segunda-feira, janeiro 18, 2010

CASCATA DO INFERNO. VERSÃO DILÚVIO.

CASCATA DO INFERNO. VERSÃO DILÚVIO.

O Magnifico Cântaro Magro


Nível de actividade: 100 por cento!

Nível de diversão: 100 por cento!

Nível de humidade:... 100 por cento!

Resultado final e conclusivo da ultima sexta-feira (15), depois de um dia épico de escalada em gelo.


O Rui Rosado e eu elaborámos um plano bastante simples: uma viagem relâmpago à Serra da Estrela, a partilhar gasóleo e emoções, com o objectivo de escalar o máximo possível até o dia terminar.


Face Norte do Cântaro


O mau tempo de toda a semana impedia subir de carro ao ponto de partida mais ou menos habitual, a curva do Cântaro. Resignámo-nos a abandonar a viatura no Covão D`ametade e a empreender a aproximação mais longa, através do Covão Cimeiro.

A desvantagem da caminhada foi compensada com o panorama geral das cascatas de toda a área, desde a Curva do Cântaro, ao Corredor largo, passando inevitavelmente pela mais que famosa e eternamente desejada, “Cascata do Inferno”.


Vista geral desde o Covão Cimeiro


“Ali estão!” Lá em cima, confundindo-se com o branco da neve, encontravam-se duas cascatas que nunca em anos anteriores tinha visto formadas e, das quais desconheço qualquer ascensão.

Uma delas fora tentada no passado dia 9 de janeiro pelo Pedro Barreto que, por pouco não conseguiu a primeira ascensão. Nesse dia, o gelo encontrava-se bastante precário e o bom senso falou mais alto.

Desta vez, o gelo encontrava-se em condições aceitáveis e o Rui Rosado realizou a primeira ascensão com destreza.


O Rui a inaugurar a "Quitate la nitro!"



Mais dois momentos na "Quitate la nitro!"


Resolvemos baptizar a via com uma frase emblemática do filme magnificamente idiota: Limite vertical. Tratava-se de uma versão em Castelhano que o Rui havia visto no campo base do Aconcágua. Num dado momento, a meio da película, alguém grita: “Quitate la nitro! Quitate la nitro!”

Pouco depois, lancei-me à linha da direita que, confirmei encontrar-se mais instável. No entanto, a sua dificuldade era menor que a da via anterior e, com o apoio psicológico de um friend sólido, lá “conquistei” a cascata, inaugurando a “Nitroglicerina”.


Eu a dar-lhe na "Nitroglicerina"




Desde aí descemos “a correr” para o sector “Lafaille” onde, ainda se pôde escalar duas vias.

Entretanto, o mar de nuvens cerrado que durante todo o dia escondeu o céu, resolveu começar a despejar... água!


O sector Lafaille.


Sob uma chuvinha miudinha (a chamada “Chuva molha parvos”, em que os “parvos” seriam sem sombra de dúvidas: nós!), dirigimo-nos à “Cascata do Inferno”, com a atitude: “A ver se dá!”

Durante uns minutos estivemos a observar a bela linha gelada, sem saber o que fazer.

A chuva não parava de cair, comprovando de forma inquietante, altas temperaturas.

“E então?” Uns segundos de pausa para a resposta: “Por mim, tentava!”

Ao som das primeiras “pioladas”, à medida que progredia lentamente, a imagem de uma bela cordeleta enfiada num furinho “Abalakov”, a suportar uma fuga estratégica com o rabinho entre as pernas, preenchia o meu cérebro.


"Vai lá Roxo, a neve é mole!"


Mas, ao dobrar a secção vertical inicial, com as palavras de apoio do Rui (“Vai lá Roxo, a neve é mole!”), retomei a confiança e reforcei-a com um parafuso decente.



"Uff! Quase!"


O longo primeiro lance da “Cascata do Inferno” saiu sem grandes novidades e o bom senso ditou que a reunião deveria ser instalada em rocha, com dois “amigos”, colocados numa fissura “à bomba!”


"Nada como uns bons amigos!"


Nessa altura já estavamos encharcados como pintos. A água escorria pelas mangas do blusão e o gore-tex parecia mais um enxovalho, que uma peça de equipamento de alta-montanha.


O Rui a aproximar-se...


"Tá de chuva!"

Prestes a concretizar um dos seus sonhos de Inverno na Serra da Estrela, o Rui escalou o segundo lance da cascata com soltura e, momentos mais tarde, gritava desde o topo: “Reunião!”


"Tá no ir!"


"Bota lá um parafusinho!"


Mesmo ao anoitecer (como previsto) chegámos ao Covão D`ametade.

Completamente ensopados mas satisfeitos, retomámos a estrada de regresso.

Um dia memorável!


