quarta-feira, agosto 31, 2011

MARIA DA LUZ. A ULTIMA SENHORA NA PAREDE DAS DAMAS

MARIA DA LUZ. A ULTIMA SENHORA NA PAREDE DAS DAMAS



Ao olhar as fotos do último fim-de-semana deixo fugir um sorriso.

Um fim-de-semana, 270m de via nova numa parede que não deixa de nos surpreender, a face sul do Cântaro Magro. Um excelente jantar com amigos dos quais já tínhamos saudades, a troca de gargalhadas, piadolas, escaladas passadas e futuros planos...que mais se pode querer para 48 horas de Serra da Estrela?


A face sul do Cântaro.

Como já é nosso costume, deixámos para trás a grande cidade e rumámos à Covilhã na sexta ao fim da tarde. Trazíamos na mochila um desejo, abrir a quinta via que delineamos na face sul do Cântaro Magro.


"Vamos a ela!"

Pelas 10 da manhã de Sábado, comecei a colocar a panóplia de friends no arnês “queres levar pitons?”. Olho para cima, avalio o peso que já levo à cintura, pondero acerca do peso do martelo e decido “Não”. Sinto-me feliz, o sol está radioso, a temperatura excelente, a aderência é perfeita, aquela parede de granito convida-me decididamente a subir.


Amigos sempre presentes.

Subo, subo mais e mais e a minha cintura fica cada vez mais leve. Consequentemente, as protecções mais espaçadas! Chego à fase do tira daqui para por ali, na ânsia de poupar material. Para além de não levar pitons, também não levo plaquetes, pelo que a minha mente pensa já se terei material adequado para montar a reunião.


No primeiro lance, looongo!

Ao fim de 55m...”REUNIÃÃÃÃÃÃOOOO”! Uf! Desta estou safa! As fendas que encontrei na plataforma coincidiam com 2 dos 4 friends que me sobraram.

Segundo largo, toca-me um pouco de musgo...tipo batata frita, mas nada que não se retire com a mão. Este saiu mais curto. Mais um largo de desfrutar.


A iniciar o segundo largo.

Terceiro largo. Penso...vou eu? Hesito uns segundos, a fenda que se desenha acima da minha cabeça parece-me um pouco mais complicada. Decido meter-me e...mais um largo para desfrutar, as presas que não se percebem de baixo são de mão cheia.


Dois momentos do terceiro lance, uma fissura estética e mais fácil do que aparentava.

Chegamos ao ponto em que o material passa para a cintura do Paulo, um pouco mais acima avistamos o diedro que nos atraiu nas fotografias. Para lhe chegar à base, passamos ainda mais um largo...daqueles plaqueiros em que quase se pode correr. São as 13:20 e estimamos que nos faltem cerca de 3 ou 4 largos...deve dar para terminar a via hoje!


Na placa do quarto largo. O diedro dificil mesmo por cima da cabeça.


A terminar a placa do quarto largo.

Pouco depois, vejo o Paulo sorridente a aproximar-se do diedro. De baixo parece relativamente fácil, mas as aparencias iludem...MUITO! Para entrar numa das placas que o forma é preciso alçar a perna a uma certa altura e alcançar uma fenda, tarefa tanto mais difícil quanto menos altura se tem. Nesta, o Paulo ficou a ganhar-me! Segue-se uma escalada desequilibrante e um ressalto trabalhoso e por azar, com a fenda cega! A avaliar pelas posições em que vi o Paulo e pelo tempo que demorou a coisa não me ia ser fácil. Ainda tentei fazer aquela passagem em livre...apenas uma vez! A percepção da dureza do passo e a fome de acabar a via no dia rapidamente me levaram a agarrar todo o material disponível para ultrapassar aquele ressalto. Chegando à reunião, o que vi não foi muito animador, estávamos por baixo de um tecto, para a esquerda a coisa não tinha...pés de gato para andar. Para a direita, não havia uma única fenda que nos levasse para fora do tecto. Chegámos ao que geralmente se chama “um beco sem saída”.


Diedro ultra-estético... e duro... na quinta tirada.

Mas o Paulo tinha a solução num burilador e umas quantas plaquetes, contando que estas lhe permitissem chegar a uma aresta à direita, e que a visão dessa aresta para o outro lado do mundo fosse boa. A decisão foi abandonar a reunião por uma artificialada! MAS...ao colocar a primeira plaquete, a constatação de uma broca com a ponta partida não foi reconfortante! Humm...será que temos de abandonar?


Prestes a espetar o burilador, pela sexta vez. A broca partida resistia corajosamente.

Apesar de partida, a broca continuou a fazer o seu trabalho, assim como o Paulo, uma máquina humana de furar que em menos de nada cravou 5 plaquetes no granito. Já fora da minha vista, alguns comentários menos dignos de menção fizeram supor que o largo não me ia ser fácil. “Vamos ter de sacrificar um friend aqui nesta travessia”, grita o Paulo, para meu enorme espanto. As travessias não me são geralmente simpáticas, mas sacrificar um friend? Quereria ele dizer que a travessia era horripilante?

Horas depois (literalmente!) comecei o largo, para mim muito mais fácil, pois só tinha de passar o estribo desta para aquela protecção. Na ultima plaquete avistei a travessia, mas entre mim e a dita existiam ainda uns delicados passos que feitos a pêlo sem a corda de cima...WOW! “Piiiiiiiiiiii” e com a corda bem tensa lá cheguei ao friend que o Paulo já tinha mentalmente abandonado. Com alguma engenhoca com as cordas, “solta a verde...aperta na roxa....” consegui resgatar o friend sem sair disparada em pêndulo e pouco depois chegava à reunião. Eram agora seis da tarde!


