terça-feira, setembro 25, 2007

Lucrécia... Nova via?!?!



Organizámos o material no arnês para iniciar a escalada.
Calmamente, o Paulo Alves olha para cima e comenta: “Sim, já entrei por aqui!” Por cima das nossas cabeças ergue-se uma fissura vertical encaixada num diedro, estética e convidativa. “Não me admira…” respondo “… a fenda é realmente evidente.”

Topos

O Paulo Alves, em conjunto com os “clássicos” da época, como o Vasco Pedroso e um curto etc, realizaram, nas décadas de 70 e 80, numerosas ascensões na Serra da Estrela. Algumas estão documentadas, outras nem tanto.
Não nos surpreendeu quando, seis tiradas mais acima, no lance mais difícil da via, o Paulo voltou a reconhecer o terreno: “Sim, sim! Já aqui estive, há muito tempo!” Desta vez tratava-se de uma super fissura fina em “S” que corta uma placa verde, livre de musgo. “És um desmancha-prazeres!” Ripostou a Daniela divertida com o nosso próprio embaraço. “Não podias, ao menos, ter-nos deixado esta?”


O primeiro lance


Daniela no segundo largo. Helder lá embaixo

A quarta tirada

Muito provavelmente a fissura em “S” foi realizada em 1978 (há quase trinta anos!), durante a abertura da via “Passeio de Verão”, na face leste do Cântaro.
No pequeno livro de fotocópias publicado em 1995 pela Associação Desnível vem um croquis muito geral desta via. A espartana descrição dita o seguinte: “Sobretudo situada no lado direito da parede, abordando os diedros, as placas e fendas mais interessantes desta face.”
No dia 22 de Agosto de 1978, o Vasco Pedroso, o Paulo Alves, Carlos Teixeira e Mário Cardoso, calçados com botas de couro (porque os pés de gato estavam longe de surgir), alcançam o anel do Cântaro. Aí, decidem desviar-se radicalmente para a esquerda e entrar de chofre no pilar superior, entre as faces leste e a sul. Momentos depois, com o apoio de alguns passos realizados em escalada artificial, a mestria e o entusiasmo resolveram o problema de uma das mais estéticas fissuras do Cântaro Magro.

Na saída do quarto largo

Quinto lance

Detalhe do pilar superior. O segundo largo na foto (sétimo lance da via) corresponde ao crux

Voltando ao presente, a nossa seria supostamente, a primeira repetição da via “Lucrécia” na face sul do Cântaro. Neste dia 14 de Setembro, o Hélder Massano e o Paulo Alves, a Daniela Teixeira e eu formámos as duas cordadas animadas para o efeito.
Na verdade e, de acordo com as novas revelações, a “Lucrécia” deixou de ser uma nova via para passar a uma combinação de lances antigos de vias quase esquecidas no tempo e alguns largos novos, abertos no dia 21 de Julho deste ano.
De consciência, desta feita, sentimos não ter legitimidade para reclamar um novo itinerário. No entanto, em falta de uma nomenclatura de substituição (e com o devido acordo do Paulo Alves) resolvemos manter o nome de “Lucrécia” para este belo alinhamento de fissuras e diedros.

Ambiente National Geographic na transição a pé entre a parede inferior e o pilar superior.


O largo mais dificil

Paulo Alves na saída do penultimo largo

Agora no topo da via com o Helder a espreitar lá embaixo.

Entretanto o Nuno Soares (Larau), participante activo no parco equipamento e escovagem dos lances mais sujos da via, propôs um desafio interessante: o encadeamento no dia da “Lucrécia” (265 mts, 6c) e da via “Erika” (265 mts, 6b+). Será decerto um longo dia, completo e gratificante.

Paulo Roxo

terça-feira, setembro 11, 2007

Decididamente indeciso


Frescas vistas matinais dos Cântaros
Ah, os prazeres da escalada em solitário!...
Montar uma sólida reunião ao nível do solo. Passar a corda no Gri-gri (ligeiramente modificado para o efeito), escalar colocando as protecções intermédias. Montar a nova reunião no final do lance. Descer em rapel. Voltar a subir pela corda fixa utilizando os jumares e desmontar todo o material do largo. Voltar a ordenar a corda, reorganizar a quinquilharia e repetir todo o processo.

Mas claro, a coisa funciona apenas quando todas as estrelinhas estão alinhadas. E as estrelas ainda são umas quantas, difíceis de alinhar. Existe uma estrela pequenina para a falta de companheiro, uma estrela mediana para o clima e uma super-nova para a motivação. E um sem numero de pequenos asteróides (como os pés de gato apertados, a martelada no dedo, a falta do entalador nº 3, etc) que orbitam a constelação e que, isoladamente tem uma importância desprezável mas, quando devidamente agrupados passam a constituir um novo factor a ter em conta quando confrontado com o dilema supremo: “Vou ou não escalar esta parede em solitário?”
A melhor técnica (já testada e comprovada) consiste em: “Separo o material, carrego a mochila, faço a aproximação, monto a reunião ao nível do solo e… logo decido se me apetece escalar ou não.”
Várias vezes, noutras ocasiões e noutros lugares, separei o material, carreguei a mochila, fiz a aproximação e montei a reunião ao nível do solo para… desmontar a reunião, voltar a carregar a mochila e retornar pelo mesmo caminho com o rabinho entre as pernas. A razão principal dos fracassos prende-se com o facto de as estrelinhas não estarem alinhadas. Sobretudo a super-nova, essa grande e malfadada desalinhada.