O melhor alpinista do mundo?

É aquele que mais se diverte!

Alex lowe


Paulo Roxo

quarta-feira, janeiro 13, 2010

SERRA DA ESTRELA - ICE REPORT

SERRA DA ESTRELA - ICE REPORT

No passado fim-de-semana, antes de o país ficar de novo debaixo de uma massa de baixa pressão deprimente, andou bastante gente na Serra da Estrela, em busca do tão raro gelo.

De facto, os dias de baixas temperaturas foram suficientes para que se formassem de novo as tão desejadas linhas, muito embora lhes falte ainda a espessura necessária para o total conforto mental das protecções.

Aqui fica um resumo do que por aqui e por ali se podia escalar à frente, ou em top., no Sábado, dia 9.

A Daniela e eu fomos direitinhos à Cascata do Inferno mas, os ânimos depressa arrefeceram quando observámos um primeiro lance demasiado fino. O segundo lance, no entanto, parecia “realizável” de primeiro. De todos modos, não nos metemos.


"Cascata do Inferno" ainda precária.


De seguida dirigimo-nos para o Corredor Largo e aí sim...

Partimos gelo na “Cavalo de gelo”, na “Dama oculta” e, do outro lado da “rua” divisámos uma pequena coluna que parecia bastante sólida e convidativa.


Na "Cavalo de gelo".


Na "Dama oculta".


A saída desta pequena via não chegou a ser sequer “uma saída”. Os arbustos no topo eram tão densos que não consegui penetrar de forma a saltar por cima da cascata. Assim, a solução foi deixar um troço de cordeleta a abraçar o máximo de raminhos possível e montar um dos top`s mais precários que alguma vez equipei.

Resolvemos baptizar aquilo com o nome “Colunhorta” (grau 3), vá-se lá saber porquê.


A "Colunhorta".


Na "Colunhorta".


Para finalizar o dia em beleza, fomos a correr até à base de duas linhas que nunca tinha visto formadas.

Alguém já tinha feito uma marcação antes de nós. Eram o Pedro Barreto e um amigo (desculpa, não me recordo do teu nome!) que, também eles, não resistiram ao encanto destas belas cascatas acabadinhas de nascer.

O Pedro Barreto lançou-se à da esquerda.

Por ter ficado de chapa ao Sol quase todo o dia, o gelo apresentava-se bastante precário e com má sonoridade. Ainda assim, o Pedro conseguiu escalar quase toda a coluna principal mas, junto ao topo teve de baixar com cuidado, não fosse a estrutura desmantelar-se fazendo-o baixar... em velocidade!


As "novas" linhas, possivelmente virgens.


Tentei a linha da direita.

O Sol tinha feito das suas e, tal como à esquerda, o gelo soava a oco de uma forma perturbante.

Lá embaixo, alguém escalava no sector Lafaille. Este sector, eternamente sombreado, parecia apresentar um melhor aspecto.

“Vamos mas é lá para baixo!” Dizia a Daniela, adivinhando condições de gelo mais favoráveis.

Rendi-me ás evidencias e desistindo de uma possível nova linha, lá fomos corredor abaixo, a acelerar, antes do ocaso.

O sector Lafaille, costuma (nos melhores dias) ter formadas quatro linhas. No passado Sabado, só uma se apresentava bem constituída. O gelo estava em excelentes condições e, acabou por se revelar uma óptima via para terminar o dia.


Sector "Lafaille".


Sobre as condições do gelo noutros sectores, de referir que a ultra-clássica cascata da Curva do Cântaro encontrava-se em perfeitas condições, como podem atestar o Helder e os companheiros do Clube de Montanhismo de Seia.


A Daniela aponta a "Cascata da curva do Cântaro".


No vale de Loriga, no sector Loriga Ice, estiveram o Rui Rosado, a Ana e dois amigos, que encontraram o gelo ainda fino e vidrado, impossibilitando uma escalada “à frente”. Assim, tiveram de se contentar com algumas topalhadas.

Desconhecemos se alguém esteve na “Cascata encaixada”, no Covão do Ferro que parecia estar bem formada.


Concluíndo, teria sido um fim-de-semana perfeito, não fosse o acidente do Paulo Branco, no Domingo a acrescentar um sabor azedo ao doce da actividade.

Paulo, vê lá se ficas bem!


De seguida, referência ás cascatas existentes na zona do Corredor Largo:




A: Bela cascata virgem. Não foi escalada porque não tocava o solo.

B: Brr! Brr! Não estava devidamente formada.

1: Cavalo de gelo.

2: Canalito. Não a fizemos mas, parecia em condições para se escalar "à frente".

3: Gêmea. Como a anterior.

4: Dama oculta.

5: Diedro de Cristal.

6: Cascata das Couves.

7: Pequena Couve.

