sexta-feira, junho 30, 2006

«A "via" mas já não há!!»

No Verão de 2005, num fim-de-semana em que tristemente todo o Vale Glaciar de Manteigas sucumbia à força das chamas, numa incursão solitária, rodeado de fumo e helicópteros num ambiente apocalíptico de teatro de guerra, tive a oportunidade de abrir a via «Wild Fire». Na semana seguinte, desta vez acompanhado da Daniela abrimos imediatamente à esquerda a via «A Triângulogia Final».

Passado quase um ano, no Domingo dia 25, na companhia uma vez mais da Daniela e também do Paulo, abrimos ainda mais à esquerda das vias já referidas uma nova linha de seu nome: «A "via" mas já não há!!!» (50 mts, 6b)

M. Grillo





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quinta-feira, junho 29, 2006

Erika, uma Estrela da Serra

Há dois fins-de-semana atrás, o entusiasmo que havia para 4 dias inteirinhos para escalar, ficou pela metade. Dois dias de chuva encharcaram-nos as ideias!
Ainda assim, em dois deles fomos à descoberta de novas aventuras.
Nos dois primeiros dias de fim-de-semana alargado, eu e o Paulo só conseguimos assediar os granitos serranos na sexta-feira (16 de Junho).
Como da Covilhã a serra se mostrava negra, ficamos por cotas mais baixas e fomos a umas paredes na Barragem do Caldeirão, mesmo ao lado da Guarda. O Paulo tinha dali remotas recordações, eu, nem as conhecia. Aquele lugar num vale encaixado, com uma bela cascata por trás, foi palco de treino da maltinha da Guarda à uns anos atrás. O dia foi produtivo na medida do possível, duas vias entre três chuvadas. Por ali, há vias de placa equipadas com muuuuiiito ambiente (pode reduzir-se um pouco o ambiente fugindo para as fissuras para colocar protecções intermédias), um extraprumo equipado e fissuras que gritam para que se lhes meta os entalecos.
No Sábado e Domingo o Miguel juntou-se a nós.
Para Sábado, tinha sonhado em abrir uma via, à qual chamaria "A via dos (meus) anos", à semelhança de outra aberta à muitos anos pelo Paulo Alves (era um fetiche!), mas a chuva não deu tréguas e passamos o dia a deambular de carro pelos recantos da serra.





Domingo o dia acordou…com carácter, um pouco de azul, um pouco cinzento, umas gotitas aqui e ali…ainda assim, resolvemos enfiar-nos na parede sul do Cântaro para tentar abrir uma linha que há algum tempo tínhamos observado.
Eu, mariquinhas com a chuva e o musgo, os rapazes, com o entusiasmo ao rubro ao ver tantos metros por escalar.
Algures perto do meio-dia, iniciamos o primeiro largo (6b). O Paulo abriu as hostilidades e trepou por uns ressaltos que conduziram a uma placa bastante técnica (daquelas em que os pés, aderem e das mãos só se usam as palmas). Nesta, colocou uma plaquete (bem ao estilo Pedriceiro) e lá continuou protegendo depois numa fissura repleta de musgo molhado.
Da minha parte, acabei por fazer tudo em placa, só para evitar o musgo, mas a tarefa não me foi fácil!




O Miguel começou o segundo largo (6b+) quando eu ainda pensava em abandonar a história (estava com receio que o musgo me comece os dedos!). E que largo! A coisa segue por umas fissuras que vão dar a um patamarzito, do qual sai um belíssimo diedro, bem vertical e bastante técnico, com a fendinha bastante estreita e as regletes diminutas.


O terceiro larguinho (V), seguiu por uma placa facilita e o seguinte (V+) enfiou-se por fissuras e diedros. A reunião entre o quarto e o quinto...bom, na reunião entre o quarto e o quinto, reside um cagalhão! As multiplas sobremesas do dia anterior, reviraram as tripas a alguém ("pas de preocupacion"...está camuflado!) Depois de esse alguém ter arriado o calhau por ali mesmo merendámos... sem comentários...