Primeiro dia

O tipo do bar observa-me com estranheza. Afinal não será todos os dias que passa por ali um gajo com uma grande mochila ás costas e nas mãos uns bastões de caminhada. Reflicto um pouco sobre o assunto. É que eu não estou a atravessar uma cidade onde o meu “look” possa resultar atípico. Estou a cruzar o Covão D`ametade na Serra da Estrela, em direcção ao Cântaro magro.
“Que estranho!” – pensará o senhor daquele bar deslocado na geografia.
Logo a seguir passo pelas recentes “poias” de betão liso a que chamam “churrasqueiras”. Um novo exemplo da mediocridade de princípios e de mau gosto arquitectónico aos quais tristemente já me acostumei na Serra da Estrela.
Estou na montanha e dirijo-me para a montanha: Sou confundido com uma espécie de Alien.
Estou num bosque único, localizado num parque natural: são construídas estruturas, com o carimbo do próprio parque, para incentivar as pessoas a fazer fogo.
Estes paradoxos muito culturais, muito lusitanos, distraem os meus pensamentos à medida que subo o bonito trilho que dá acesso ao Covão Cimeiro.
Covão Cimeiro. Um lugar tranquilo.

Segundo dia

Primeiro lance aberto. “Yes!”
Decido baptizar esta tirada com o nome: “Burrilada”.
Trata-se de uma grotesca associação entre a palavra buril e o trabalho digno de um burro que levou para os colocar.
A primeira metade deste largo segue por um diedro diagonal passível de se realizar em livre. A segunda metade, bem… digamos que apenas uma distorcida vontade de jumento resultou na sua finalização.
Feitas as contas, foram colocados treze buris e quatro plaquetes num troço de parede completamente desprovido de fissuras ou estrutura.
Equipei a primeira reunião. Sobrou-me um pouco de corda. Á custa do martelo decido subir um pouco mais.
Umas horas e quatro novas plaquetes depois, lá surgiu o objectivo do monumental trabalho. Um bonito diedro de fissura franca. Um verdadeiro azimute para a celeridade.
Fixei a corda e desci.
Resultado da “Burrilada”: dois pulsos semi-destroçados de tanta marretada.
Marretadas!
O convite à celeridade.

Terceiro dia

Sessão matinal de jumares. De espírito renovado e satisfeito por abandonar o martelo (pelo menos até à seguinte reunião), subo pela corda e recomeço o lance interrompido.
Deixo os estribos na ultima plaquete e inicio o diedro de aspecto bastante fácil… “Mas, que se passa?” Sinto-me entorpecido e ferrugento. A artificialada dos dias anteriores deixaram-me completamente oxidado. É o famoso “síndrome do estribo”. O eterno problema das transições da escalada artificial para a escalada livre. Bem, também influi o velho problema da falta de treino!
De alguma forma a coisa parecia recompor-se e lá consegui terminar os dois seguintes lances num tempo minimamente digno.
Retirada pela direita, por uma sucessão de trepadas fáceis até ao anel do Cântaro.
Afinal as estrelinhas tinham-se alinhado.
Pedais sobre o abismo.

Pós…

No passado dia 8 repeti a via com a Daniela Teixeira.
A intenção era tentar realizar o máximo em escalada livre e abrir um curto ultimo lance de aspecto lógico.
Acedemos por cima.
A Daniela dedicou-se a escovar o musgo do futuro larguinho e lá fomos, pouco depois, por ali abaixo até à base da via.
A minha crónica falta de forma permitiu deslindar em livre pouco mais do que já tinha sido feito. No entanto, a primeira parte do primeiro largo talvez se fique pelo 6c/6c+.
A “Burrilada” parece-me absolutamente impossível de se realizar em livre.
A primeira parte do segundo lance tem estrutura para ser integralmente “forçado”. Possui regletes mas, os passos são de equilíbrio precário. Tão precário que creio que bastava um único grau a mais de inclinação negativa para tornar a coisa quase impossível.
No futuro, talvez seja acoplado o numero 7 a esta particular secção.
Pretendentes?
O inicio da via... inspirador e convidativo!

Escalada livre na repetição.
Escalada livre... de preconceitos! A "Burrilada".

Algumas dicas

È conveniente que os muuuiiitos repetidores desta via saibam que os buris colocados são pequenos pernos industriais de 8 mm com uma pequena argola, onde quase não cabe um mosquetão (de facto existem uns tipos de mosquetões que não cabem mesmo!).
No interior da rocha estão apenas uns 5 mm de perno, ou seja, não aguentarão qualquer queda!
De todos os modos, a “Burrilada” não é exposta pois foram colocadas plaquetes entre as linhas de buris e como aquilo é muito aéreo… é só voar! O claro inconveniente é que depois de uma queda será completamente impossível voltar a subir. A não ser que se utilize ganchinhos nos furos dos buris rebentados.
A saída possível para a direita, no final do penúltimo lance, convêm ser realizada ainda com segurança. O passo é muito fácil mas também é muito exposto.


Paulo Roxo

quarta-feira, setembro 05, 2007

BREVE...


Não, este blog ainda não morreu!


Em breve as histórias, ou pelo menos, as fichas técnicas de duas novas vias na Serrinha... da Estrela, claro!


Ambiente "National Geographic" na transição a pé entre pilares da "Lucrécia".

Primeiros momentos de duvida antes de iniciar a via "Decididamente indeciso".

Paulo Roxo