8 e 9: Sector Laffaile. Duas vias possiveis de escalar "à frente".


Paulo Roxo

quinta-feira, janeiro 07, 2010

EL CHORRO. NOVA VIA-ZITA.

EL CHORRO. NOVA VIA-ZITA.

O "Bigwall" de El Chorro e as famosas covas das desportivas mais clássicas.

Benga aí!”

O grito interrompeu o meu pensamento: “Demasiadas tapas em Malaga!”


A Catedral de Malaga.


A mão direita numa pequena “reglete” horizontal formada por uma lasca de rocha de aparência pouco recomendável e dois dedos da mão esquerda metidos num pequeno buraco oportuno, agarravam-me ao mundo da ressaca pós-passagem de ano.

O friend numero um protegia-me de um potencial voo que, parecia querer concretizar-se.

“Estais abriendo via, no?!” Retomou o Espanhol que nos observava do cimo da via “Navegador”, situada nas “Escaleras suizas”, um dos sectores com melhores vistas de El Chorro.


"Escaleras Suizas". A "Via-Zita" encontra-se no extremo direito da foto.


“Si!” Respondi sem fornecer mais detalhes, não fossem as palavras desequilibrar-me lançando-me ao vazio.

A Daniela, assegurava-me com atenção, uns trinta metros mais abaixo, suspensa na reunião.

Acima da minha cabeça a escalada parecia delicada. A aparente falta de presas e, sobretudo, a falta de fissuras ou reentrâncias decentes para colocar alguma peça de material dissuadiam-me de continuar.

Os minutos iam passando e os gémeos iam cedendo.


Iniciando o primeiro lance.


A Daniela no primeiro lance.


De repente, o olhar tropeçou numa diminuta ervinha de três folhas que emergia da placa lisa de calcário. Os dois dedos da mão esquerda pressionaram a pequena presa com mais força. A mão direita desceu sobre um mosquetão que transportava alguns pitons de rocha. Empunhando um pequeno piton “V”, como uma navalha, espetei-o no pequeno buraco que a ervinha escondia. O piton ficou equilibrado sobre a sua ponta, o tempo suficiente para permitir aceder ao martelo e... Ping! Ping! Ping!

Soprei com alívio. De espirito renovado, lá me comprometi com os passos seguintes.


A fissura do segundo largo. Intensa e bonita.


A Daniela juntou-se a mim na magnifica reunião constituída por duas pequenas árvores.

Para cima tínhamos um terceiro lance vertical, de aspecto “disfrutón”, que conduzia à aresta final.

Para baixo ficara o segundo largo, uma linha imaginária de movimentos técnicos sobre uma linha real de fissura fina de detalhes complexos e de difícil protecção. O “must” da nova via.


No ultimo lance, a retirar os "amigos".


Ultimo lance.


“E agora? Para cima ou para baixo?”

Tínhamos alcançado o final das dificuldades mas, a aresta continuava por mais uns 100 metros, em terreno muito mais tombado, sinuoso e de aspecto alpino. Se tivéssemos transportado as sapatilhas continuaríamos para cima, para contornar o maciço e retornar a pé. Mas, as sapatilhas repousavam na base da parede assim que, a decisão foi rápida e inevitável: “Para baixo!”

Preparámo-nos para os rapeis.

Agora, o dourado reflectido das paredes, resultado do pôr-do-Sol eminente, contrastava com o azul intenso do céu limpo.

Ao fundo, no cimo da serra observavam-se outros aventureiros, estes voavam por debaixo das suas coloridas asas de parapente. Entre nós planava um abutre, senhor do seu território e, indiferente à nossa satisfação por termos conseguido escalar esta nova via, no magnifico e, todavia surpreendente, EL CHORRO.





VIA-ZITA. 175 mts 6b/c

Paulo Roxo e Daniela Teixeira em 2/1/2010


No primeiro lance será necessário ter especial atenção a alguns blocos instáveis, situados no ultimo terço da via.


O segundo largo de rocha bastante decente, cruza uma “espécie” de fissura fina, que se avista claramente desde o solo, por cima de um diedro amarelo em diagonal. Trata-se do lance mais bonito, compacto e... difícil.


O terceiro lance entra por um diedro muito evidente. Depois, convêm ir “zigue-zagueando” um pouco, buscando a linha de maior fraqueza e, melhor rocha.


O quarto largo segue o fio do esporão evidente. Interessante para quem deseja “conquistar” o cimo do maciço.


Material: Cordas duplas de 60 metros, conjunto de friends e micro-friends, entaladores, cintas ou cordeletas para abandonar (em caso de rapel pela própria via) e, claro... o capacete!


Nota: a Via-Zita é uma singela homenagem à espectacular avó da Daniela.


Paulo Roxo