O quinto largo (6a) é...algo estranho...movimentos esquisitos num curto diedro que se faz de 3 maneiras diferentes.
Sexto (6b+)...vimos o Paulo deliciar-se com uma espécie de diedro em meia cana, passos um pouco mais exigentes, com um crux um pouco desiquilibrante e atlético.
Por fim, lá foi o Miguel por um diedro atulhado de..."Ericas" espicaçantes.Um setimo largo (V) algo verdejante levou-nos ao cimo do Cantaro.





Mas a história não se fica por aqui! Uma via tão bonita, merece tratamento especial. Por isso, fizemos no Sábado passado a 1ª repetição, para lhe retirar um pouco do seu ar…verdejante e a deixar mais confortável (como quem diz…menos escorregadia!) para os repetidores que se seguem. Aproveitámos e deixamos também por lá uns perninhos nas reuniões e num ou outro lugar mais...arejado.Desta, a trepada soube ainda melhor, num fantástico dia de sol, sem pressa de voltar a casa...perfeito!

Daniela Teixeira (28/06/2006)


Via "Erika" (265 mts, 6b+) Material: 1 jogo de entaladores e 1 jogo de friends (c/ numeros pequenos e médios repetidos)

quarta-feira, junho 28, 2006

BÉÉÉ!... BÉÉÉ!...

(Nota: No dia 13 de Março de 2000, no então existente Forum Montanha (www.jba.pt/montanha/forum) apareceu esta inspirada história acerca de um pastor alentejano e as suas ilusões verticais, escrito pelo Paulo. Hoje, recuperando este texto, aqui fica para deleito de todos uma vez mais)


O compadre Gumerzindo, respeitável pastor da aldeia do “Pé na Bosta”, estava um dia, como todos os dias, a guardar o seu famoso rebanho de 32 ovelhas. A poucos metros de si estava “Vómito”, o fiel e único amigo de quatro patas e raça rafeira, companheiro de duras andanças pelos montes perdidos do Alentejo.

Sentado num calhau, mãos e queixo apoiados no seu cajado, de olhar inexpressivo, ao qual já se havia acostumado, Gumerzindo deixava que os minutos decorressem livres até se transformarem em horas. A seu lado… BÉÉÉ!... BÉÉ!… Vómito dormia, de focinho entre as pernas, absolutamente indiferente ao constante balir das ovelhas que, em seu redor devoravam ervas e pedras.

E, eis que de súbito, algo espantoso aconteceu… Trazidas pelo vento que se levantara com o final da tarde, as folhas de uma revista voavam descrevendo piruetas desordenadas até que se espetaram, num golpe seco, em cheio na cara de Gumerzindo.
- Ai! Merda! - bramiu.
Vómito levantou ligeiramente o focinho para, logo de seguida o voltar a pousar.
- O que é isto? - num gesto irritado o pastor retirou as folhas da sua cara. Dirigiu-lhes um rápido olhar antes de se preparar para as voltar a jogar ao vento. Mas, qualquer coisa despertou a atenção de Gumerzindo. Apesar de amarrotadas e descoloridas, ainda se conseguia observar uma série de fotografias nestas velhas páginas da revista. As estranhas fotografias eternizavam imagens de pessoas que se suspendiam unicamente pelas mãos em rochas e fragas, envergando roupas coloridas e esquisitos artefactos de metal, por onde passavam finos e atraentes “cordéis”. Algumas fotografias mostravam atletas de torso nu e musculado sobre pedras, em posições contorcionistas. Noutras imagens viam-se verdadeiros astronautas, dobrados sobre si próprios, transportando ás costas grandes “armários” e aparentemente, caminhando sobre inclinadas pendentes de neve.
Os olhos de Gumerzindo esbugalharam-se quando surgiu a foto de uma bonita rapariga, agarrada como uma lapa a um pedaço de rocha, envergando roupas mínimas, que lhe salientavam belos ombros e lombares bronzeados. Demasiado acostumado à companhia das suas ovelhas, custou-lhe abandonar esta ultima fotografia. A curiosidade deu lugar ao fascínio e só quando o Sol se escondeu por detrás do monótono horizonte, é que Gumerzindo desviou os olhos desta ocasional oferta do vento.

Nessa noite, embrulhado no seu velho cobertor esburacado, à luz da fogueira, tendo como tecto o céu estrelado, Gumerzindo tomou uma importante decisão. Também ele se iria tornar num trepador.

