sexta-feira, setembro 19, 2008

Serra da Estrela super duper!


Antes de começarem a ler esta aborrecida report, saibam que os topos apresentados não estão completos. Apenas se referem a algumas das vias aqui faladas.

Em algumas das vias de artificial forçadas em livre apenas se mostra o seu grau de escalada livre.


Serra da Estrela report



Ultimamente, muito se tem falado sobre a Serra da Estrela... humm... na verdade, para o que tem acontecido por lá, pouco se tem falado sobre a Serra da estrela!

Um grupo restrito da maltinha do músculo tem realizado algumas escaladas de destaque mas, parece que a divulgação não tem sido a melhor. Assim, aqui segue uma report com a intenção de colmatar essa grande falha mais ou menos crónica: a falta de informação.

Na Serra da Estrela, nas paredes do Cântaro Magro, nas ultimas dezenas de anos foram abertas várias vias. Tranquilamente (e com muita escovagem e trabalho), foram surgindo as novas linhas. As caras dos “aberturistas” eram quase sempre as mesmas e, salvo algumas excepções, as vias ficaram votadas ao abandono imediatamente após a inauguração.

Até determinado ponto a escalada livre seguia mais ou menos a norma mas, algumas vias ou passos foram abertos em artificial. Foram precisamente essas vias e esses passos que despertaram as atenções de uma nova vaga de entusiasmos disposta a tentar realizar os primeiros encadeamentos em livre de algumas pérolas esquecidas da Serra.

Por outro lado, hoje já não é estranho encontrar escaladores a enfrentar vias abertas há mais de trinta anos pelo Paulo Alves, na face oeste do Cântaro. Aparentemente, os friends e entaladores deixaram de estar reservados aos “maluquinhos da rocha degradada” e passaram a figurar no mapa da escalada em rocha de Portugal. Ainda por cima, parece que finalmente se descobriu que a dificuldade também existe neste tipo de escalada e que o famigerado grau (surprise, surprise!) também aqui pode subir a qualquer dos níveis existentes em escalada desportiva.

Para desmentir a lenda de que a escalada “clássica” são apenas vias fáceis, aqui fica o relatório de algumas realizações dos ultimos tempos.


No ano passado e, abrindo de certa forma as hostes, o Bruno Gaspar conseguiu realizar a ascensão em livre do primeiro lance da novissima “Corto Maltese”, situada na face nordeste do Cântaro Magro. Esta é uma via com três largos que foi aberta em solitário e em escalada artificial, cujo primeiro lance está constituído por um diedro de aspecto “funny” e uma placa técnica de saída. O Bruno esforçou-se na coisa e o grau proposto é o 7a+ (por confirmar... subir?!).

A “liberação” integral surgiu já este ano (2008) quando o Bruno encadeou a micro fissura do segundo lance (7a).

Ainda no ano passado, foi encadeada a “Lua Cheia”, imediatamente à direita da “Corto...”. O José Abreu foi o protagonista e conseguiu concretizar essa escalada, com os pontos previamente colocados. A parada subiu para o 7c.

Falta ainda a realização integral em livre e “clean” daquela via, também com três largos e as dificuldades concentradas nos dois primeiros.

Já neste Verão (2008), foram vários os assédios ao granito de qualidade internacional da Serra da Estrela.

O Leopoldo Faria (Leo) propõe um orgulhoso 7c+ com a primeira ascensão em livre do primeiro lance da “Shaktis ausentes” (também na face nordeste do Cântaro).

A escalada, bastante atlética cruza um extra-prumo acentuado e foi realizada de forma limpa, sem a colocação prévia de protecções e sem utilização das duas plaquetes (acrescentadas aquando da abertura da “Travessias para um mundo novo”, pouco tempo depois da abertura da “Shaktis...”). No entanto, a “Shaktis ausentes” espera ainda o total encadeamento em livre (quatro lances).




Na intimidante “Parede do Inferno” o destaque vai para o Nuno Pinheiro, com a sua ascensão “à vista” da ultra-técnica “Terror em Nova York” (7b). O mesmo consegue também o primeiro encadeamento do segundo largo da “Desequilíbrio perfeito”, no mesmo sector. Desta vez as protecções foram previamente colocadas na via.

A “Placa verde”, situada a uma cota inferior à “Parede do Inferno”, passara algo despercebida a esta maltinha fanática até à “descoberta” da via “Quarto crescente”. Aberta há já alguns anos esta via encontrava-se por forçar em livre.



A Quarto crescente


O Nuno consegue o encadeamento deste diedro desequilibrante e de fissura fina.

