a aclimatação, antes de serem colocadas cordas fixas.

As cordas foram fixas na via normal do GII até ao campo 4 (7400 mts!). Muitas das ancoragens eram medíocres e dos parafusos de gelo "doados" às expedições comerciais apenas vimos um colocado. As restantes fixações estavam constituídas por estacas de neve, ou pequenas pontes de gelo.

Todos quantos estavam na montanha utilizaram as cordas fixas, com excepção para Piotr Morawski e Peter Hamor , que as utilizaram apenas na descida.

Enquanto aclimatávamos na via normal (com o objectivo de tentar o esporão dos Franceses), também utilizámos as cordas fixas nos passos mais verticais ou expostos. No entanto, somos obrigados a reconhecer que sem as cordas, a dificuldade desta via subiria em flecha.


Paulo no GII, tentativa ao "Esporão dos Franceses", quase quase a chegar a uma...arejada aresta.

Daniela no GII, tentativa ao "Esporão dos Franceses".

Paulo na aerea aresta no "Esporão dos Franceses".

A existência das cordas nas montanhas reduz bastante a dificuldade de ascensão e garante o cume a muita gente que, de outro modo, não teria capacidades técnicas para a realizar.

Não se trata de uma visão elitista, até porque não nos consideramos especiais nem alpinistas acima da média. É apenas uma tentativa de análise de um tema de que pouco se fala e que, em nossa opinião choca com o espírito de aventura e descoberta associados ao alpinismo.

Quando iniciados, sempre pensámos que os Himalaias estavam reservados a escaladores muito experimentados. "Só os melhores conseguem subir montanhas acima dos 8000 metros". Uma afirmação, hoje em dia, muito longe da verdade.

No Gasherbrum, fomos testemunhas de erros técnicos e estratégias muito graves que poderiam facilmente ter conduzido a acidentes mortais. Notámos que esses erros são fruto da inexperiência.

As cordas colocadas previamente pelas expedições comerciais, em grande parte fruto do trabalho de carregadores de altitude, facilitam bastante o acesso ás grandes montanhas. Deste modo, nos dias de hoje, qualquer um com um mínimo de forma física pode escalar uma montanha de 8000 metros, mesmo o GII que, sem a existência das cordas fixas, jamais seria considerada uma montanha fácil.

Compreendemos a atracção pelo número mágico dos 8000. Nós próprios nos sentimos atraídos por esse marco. No entanto, existem muitas montanhas no mundo, acessíveis a todo o tipo de pessoas e para todos os níveis de experiência.

Acreditamos que deveríamos ter a humildade suficiente para aceitar o nosso nível e escolher objectivos em função da nossa experiência.

Muito se fala sobre o uso ou não do oxigénio mas, pouco se fala no uso das cordas fixas (instaladas por outros), que em muitas ocasiões servem como uma verdadeira bengala. Ao contar a história após voltar para casa deveríamos ser honestos e objectivos e contar as coisas como de facto aconteceram.

O que nos motivou a escrever este texto foram a série de aspectos negativos que presenciámos este ano: a utilização maciça de cordas fixas, as mentiras sobre supostas ascensões, o abandono de companheiros a meio do glaciar, a utilização de carregadores de altitude como objectos descartáveis. Tudo isto nos fez pensar que existem alguns que escalam apenas para alimentar o seu ego sedento de fama e não pelo verdadeiro espírito da montanha.



Paulo Roxo e Daniela Teixeira


"Esporão dos Franceses", até onde chegamos.




terça-feira, setembro 23, 2008

GIRLS ROCK TRIP 2008

Sem duvida O encontro rockeiro do ano!!!
Bora lá?
(Mais info em http://blogdabolinha.blogspot.com/)

sexta-feira, setembro 19, 2008

Serra da Estrela super duper!


Antes de começarem a ler esta aborrecida report, saibam que os topos apresentados não estão completos. Apenas se referem a algumas das vias aqui faladas.

Em algumas das vias de artificial forçadas em livre apenas se mostra o seu grau de escalada livre.


Serra da Estrela report



Ultimamente, muito se tem falado sobre a Serra da Estrela... humm... na verdade, para o que tem acontecido por lá, pouco se tem falado sobre a Serra da estrela!

Um grupo restrito da maltinha do músculo tem realizado algumas escaladas de destaque mas, parece que a divulgação não tem sido a melhor. Assim, aqui segue uma report com a intenção de colmatar essa grande falha mais ou menos crónica: a falta de informação.

Na Serra da Estrela, nas paredes do Cântaro Magro, nas ultimas dezenas de anos foram abertas várias vias. Tranquilamente (e com muita escovagem e trabalho), foram surgindo as novas linhas. As caras dos “aberturistas” eram quase sempre as mesmas e, salvo algumas excepções, as vias ficaram votadas ao abandono imediatamente após a inauguração.