Os meses passaram. Na aldeia do Pé na Bosta nunca mais ninguém conseguiu pôr os olhos em cima de Gumerzindo, do seu cão e do famoso rebanho de 32 ovelhas. Corriam rumores que o pastor tinha sido aniquilado por meliantes que lhe roubaram o rebanho. A única duvida, residia em Vómito. Quem alguma vez iria querer um rafeiro tão feio?!

Blocos e paredes de granito invadem a paisagem da Serra da Estrela. Um território ainda em estado bruto no que diz respeito à escalada. A distância, a fraca vontade de exploração e aventura e, a pura ignorância, fazem com que este maciço receba poucas visitas do “pessoal colorido e artilhado de artefactos metálicos”.

No entanto, para Gumerzindo, este era um local de paraíso. Bons pastos para o seu rebanho de 31 ovelhas (a pobre Ofélia fora atropelado por um camião TIR quando cruzava o IP8, junto a Castelo Branco), montes e vales para o Vómito correr e saltar (um novo júbilo despertara no espírito deste cão, outrora um calão incorrigível) e sobretudo, muita rocha para Gumerzindo estoirar com os braços a praticar a sua nova e apaixonante actividade. Inspirado pelas páginas da velha revista, ainda em seu poder, cedo adquiriu o seu primeiro material técnico de escalada. Nos pés calçava umas belas galochas, ostentando a marca «Five-Ten», pintada a marcador. Uma lata vazia de feijões, com dois furinhos por onde passava um cordel, de forma a atar à cintura, fazia as vezes do imprescindível saco de magnésio. Quanto ao magnésio, pó-de-talco, está claro.
- “O único problema” – pensava Gumerzindo – “é que as mãos parecem escorregar um pouco mais”.
Para os dias frios não faltava a quente samarra… «North Face», bordado no ombro.

E assim passava os seus dias Gumerzindo. Escalando (sobretudo em solo) e resolvendo complicados problemas de Boulder, sempre acompanhado pelo seu inseparável rebanho de 31 ovelhas (BÉÉÉ!... BÉÉ!...), sob o olhar arguto do fiel (apesar de horrível) cão.

Para os passos de Boulder mais expostos já havia ensinado Vómito a conduzir o Ambrósio e a Mamalhuda (os calmeirões do seu rebanho) para debaixo de si, de forma a proteger eventuais quedas. Finalmente resolveu rebaptizar estas duas ovelhas como: o casal “colchão” (Crash-Pad, para os mais técnicos).

Mais meses volvidos e o pastor continuava a ser visto nos locais mais dispares da nossa geografia.

Um dia, nas Buracas, conseguiu encadear o seu primeiro 8a em solo, deixando os “penteadinhos”, bem vestidos mestres do “grau” (que se encontravam no meio das suas ovelhas… BÉÉ!...) boquiabertos.

Noutro dia alguém o descobriu a escalar “à vista” um 7c+ na Fenda da Arrábida. O escalador que testemunhou o acontecido relatou o facto:
- É pá! Eu cá só ouvia balidos de ovelhas. O cheiro era pestilento! De repente, do meio de toda aquela lã, vejo um tipo com umas galochas e uma lata de feijão atada à cintura, a subir como um louco por ali acima… foi indescritível!

Em Sintra, nos novos blocos de Boulder, resolveu um V10 à terceira tentativa.

Quando interrogado sobre os seus mais recentes feitos, a sua resposta foi enigmática:
- Ó compadre, experimente lá conduzir um rebanho pelos montes Alentejanos e aí sim…vossemecê vai ver o que é a dificuldade de verdade!

Hoje em dia pouco se sabe de Gumerzindo. No entanto algumas testemunhas oculares afirmam ter visto, em plena autopista Espanhola, um pastor de samarra (North Face) e de cajado em punho a deslocar-se em direcção a Cuenca, acompanhado por um rebanho de 33 ovelhas (comprovando os anunciados nascimentos de “Patas Tortas” e de “Costas Arqueadas”, os primeiros filhotes do casal Crash-Pad).