Alguns fins de semana mais tarde o Nuno Pinheiro retornou ao musgo da Estrela. O objectivo: “Apocalipse crack”. Após uma anterior tentativa, conseguiu manter-se agarrado ao segundo lance desta bela fissura, frequentemente urinada pela colónia de morcegos que por ali habitam. A ascensão foi realizada depois da prévia colocação dos friends e a cotação proposta é o 7b.



Apocalipse Crack


Entretanto, o Nuno Soares (Larau), celebrando a sua “reentré” no mundo da escalada serrana, envolveu-se na abertura de uma nova linha no sector superior da face oeste do Cântaro Magro, à esquerda da “Via dos bons”. Após uma cuidada limpeza desde o cimo, recrutou o Helder Massano e juntos inauguraram a “Grito do Ipiranga”. Esta espectacular via de 6b+ segue um evidente diedro, cortado perto do final por um tecto e com uma saída por fissura larga delicada.

Ainda no rescaldo das montanhas altas, com uma forma física detestável, resolvi atacar o Cântaro Magro em solitário. A ideia era investigar uma fissura vertical que o Helder descobriu aquando da abertura da “...Ipiranga”.

Um improvável esporão de V+ terminou após uns 50 metros numa grande e cómoda plataforma de ervas, que constitui a base da “Grito do Ipiranga”. Desde aqui, entre gemidos e grunhidos, continuei a escalar um segundo lance seguindo mais ou menos uma linha de aresta algo exposta, imediatamente à esquerda da “Via dos bons”, até encontrar o diedro da “...Ipiranga”, pelo qual segui até ao topo da parede... a duras penas!

Ao rapelar, equipei (à mão) uma aresta de aspecto, digamos... “duro como um corno”. Aproveitei também para limpar a tal fissura misteriosa.

Enquanto me coçava violentamente por causa da transferência do musgo da parede para o interior das minhas cuecas, pensei: “Um dia destes, venho cá e abro esta via.”



O “...dia destes...”, veio logo no dia seguinte, pois o Bruno Gaspar acorreu à serra como um possesso, desejando um dia de escalada pejado de fortes encadeamentos “clássicos”.

Como via de aquecimento, abriu imediatamente a fissura recém-escovada. Esta linha (invisível desde baixo, devido à orientação da fenda), termina na placa técnica (muito técnica!) e “mitrada” que eu tinha equipado no dia anterior.

Recorrendo ao seu repertório de pés e unhas (literalmente), O Bruno conseguiu uma brilhante realização à vista da “Queres cometa, ó estrela?”. Talvez “7a, ou 7 a+” – dizia, quando questionado acerca do possível grau. Pois... talvez!



Bruno na abertura da "Queres cometa, ó estrela?". A fissura não se vê... mas está lá!


Entretanto lá fui eu abrir ou melhor, rectificar, a via aberta no dia anterior em solitário. Assim nasceu uma linha bem mais estética que ultrapassa uma fissura larga, uns estreitos diedros lógicos e cruza ao nível da primeira plaquete da “Queres cometa...” para o diedro perfeito da “Grito da Ipiranga”. De novo, 6b, baptizado de “Gemido do Ipiranga”.


Eu, a rectificar a "Gemido do Ipiranga".


Depois destas aberturas e devaneios dirigimo-nos à infame “Parede do inferno”, onde o Bruno desejava repetir uma via de escalada desportiva (mas pouco desportiva!) chamada, “O Visionário”, nunca encadeada nem tão pouco repetida.

O primeiro lance originalmente cotado de 6b+, quase mandou o Bruno aos papéis. Saiu-lhe a ferros e o largo terminou com um: “6b+, uma ova!!”.



"6 b+? Chiça! Fo... 6b+, uma ova!!"


A mim tocou-me o segundo lance. Um 6a+ com quase 40 metros, onde há uns quantos anos eu incitava o “Pisco” a subir, gritando desde o solo: “Vai lá Pisco, vai lá! Só caes daí se desmaiares!”. Inteligentemente o Pisco ignorou os meus conselhos e desistiu, não sem antes chamar todos os nomes do repertório de blasfémias aos equipadores da via (eu e o João “Animado”). É que, a partir de metade do referido largo as plaquetes não estão muito distantes... estão é atrozmente distantes!

Na realidade, os passos em regletes perfeitas, não passam do quinto grau mas, as distâncias entre protecções são enormes e existe uma secção particularmente exposta, onde uma queda termina numa bonita plataforma.

Com o acordo do João, conto retornar para acrescentar uma ou duas protecções, de forma a reduzir a exposição.


Bruno, no final do segundo lance da "O visionário". Run-out sem dó nem piedade!