Até determinado ponto a escalada livre seguia mais ou menos a norma mas, algumas vias ou passos foram abertos em artificial. Foram precisamente essas vias e esses passos que despertaram as atenções de uma nova vaga de entusiasmos disposta a tentar realizar os primeiros encadeamentos em livre de algumas pérolas esquecidas da Serra.

Por outro lado, hoje já não é estranho encontrar escaladores a enfrentar vias abertas há mais de trinta anos pelo Paulo Alves, na face oeste do Cântaro. Aparentemente, os friends e entaladores deixaram de estar reservados aos “maluquinhos da rocha degradada” e passaram a figurar no mapa da escalada em rocha de Portugal. Ainda por cima, parece que finalmente se descobriu que a dificuldade também existe neste tipo de escalada e que o famigerado grau (surprise, surprise!) também aqui pode subir a qualquer dos níveis existentes em escalada desportiva.

Para desmentir a lenda de que a escalada “clássica” são apenas vias fáceis, aqui fica o relatório de algumas realizações dos ultimos tempos.


No ano passado e, abrindo de certa forma as hostes, o Bruno Gaspar conseguiu realizar a ascensão em livre do primeiro lance da novissima “Corto Maltese”, situada na face nordeste do Cântaro Magro. Esta é uma via com três largos que foi aberta em solitário e em escalada artificial, cujo primeiro lance está constituído por um diedro de aspecto “funny” e uma placa técnica de saída. O Bruno esforçou-se na coisa e o grau proposto é o 7a+ (por confirmar... subir?!).

A “liberação” integral surgiu já este ano (2008) quando o Bruno encadeou a micro fissura do segundo lance (7a).

Ainda no ano passado, foi encadeada a “Lua Cheia”, imediatamente à direita da “Corto...”. O José Abreu foi o protagonista e conseguiu concretizar essa escalada, com os pontos previamente colocados. A parada subiu para o 7c.

Falta ainda a realização integral em livre e “clean” daquela via, também com três largos e as dificuldades concentradas nos dois primeiros.

Já neste Verão (2008), foram vários os assédios ao granito de qualidade internacional da Serra da Estrela.

O Leopoldo Faria (Leo) propõe um orgulhoso 7c+ com a primeira ascensão em livre do primeiro lance da “Shaktis ausentes” (também na face nordeste do Cântaro).

A escalada, bastante atlética cruza um extra-prumo acentuado e foi realizada de forma limpa, sem a colocação prévia de protecções e sem utilização das duas plaquetes (acrescentadas aquando da abertura da “Travessias para um mundo novo”, pouco tempo depois da abertura da “Shaktis...”). No entanto, a “Shaktis ausentes” espera ainda o total encadeamento em livre (quatro lances).




Na intimidante “Parede do Inferno” o destaque vai para o Nuno Pinheiro, com a sua ascensão “à vista” da ultra-técnica “Terror em Nova York” (7b). O mesmo consegue também o primeiro encadeamento do segundo largo da “Desequilíbrio perfeito”, no mesmo sector. Desta vez as protecções foram previamente colocadas na via.

A “Placa verde”, situada a uma cota inferior à “Parede do Inferno”, passara algo despercebida a esta maltinha fanática até à “descoberta” da via “Quarto crescente”. Aberta há já alguns anos esta via encontrava-se por forçar em livre.



A Quarto crescente


O Nuno consegue o encadeamento deste diedro desequilibrante e de fissura fina.

Alguns fins de semana mais tarde o Nuno Pinheiro retornou ao musgo da Estrela. O objectivo: “Apocalipse crack”. Após uma anterior tentativa, conseguiu manter-se agarrado ao segundo lance desta bela fissura, frequentemente urinada pela colónia de morcegos que por ali habitam. A ascensão foi realizada depois da prévia colocação dos friends e a cotação proposta é o 7b.



Apocalipse Crack


Entretanto, o Nuno Soares (Larau), celebrando a sua “reentré” no mundo da escalada serrana, envolveu-se na abertura de uma nova linha no sector superior da face oeste do Cântaro Magro, à esquerda da “Via dos bons”. Após uma cuidada limpeza desde o cimo, recrutou o Helder Massano e juntos inauguraram a “Grito do Ipiranga”. Esta espectacular via de 6b+ segue um evidente diedro, cortado perto do final por um tecto e com uma saída por fissura larga delicada.

Ainda no rescaldo das montanhas altas, com uma forma física detestável, resolvi atacar o Cântaro Magro em solitário. A ideia era investigar uma fissura vertical que o Helder descobriu aquando da abertura da “...Ipiranga”.