Ah! Convém não esquecer que, seguindo atrás de toda a “família” de Gumerzindo também foi visto um cão muito feio arrastando uma comprida língua.

Seria o fiel Vómito?

Paulo Roxo em 13/03/2000 (www.jba.pt/montanha/forum)

terça-feira, junho 27, 2006

Rocha Podre?!?!


Parece que da fama já não nos livramos. Pois então aqui fica um pequeno filmezito para reforçar a ideia...





Nota: As imagens acima visualizadas foram produzidas numa improvisada encenação no decorrer de uma ascensão a uma via algures pela Serra da Estrela.

quarta-feira, junho 21, 2006

E a bola rola...

Já agora e dando uma achegazita ao texto da Daniela, a propósito do Futebol e, neste caso das bandeiritas Portuguesas e dos patriotas que aparentemente proliferam neste cantinho Europeu, eu pergunto:

Onde é que estavam as ditas bandeirinhas e os patriotas quando ainda no passado ano (e no ano anterior e no anterior e no anterior...) a zona de Pampilhosa da Serra e Serra da Estrela (e outras) estavam a ser assoladas pelos terriveis mega-incêndios visiveis do espaço?
Será que essas mesmas bandeirinhas e esses mesmos patriotas estavam reunidos junto à assembleia da republica para tentar obrigar o governo a fazer algo em relação a esse assunto?

E porque é que não vemos esses patriotas e as suas “irritantes” bandeiritas a manifestarem-se junto aos barões da Turistrela contra a mais selvagem obliteração de uma das mais belas serras Portuguesas?


Ás vezes penso que o nosso País merece a sua sorte.

Ou então sou o único que acha uma verdadeira fantochada governamental o facto de a assembleia da republica (note-se as minusculas nas primeiras letras de assembleia e republica) fazer um minuto de silêncio pela morte de um... futebolista!?
Ou de o excelentissimo senhor actual primeiro ministro (e demais comitiva) ter-se deslocado à Alemanha para assistir aos joguinhos, comer e beber “à Francesa”, à pala do dinheiro dos tugas. Tudo isto anunciado na T.V. como um grande acontecimento nacional e para jubilo dos mesmos patriotas – qual Papa em visita de terras Árabes!

De facto, só nos resta a escalada.

Paulo Roxo

Futebol...a bola rola e o país estanca!

Começo por dizer que não gosto, não gosto mesmo!
Até à bem pouco tempo (como quem diz...até à uns anos atrás!), pouco me importava com o jogo, jogadores, assistência...
Hoje em dia choca-me, choca-me que um bando de analfabrutos que correm atrás de uma coisa redonda, sejam ultra bem pagos para paralizar o país!
Confesso que até à uns minutos atrás, estava a tentar trabalhar...porque é para isso que me pagam enquanto o meu rabo está sentado na cadeira que ocupo diáriamente das 8:30 às 19:30 (ou outras horas quaisquer), mas...tentar tentei, até que os gritos vindos de várias salas instaladas nas empresas que existem no prédio onde trabalho (note-se que algumas até são empresas do estado!), me destabilizaram os neurónios.
O país está em greve, mas desta vez não há estado que se queixe!
Se por algum motivo uma empresa, várias, um sector, o que seja, fazem greve por 2 horas, vem logo acusações do estado contabilizando prejuizos por tamanha paragem na produção.
Agora (porra, estão de novo a gritar!), pára o país por 2h (estado incluido!) e nem se fala no tamanho rombo financeiro provocado pelo jogo!!!
Já diz alguém que me é querido"o homem quando está em grupo, embrutece" e desta o grupo é muito grande!

Até aposto que na Assembleia estão vários ecrans gigantes a passar o jogo e os nossos "governantes" gritam como qualquer outro ser embrutecido (imagino-os já suados de nervosos, alargando os nós das gravatas para melhor arrotarem as cervejas e cuspirem as cascas dos tremoços para o chão!) !...é por isto que o país não anda para a frente!
Olha...mais vale ir escalar uma pedra!!!

Daniela

terça-feira, junho 13, 2006

O dia dos "anos"

Este é o mês de todos fazerem anos. Tanta, tanta gente que nasceu em Junho!