Para já, aos futuros pretendentes fica o aviso: as regletes são tão boas que o risco de queda é muito reduzido, no entanto, convêm saber que a partir de determinado ponto da parede entram no reino da escalada em solo!

O terceiro lance foi então assediado pelo Bruno.



Brunex a iniciar o terceiro lance da "O visionário".


E aqui no inicio das dificuldades... dificeis.


Todos os movimentos são técnicos e desequilibrantes mas, lá foram sendo decifrados.

Após esta tentativa, ficou no ar a impressão de que a segunda incursão seria para o Bruno um encadeamento. O grau proposto para já, deverá rondar o 7b+.



Desequilibrio total.


O Visionário


Passada uma semana o Bruno retornou à serra para tentar um ou dois projectos em suspenso. A sua primeira concretização foi uma placa de aspecto impossível situada na “Parede dos mercadores”, logo abaixo do sector desportivo do “Corredor dos mercadores”, junto à curva do Cântaro.

A “Parede dos mercadores” alberga algumas fantásticas vias de dificuldade, semi-equipadas e de fissura.

Após duas anteriores tentativas o Bruno conseguiu destilar todos os movimentos ultra-técnicos e realizou a primeira ascensão e encadeamento da “Crocodilo neguinho”, um 7b+ de placa com uns 15 metros, que une à linha de fissura aberta há dois anos, com o sugestivo nome “O inseminador implacável” (7a).




Para terminar, fica também o apontamento do encadeamento em 7b+ do primeiro lance da “Desequilíbrio perfeito”, na “Parede do inferno”. Mais uma placa inumana com um passo de bloco em tecto, antes de um diedro final mais dificil que o esperado. Realizado, claro está, pelo Bruno Gaspar que, sem dúvida, se encontra em maré de muito boa forma física e mental.


Paulo Roxo

8 Comments:

Anónimo said...

Obrigado Roxo pelo report, ficam aqui alguns comentários:


“Corto Maltese” – A via já tem umas quantas repetições e parece-me que o pessoal concorda com o 7a+

“Shaktis Ausentes” – Não sei qual é a definição de ascensão em livre, mas fui eu o primeiro a encadear a via só agarrando rocha, embora com os friends previamente colocados.

“Desequilíbrio perfeito” – Foi o Zé Abreu que fez a primeira ascensão em livre do primeiro largo, embora com os pontos previamente colocados. O Bruno fez a primeira repetição com os pontos previamente colocados na zona dura e a colocar no resto.

Anónimo said...

Ah, ok Nuno.

Obrigado pelas correcções.
Eu não sabia que tinhas sido tu o primeiro na "Shaktis". De qualquer modo eu queria realçar a primeira a colocar. Sorry pelo engano.

Quanto à "Desequilibrio perfeito" peço desculpa pela gafe.

Se alguém descobrir mais erros é favor dizer.

Abraço.

Paulo Roxo

Anónimo said...

Erros não, mas identifico grave síndroma de fanatismo extremo! Estivessem vocês tão perto da serra como eu...
Tenho k lá ir investir um pouco mais da minha pele, para disfrutar de alguma dessas linhas mais acessíveis!
Parabéns pelas aberturas e encadeamentos!
Nelson Cunha

Anónimo said...

Ei ben, valeu pela Informação! Na verdade, esta é mais uma “informação” a juntar a todas as outras que vão alimentando a blogesfera nacional. É bom saber que a comunidade está mais activa que nunca (em todas as “disciplinas”).

Abraço

Bruno Gaspar

Anónimo said...

Sim há que realçar o encadeamento do Leo, sem dúvida em grande estilo. Ao segundo pegue tendo o primeiro sido à vista e só até meio da via.
O mantel final é estranho e já impõe algum respeito (leia-se medo) quando se está protegido na chapa. Deu emoção ver o Leo fazer este passo em flash, protegido num friend debaixo do tecto e com os dois cotovelos a apontar para o céu. O que lhe valeu foi a dica antes de começar “ali não vais ter problemas pois estás habituado a fazer bloco e aquilo é só um mantel fácil!”

Anónimo said...

Eu acho é que com reports desta qualidade e potencial de inspiração (ou não, que essas cenas da exposição e tal...:)) o Paulo Roxo devia era editar uma revista de escalada ou publicar um guia de escalada sobre a serra da estrela e outras paredes miticas por esse portugal fora. Isto não é blogosefera é serviço público. RicardoC

Anónimo said...

foi um verão quente na serra...

Anónimo said...

Excelente! Tanto o report como os encadeamentos! Mas para quem está a ler e a sonhar que um dia tem que lé ir, que pegue nos material e se faça ao caminho, à vias de todos os gostos e de todos os graus! E para quando a edição de um croqui?

Abraço

Rosado