Um improvável esporão de V+ terminou após uns 50 metros numa grande e cómoda plataforma de ervas, que constitui a base da “Grito do Ipiranga”. Desde aqui, entre gemidos e grunhidos, continuei a escalar um segundo lance seguindo mais ou menos uma linha de aresta algo exposta, imediatamente à esquerda da “Via dos bons”, até encontrar o diedro da “...Ipiranga”, pelo qual segui até ao topo da parede... a duras penas!

Ao rapelar, equipei (à mão) uma aresta de aspecto, digamos... “duro como um corno”. Aproveitei também para limpar a tal fissura misteriosa.

Enquanto me coçava violentamente por causa da transferência do musgo da parede para o interior das minhas cuecas, pensei: “Um dia destes, venho cá e abro esta via.”



O “...dia destes...”, veio logo no dia seguinte, pois o Bruno Gaspar acorreu à serra como um possesso, desejando um dia de escalada pejado de fortes encadeamentos “clássicos”.

Como via de aquecimento, abriu imediatamente a fissura recém-escovada. Esta linha (invisível desde baixo, devido à orientação da fenda), termina na placa técnica (muito técnica!) e “mitrada” que eu tinha equipado no dia anterior.

Recorrendo ao seu repertório de pés e unhas (literalmente), O Bruno conseguiu uma brilhante realização à vista da “Queres cometa, ó estrela?”. Talvez “7a, ou 7 a+” – dizia, quando questionado acerca do possível grau. Pois... talvez!



Bruno na abertura da "Queres cometa, ó estrela?". A fissura não se vê... mas está lá!


Entretanto lá fui eu abrir ou melhor, rectificar, a via aberta no dia anterior em solitário. Assim nasceu uma linha bem mais estética que ultrapassa uma fissura larga, uns estreitos diedros lógicos e cruza ao nível da primeira plaquete da “Queres cometa...” para o diedro perfeito da “Grito da Ipiranga”. De novo, 6b, baptizado de “Gemido do Ipiranga”.


Eu, a rectificar a "Gemido do Ipiranga".


Depois destas aberturas e devaneios dirigimo-nos à infame “Parede do inferno”, onde o Bruno desejava repetir uma via de escalada desportiva (mas pouco desportiva!) chamada, “O Visionário”, nunca encadeada nem tão pouco repetida.

O primeiro lance originalmente cotado de 6b+, quase mandou o Bruno aos papéis. Saiu-lhe a ferros e o largo terminou com um: “6b+, uma ova!!”.



"6 b+? Chiça! Fo... 6b+, uma ova!!"


A mim tocou-me o segundo lance. Um 6a+ com quase 40 metros, onde há uns quantos anos eu incitava o “Pisco” a subir, gritando desde o solo: “Vai lá Pisco, vai lá! Só caes daí se desmaiares!”. Inteligentemente o Pisco ignorou os meus conselhos e desistiu, não sem antes chamar todos os nomes do repertório de blasfémias aos equipadores da via (eu e o João “Animado”). É que, a partir de metade do referido largo as plaquetes não estão muito distantes... estão é atrozmente distantes!

Na realidade, os passos em regletes perfeitas, não passam do quinto grau mas, as distâncias entre protecções são enormes e existe uma secção particularmente exposta, onde uma queda termina numa bonita plataforma.

Com o acordo do João, conto retornar para acrescentar uma ou duas protecções, de forma a reduzir a exposição.


Bruno, no final do segundo lance da "O visionário". Run-out sem dó nem piedade!


Para já, aos futuros pretendentes fica o aviso: as regletes são tão boas que o risco de queda é muito reduzido, no entanto, convêm saber que a partir de determinado ponto da parede entram no reino da escalada em solo!

O terceiro lance foi então assediado pelo Bruno.



Brunex a iniciar o terceiro lance da "O visionário".


E aqui no inicio das dificuldades... dificeis.


Todos os movimentos são técnicos e desequilibrantes mas, lá foram sendo decifrados.

Após esta tentativa, ficou no ar a impressão de que a segunda incursão seria para o Bruno um encadeamento. O grau proposto para já, deverá rondar o 7b+.



Desequilibrio total.


O Visionário


Passada uma semana o Bruno retornou à serra para tentar um ou dois projectos em suspenso. A sua primeira concretização foi uma placa de aspecto impossível situada na “Parede dos mercadores”, logo abaixo do sector desportivo do “Corredor dos mercadores”, junto à curva do Cântaro.

A “Parede dos mercadores” alberga algumas fantásticas vias de dificuldade, semi-equipadas e de fissura.

Após duas anteriores tentativas o Bruno conseguiu destilar todos os movimentos ultra-técnicos e realizou a primeira ascensão e encadeamento da “Crocodilo neguinho”, um 7b+ de placa com uns 15 metros, que une à linha de fissura aberta há dois anos, com o sugestivo nome “O inseminador implacável” (7a).