No dia 10 de Junho, é o dia de aniversário do «Larau», e como já vem sendo habitual nos ultimos anos, nesta data vamos escalar para o Cabo Carvoeiro (Peniche). E como o Roxo e a Ema também fazem anos na mesma semana, nada como festejar todos juntos os seus aniversários.

No Sábado até direito a bolo na falésia tivemos. À noite uma vez mais o Larau e a Guida proporcionaram-nos um banquete em sua casa.


O bolo rapelador!!


Os aniversariantes


Parte do grupo

Bruno a ultrapassar as dificuldades da via «Federações e outras Aberrações»




quinta-feira, junho 08, 2006

Recuperando um antigo texto, publicado à mais de um ano atrás num conhecido forum:

O MEMORIAL DO CARVALHINHO

No inicio, ainda antes de ter visto o mundo, vim a voar no cú de um passarinho. Este pousou debaixo daquele tecto sombrio e, indiferente ao meu destino, resolveu cagar numa fina fissura de granito. A humidade fria dos Invernos e o calor abrasador dos Verões viram-me nascer sob a forma de um tímido arbustinho passando, alguns anos depois, para um pequeno mas forte e orgulhoso tronco de árvore. Tinha-me transformado num Carvalho (na verdade, tão entalado estava naquela estreita fissura que o meu crescimento sempre foi difícil. Realmente, havia-me transformado num “Carvalhinho”). A minha posição era privilegiada. Avistava todo o vale da Nossa Senhora da Peneda até Tibo. À minha frente, o maciço granítico estendia toda a sua crista até à gigantesca placa da Nédia. Os dias, meses, anos e as estações, corriam lentamente. A magnífica monotonia cíclica da terra desfilava ao vento, perante os meus ramos e folhas. E, eis que um dia vi surgir uma figura humana. Trepava na minha direcção. De estranhas vestes e um magote de quinquilharia metálica à cintura, este estranho ser ganhava gradualmente altura. Corria o mês de Outubro do ano 1981. Miguel Lopez, Antonio Martinez e José Maria, subiram até à minha presença e, um de cada vez, suspenderam-se ao meu tronco para cruzarem, por primeira vez, o tecto que me cobria da intempérie. Ainda estava longe de adivinhar a importância daquele acto. Aquele encontro surreal, naquele cantinho remoto da parede da Meadinha, acabou por marcar a minha vida para sempre. Estes primeiros escaladores baptizaram a linha de quatro lances “As escaleras al cielo” e, ao nível da segunda reunião, ali estava eu, no caminho, como uma bênção da oportunidade, pronto a ser laçado, ao bom estilo dos cowboys. A palavra foi viajando e, com o correr dos anos transformei-me no Carvalhinho mais famoso da região. Todos os que ousavam enfrentar a “Escaleras al cielo”, iriam encontrar-me, laçar-me e continuar. O “passo da árvore” era inevitável e a minha importância inestimável. Eu era um Carvalhinho emblemático conhecido e comentado por todos. A minha existência tornara-se um símbolo. Até que... o mês de Fevereiro de 2005 viu surgir três escaladores. Não havia novidade. Três mais, três menos... não fariam a diferença. Só que eu não me apercebi dos sinais. Algo não estava bem. Quando se aproximaram não consegui distinguir o brilho tresloucado por detrás dos óculos de um deles. O primeiro escalador laçou-me a sua cinta, como todos o fizeram até então. - À primeira! Nunca tinha laçado a árvore à primeira! - gritou o tal de Miguel Grillo.

A segunda escaladora, de nome Daniela Teixeira, repetiu os movimentos, subindo sobre mim e continuando... como todos até então. Mas, eis que surge o terceiro elemento. O de olhar tresloucado. Não sei se era da vaidade por estar a estrear umas ridículas novas calças amarelas ou se este seria apenas e por natureza intrínseca um “pataludo” incorrigível, o facto é que a sua conduta foi muito menos elegante que a dos precedentes. Duas mãos feias e enrugadas agarraram o meu tronco e suspenderam-se confiantes. Demasiado confiantes! Num mísero segundo a minha vida foi literalmente quebrada. - VIL ASSASSINO! Pendurado pela corda, a rodar no ar, o surpreendido criminoso fitava nas suas mãos o meu corpo inerte, separado para sempre daquela moradia de granito, à qual já me havia acostumado.