A Daniela a sair da secção de artificial. Lá embaixo o Sergio na "Érika".

Seguir ou não seguir, era a questão que se colocava. Tentar terminar a via, com a possibilidade de não o conseguir, ou deixar para Domingo e ter a possibilidade de desfrutar ainda de umas mínis com os amigos antes do jantar?

Optámos pela segunda hipótese!

Entretanto, na via Erica ali ao lado, estavam os Abismados Natália e Sérgio. Tinham começado a escalar por volta das três e estavam cheios de vontade de terminar a via de noite, não fora o nosso desincentivo! Sim, conseguimos convence-los a trocarem uma saída nocturna, por umas cervejas geladas.

À nossa espera no restaurante Varanda da Estrela, estavam já alguns amigos. O jantar...deixo apenas as fotos, creio que não é preciso comentar!


Momentos bonitos, discursos animados e teorias supremas no jantar de amigos... com vinho e o espectacular Arroz de zimbro!!

Domingo de manhã, doridos e ensonados, retomámos a faina abrindo dois espectaculares largos, sendo o segundo dedicado aos fãs dos entalamentos. Um ultimo largo comum com a Erica levou-nos ao topo do Cântaro, onde finalmente pelas 3 da tarde pudemos saborear a totalidade da Maria da Luz, a última dama da face sul.


Três momentos no soberbo sétimo lance da via.


A fissura de mãos do oitavo largo. Espectacular!


Dois momentos do ultimo lance, comum com a "Érika".


Cume!

O Domingo acabou a recusar um convite dos amigos para mais uma escalada (já estávamos satisfeitos!) e claro, com o cansaço envolvido por uma míni e os nossos típicos tremoços!


Daniela Teixeira


Os topos





quarta-feira, agosto 17, 2011

ALZIRA. 205m, 6c.

ALZIRA. 205m, 6c.



Comichão.

As partículas de musgo introduziram-se facilmente através das mangas da t-shirt o que me provoca uma coceira incómoda e constante.

A cara... negra pela poeira, transferida da parede de granito para o meu corpo.

Os pés, inchados pelo sol, doem-me de forma atroz, apertados no interior dos pés-de-gato, demasiado tempo calçados. Tudo coisas normais, após um longo dia de escalada na Serra da Estrela... se já fosse o final do dia. Na verdade, ainda nem sequer tínhamos conquistado os primeiros trinta metros, dos duzentos metros propostos para a abertura de uma nova via na parede sul do Cântaro Magro. Portanto, o dia prometia!



Dois instantes na abertura do primeiro lance: "Ai os pés!"


Após longos meses de ausência a Daniela e eu retornámos finalmente ao granito de alta qualidade dos Montes Hermínios.

Esfomeados por novas aventuras e sedentos de emoções, descemos animados a curiosa garganta dos Mercadores, atracção Invernal irresistível e palco moderno para a escalada desportiva, com vias equipadas em ambas margens rochosas da garganta. Passámos o sector em direcção ao enorme muro soleado que nos iria ocupar o resto do dia.


A garganta dos Mercadores. A aproximação.


A face sul do Cântaro é uma parede maciça, entrecortada por várias plataformas que ameaçam quebrar o ritmo da escalada. Contudo, a estética da generalidade dos lances contrasta inegavelmente com a aparente falta de continuidade.

Pela sua morfologia, esta parede possui características “alpinas”, e a sua escalada não defrauda o aventureiro disposto a consumir o produto, liberto de certos preconceitos e de espírito aberto.

Depois de um primeiro lance muito mais difícil do que a primeira vista parecia supor, embrenhámo-nos definitivamente na ascensão, enfrentando as fissuras e diedros que se iam descobrindo a cada passo. O segundo lance, pejado de ressaltos, desiludiu um pouco, ao contrário das restantes tiradas, muito mais interessantes e mantidas.


A daniela a sair do segundo lance.


E eu a iniciar o terceiro lance.


De vez em quando a mão ia à escova de aço para limpar as secções mais infestadas de musgo. Deste modo, os pés-de-gato podiam de novo interceptar a rocha e realizar a sua principal função: aderir.

A linha que inaugurávamos com um entusiasmo reservado da minha parte (os meus pés continuavam a torturar-me de forma inclemente), merecia uma limpeza razoável para poder ser plenamente desfrutada. No entanto, na sua presente condição encontrava-se perfeitamente “escalável”.



Dois momentos no quarto largo. Uma interessante combinação de diedros.


A Serra da Estrela, a “nossa serrinha”, continua a encantar. O seu território mineral de exageradas proporções, oferece desafios intermináveis, mesmo ao nível das grandes vias, capazes de ocupar físico e mente durante toda uma jornada.


O Covão do Ferro. Passado esquecido e futuro prometedor...


Esta nova aventura culminou num diedro final, lógico e difícil, rematado por um ultimo lance de saída, com ares de trepada mas, que resolveu apresentar uma rasteira a meio... as aparências iludem mesmo.



No diedro final, exigente e lógico.


No final das dificuldades.


Agora sim, a comichão incómoda nas costas, a cara negra pela poeira de musgo e os pés... oh, os pés!... já não me doem de forma atroz, porque as sapatilhas de escalada foram, finalmente, atiradas para longe. Sensações agri-doces de alivio e prazer, após mais um dia bem passado e com uma nova via bem traçada.


Agora a via está mais limpa. A escova humana!


Escalada terminada. Largas vistas sobre o Covão da Ametade.


Poeira, musgo, comichão... um bom dia.


As mãos, abandonaram o granito áspero para agarrarem uma bem amada sandes, comida ao sabor da brisa fresca.

Nos céus, um par de águias aproveitavam as ultimas térmicas da tarde...

“Opss, eu disse: águias?!”

Paulo Roxo