Para terminar, fica também o apontamento do encadeamento em 7b+ do primeiro lance da “Desequilíbrio perfeito”, na “Parede do inferno”. Mais uma placa inumana com um passo de bloco em tecto, antes de um diedro final mais dificil que o esperado. Realizado, claro está, pelo Bruno Gaspar que, sem dúvida, se encontra em maré de muito boa forma física e mental.


Paulo Roxo

quinta-feira, setembro 04, 2008

SONHOS

Passadas duas semanas da nossa chegada do Paquistão ainda não me readaptei à vida “normal”. Estranho o trânsito intenso. Estranho o trabalho. A minha cabeça retorna uma e outra vez ás fabulosas montanhas do Karakorum.

O Esporão dos Franceses é a evidente aresta que começa no canto inferior direito da foto.

As memórias voltam a cruzar os imensos glaciares, a subir as perigosas pendentes de neve e gelo e a desfrutar das vistas esmagantes de picos selvagens e intocados.

Entretanto, já escalei na Serra da Estrela apenas para descobrir que, na rocha, a minha forma física se encontra pior que nunca. Nas montanhas perdi cerca de nove quilos. Fiquei seco que nem um carapau mas, também perdi muita massa muscular, a suficiente para ter de me arrastar penosamente numa fissura de 6a!

De todos modos, a minha mente não se encontra por cá. Os pensamentos vagueiam num país distante do qual desejei partir, após dois meses de expedição mas, para o qual voltaria agora mesmo.

Gasherbrum I

Com a Daniela, tentámos escalar os Gasherbrum I e Gasherbrum II. Condicionantes na montanha e do clima impediram-nos de concretizar as ascensões. No GII, tentámos uma via diferente da normal. Uma linha muito estética, técnica e directa ao cume. O Esporão dos Franceses. Estávamos sós, não existiam cordas fixas nem trilho na neve. Após o período de aclimatação tentámos esta escalada no chamado “estilo alpino”. Ou seja, sem fixar cordas, sem montar previamente campos de altitude e com tudo ás costas. Aos 6600 metros com o mau tempo a aproximar-se mais cedo que o previsto, decidimos retirar.

Depois tentámos a ascensão do GI, pela sua via normal. Subimos acima do campo 2, para deparar-nos com ventos fortes e a montanha a despejar mega-cascatas de neve em pó.

Em desespero de causa e sem retornar ao campo base tentámos de novo o GII. Subimos rápido pelas cordas fixas da via normal mas, bem perto dos 7700 metros de altitude e, após oito dias de permanência acima dos 6000 metros, descobrimos não possuir mais energias físicas e mentais para continuar. É que, corríamos o risco de não conseguir concretizar a segunda metade da ascensão... a descida! De qualquer forma, o nosso espirito não se encontrava na via normal do GII. Os nossos sonhos vagueavam longe das cordas fixas desta via. Os nossos anseios iam de encontro a uma qualquer ascensão mais selvagem, menos concorrida.

Os meus anseios continuam nesse sentido.

No trekking de retorno, cruzámos o Gondogoro pass. É um colo situado aos 5500 metros que permite eliminar um dia a uma caminhada de quatro dias, caso tivéssemos optado pelo retorno através do glaciar do Baltoro.

Para um percurso de trekking standard o Gondogoro pass é um osso duro de roer. De um dos lados é necessário subir uma vertente de neve e do outro, descer uma pendente de rocha constituída por xisto absolutamente decomposto. Trata-se de um terror, felizmente apoiado por cordas fixas que um grupo de gente local vai mantendo em estado razoável.

O passo permite o acesso ao vale de Hushe, um vale de uma beleza mágica, rodeado de montanhas fantásticas e intrigantes, muitas delas virgens.

A entrada do vale de Charakusa. Paredes e montanhas ainda virgens andam por aqui!

As onze duras horas reservadas para o ultimo dia de caminhada foram largamente compensadas com as vistas de enormes torres de granito que se erguiam de um só tiro desde o estreito trilho que seguíamos.


Uma parede desconhecida e intocada no vale de Hushe.

Agora, dentro do meu cérebro continuo a cruzar aquelas moreias e glaciares onde os meus piolets e crampons se cravam no gelo de uma perdida via de alta montanha. Quiçá na via dos Franceses.

O meu espirito caminha pelos prados verdes do vale de Hushe em direcção àquelas montanhas imaculadas.

A minha imaginação vagueia por aqueles diedros e fissuras que trepam vertiginosas paredes de granito intocado.



Torres de granito virgens de nome e altura desconhecidos. "Mesmo ali ao lado!"

Numa única palavra: sonho!


Paulo Roxo