Segundos depois fui lançado ao vazio, caindo na base da parede, saltando uma, duas vezes, até jazer junto aos meus primos maiores. Que morte tão indigna! Um trágico momento na história da escalada na Meadinha. A partir desse instante o “passo da árvore” seria muito mais difícil. Sem a minha valiosa presença tudo se havia modificado. Ao descer, os mesmos três escaladores encontraram-me numa das curvas do caminho romano. Após uma breve homenagem solene, fui deixado no interior de uma fissura de granito, na parede que me viu crescer.

As flores irão surgir, o Sol irá aquecer, as folhas cairão e a chuva irá aparecer. As estações do ano seguirão o seu curso normal. A Terra continuará a rodar à mesma velocidade e os planetas do universo não se desviarão da sua rota. No entanto, nem que seja por uma miserável e ridícula parcela de um micro-segundo, o mundo mudou. Sem mim, o Carvalhinho, o mundo mudou.

Paulo Roxo (o de “olhar tresloucado”)

20 de Fevereiro de 2005

sexta-feira, junho 02, 2006

Shaktis Ausentes


Ainda esta temporada estival não tinha ido sentir o áspero granito da Serra da Estrela. Sentia-me inquieto agora que o calor começa a fazer-se sentir e os finais de tarde são de um prazer memorável. Para mim, quando o Verão se aproxima, e praticamente todo o país sufoca sob um ardente sol, não existe lugar mais perfeito para dar azo ás ânsias de escalar do que a nossa querida Serra. Reino de tremendas fissuras, diedros e temidas placas, alberga algumas das melhores vias de escalada que se poderão encontrar. Cântaro Magro, Parede do Inferno, Placa Verde, Vale de Loriga…enclaves por excelência para um jogo de uma pura essência. Granito de grande qualidade recortado por fissuras onde a arte da auto-protecção impera e extensas placas com transpirantes protecções fixas. Terreno de torneados movimentos onde o perfeito equilíbrio de corpo/mente nos leva ao tão ansiado próximo relé.



Na passada semana, uma poderosa força se apoderava corrosivamente do meu pensamento, puxando-me endiabradamente e com uma extrema violência o meu espírito para aquelas altas e rochosas terras.
- Tens de IR à SERRAAAAA!!!!!!, uma muda voz sussurrava constante e insistentemente na minha interioridade.

Mas a razão, e o discernimento da mente puxavam-me para terras mais a sul, para as falésias que compartimentam o azul oceano da baia de Sesimbra (perdoa-me Gaspar!).

Naquela calorosa noite de Sexta-feira (26 de Maio), dando voltas e revoltas na cama, numa constante e angustiosa luta, aquela “força” vs a voz da “razão” debatiam-se gladiadoramente por um fim sem desfecho previsível. Já tarde na hora ás portas da escura madrugada, cansado de uma semana de conflituosa luta interna, tomo a decisão…

Sábado, 6 horas da manhã. Desperto ao som do sempre irritante telemóvel e silenciosamente arrumo todo o material de escalada. 45 minutos mais tarde, já rumava em direcção à Serra da Estrela. Agora tudo estava claro e o objectivo estava perfeitamente nítido nos perdidos recantos do pensamento.

Há dias, ocasiões, momentos em que não vale a pena fugir. Agora, apenas renascia a constância e a necessária concentração para a opção tomada e uma fugaz apreensão derivada da incerteza final. Ou não fosse tudo isto a razão…da aventura!

No final da primavera de 1995, o incombustível Paulo Roxo acompanhado do João “Artista”, abriam magistralmente, na refundida e um pouco mais remota face Norte-Nordeste do Cântaro Magro a via Shaktis Ausentes (150m, 6c/A2).

Em Julho de 1996, na altura ainda graduada pelos seus aberturistas como 6a/A3, tive a oportunidade na companhia do Nuno “Larau” de realizarmos a provável 1ª repetição integral desta grandiosa via de escalada. Grandiosa pelo seu entorno e sobre tudo pela beleza do seu traçado. Naquele ano, foram quase dois dias de intensa escalada com direito a dormida em suspensas “hamacas” caseiras. Foi toda uma real aprendizagem e principalmente uma grande aventura. Uma escalada que jamais poderei esquecer…

Oito anos mais tarde, num fresco dia de Verão, voltamos a esta via. A minha curiosidade aumentava aguçadamente à medida que subíamos o trilho em direcção ao Covão Cimeiro. Em todos estes anos tanto se havia alterado…idade e conhecimentos, ideias e pensamentos, relações e ralações, vivências e momentos. E a via, será que está na mesma? Será que agora aos nossos olhos estará diferente? Apenas uma forma havia de encontrar a resposta: Escalar!!
Descontraidamente, limpando algum musgo aqui e ali, conversando e rindo como constante, o Roxo, o “Magno” e eu realizávamos aquela agradável escalada em cerca de 4 horas, forçando em livre o máximo para nós possível e recotando a via para 6c/A2 (6a/A2 obrigatório). Dos 4 lances, apenas o primeiro e 3 passos do segundo ficaram por forçar. Uma vez mais a Shaktis Ausentes me proporcionava uma escalada invejável.

No Sábado (dia 27de Maio), por volta das 10 horas encontrava-me de novo na base da face Norte do majestoso Cântaro Magro. Sobre mim, ergue-se a familiar Shaktis. Neste dia estava sozinho. Já há muito que esta ideia de escalar em solitário esta via rondava os meus mais perversos pensamentos, mas por um motivo ou outro, ou simplesmente por nunca ter coincidido com o momento certo, esta era uma ideia eternamente adiada.

Tranquilamente preparo todo o material. Coloco os entaladores, friends e expresses no arnês, preparo as cordas, coloco o gri ao peito. Inicio o fortemente sub-prumado 1º largo ao ritmo da fresca brisa. Escalada artificial fácil. Suspenso do 3º friend, continuo a sentir-me tranquilo. Aquele era o DIA!! O dia em que tudo encaixava.
Escalo mais lentamente do que usual. Hoje não existe lugar a precipitações. Tudo tem de ter o seu ritmo e o seu encadeamento natural. O 1º lance, 2º lance, 3º lance...tudo corria na sua normalidade de rotina que este estilo de escalada apresenta. Escalar à frente, fixar corda, descer, subir novamente pela corda, organizar o material e voltar novamente a escalar à frente o seguinte largo…e assim sucessivamente. Este 3º lance é um dos mais bonitos largos de corda que alguma vez escalei. Uma fissura perfeita com mais de 20 metros de longitude de uma dificuldade de cerca de 6b+/6c. Começa com entalamentos de mãos e vai estreitando…estreitando…até desaparecer, engolida pela lisura deste cinzento granito. Termino os últimos 3 ou 4 metros em artificial. Nesta posição (em solitário) a fissura parece-me demasiado cega. Da outra vez, havia escalado esta fissura integralmente em livre, mas desta vez (e em tantas outras) a força é proporcional ao medo, e o medo directamente proporcional ao compromisso.



Levanta-se um fortíssimo vento. Hesitei em continuar para o 4º e ultimo lance. O maior problema do vento forte, seria na descida em rappel de toda a via. Decidi continuar e sem grandes percalços (embora alguns sustos com as rajadas de vento que mais pareciam tiros de ar comprimido) alcanço o final da via. Um breve momento de descontracção e de enorme satisfação, e rapidamente inicio a descida. Três longos rappeles depositam-me novamente em chão firme. Invadido por uma desabordante felicidade, embora bastante cansado, sinto uma sensação de alívio e enorme leveza. Há muitos anos que esta ideia me perseguia e naquele momento havia-se tornado numa realidade.




Enquanto colocava a pesada mochila às costas para o sofrido regresso ao carro, uma nova e fugaz ideia emergia no meu pensamento. Liberar esta via, tentar escalar em livre a totalidade de cada um dos largos da Shaktis Ausentes. Provavelmente nunca terei o nível suficiente e dificilmente algum dia o conseguirei. Mas, certamente um dia voltarei!!

Miguel Grillo (02/06/2006)

Shaktis Ausentes (150m, 6c/A2) – 1ª ascensão em solitário em 27 de Maio de 2006