terça-feira, setembro 11, 2007

Decididamente indeciso


Frescas vistas matinais dos Cântaros
Ah, os prazeres da escalada em solitário!...
Montar uma sólida reunião ao nível do solo. Passar a corda no Gri-gri (ligeiramente modificado para o efeito), escalar colocando as protecções intermédias. Montar a nova reunião no final do lance. Descer em rapel. Voltar a subir pela corda fixa utilizando os jumares e desmontar todo o material do largo. Voltar a ordenar a corda, reorganizar a quinquilharia e repetir todo o processo.

Mas claro, a coisa funciona apenas quando todas as estrelinhas estão alinhadas. E as estrelas ainda são umas quantas, difíceis de alinhar. Existe uma estrela pequenina para a falta de companheiro, uma estrela mediana para o clima e uma super-nova para a motivação. E um sem numero de pequenos asteróides (como os pés de gato apertados, a martelada no dedo, a falta do entalador nº 3, etc) que orbitam a constelação e que, isoladamente tem uma importância desprezável mas, quando devidamente agrupados passam a constituir um novo factor a ter em conta quando confrontado com o dilema supremo: “Vou ou não escalar esta parede em solitário?”
A melhor técnica (já testada e comprovada) consiste em: “Separo o material, carrego a mochila, faço a aproximação, monto a reunião ao nível do solo e… logo decido se me apetece escalar ou não.”
Várias vezes, noutras ocasiões e noutros lugares, separei o material, carreguei a mochila, fiz a aproximação e montei a reunião ao nível do solo para… desmontar a reunião, voltar a carregar a mochila e retornar pelo mesmo caminho com o rabinho entre as pernas. A razão principal dos fracassos prende-se com o facto de as estrelinhas não estarem alinhadas. Sobretudo a super-nova, essa grande e malfadada desalinhada.

Primeiro dia

O tipo do bar observa-me com estranheza. Afinal não será todos os dias que passa por ali um gajo com uma grande mochila ás costas e nas mãos uns bastões de caminhada. Reflicto um pouco sobre o assunto. É que eu não estou a atravessar uma cidade onde o meu “look” possa resultar atípico. Estou a cruzar o Covão D`ametade na Serra da Estrela, em direcção ao Cântaro magro.
“Que estranho!” – pensará o senhor daquele bar deslocado na geografia.
Logo a seguir passo pelas recentes “poias” de betão liso a que chamam “churrasqueiras”. Um novo exemplo da mediocridade de princípios e de mau gosto arquitectónico aos quais tristemente já me acostumei na Serra da Estrela.
Estou na montanha e dirijo-me para a montanha: Sou confundido com uma espécie de Alien.
Estou num bosque único, localizado num parque natural: são construídas estruturas, com o carimbo do próprio parque, para incentivar as pessoas a fazer fogo.
Estes paradoxos muito culturais, muito lusitanos, distraem os meus pensamentos à medida que subo o bonito trilho que dá acesso ao Covão Cimeiro.
Covão Cimeiro. Um lugar tranquilo.

Segundo dia

Primeiro lance aberto. “Yes!”
Decido baptizar esta tirada com o nome: “Burrilada”.
Trata-se de uma grotesca associação entre a palavra buril e o trabalho digno de um burro que levou para os colocar.
A primeira metade deste largo segue por um diedro diagonal passível de se realizar em livre. A segunda metade, bem… digamos que apenas uma distorcida vontade de jumento resultou na sua finalização.
Feitas as contas, foram colocados treze buris e quatro plaquetes num troço de parede completamente desprovido de fissuras ou estrutura.
Equipei a primeira reunião. Sobrou-me um pouco de corda. Á custa do martelo decido subir um pouco mais.
Umas horas e quatro novas plaquetes depois, lá surgiu o objectivo do monumental trabalho. Um bonito diedro de fissura franca. Um verdadeiro azimute para a celeridade.
Fixei a corda e desci.
Resultado da “Burrilada”: dois pulsos semi-destroçados de tanta marretada.
Marretadas!
O convite à celeridade.

Terceiro dia

Sessão matinal de jumares. De espírito renovado e satisfeito por abandonar o martelo (pelo menos até à seguinte reunião), subo pela corda e recomeço o lance interrompido.
Deixo os estribos na ultima plaquete e inicio o diedro de aspecto bastante fácil… “Mas, que se passa?” Sinto-me entorpecido e ferrugento. A artificialada dos dias anteriores deixaram-me completamente oxidado. É o famoso “síndrome do estribo”. O eterno problema das transições da escalada artificial para a escalada livre. Bem, também influi o velho problema da falta de treino!
De alguma forma a coisa parecia recompor-se e lá consegui terminar os dois seguintes lances num tempo minimamente digno.
Retirada pela direita, por uma sucessão de trepadas fáceis até ao anel do Cântaro.
Afinal as estrelinhas tinham-se alinhado.
Pedais sobre o abismo.

Pós…

No passado dia 8 repeti a via com a Daniela Teixeira.
A intenção era tentar realizar o máximo em escalada livre e abrir um curto ultimo lance de aspecto lógico.
Acedemos por cima.
A Daniela dedicou-se a escovar o musgo do futuro larguinho e lá fomos, pouco depois, por ali abaixo até à base da via.
A minha crónica falta de forma permitiu deslindar em livre pouco mais do que já tinha sido feito. No entanto, a primeira parte do primeiro largo talvez se fique pelo 6c/6c+.
A “Burrilada” parece-me absolutamente impossível de se realizar em livre.
A primeira parte do segundo lance tem estrutura para ser integralmente “forçado”. Possui regletes mas, os passos são de equilíbrio precário. Tão precário que creio que bastava um único grau a mais de inclinação negativa para tornar a coisa quase impossível.
No futuro, talvez seja acoplado o numero 7 a esta particular secção.
Pretendentes?
O inicio da via... inspirador e convidativo!

Escalada livre na repetição.
Escalada livre... de preconceitos! A "Burrilada".

Algumas dicas

È conveniente que os muuuiiitos repetidores desta via saibam que os buris colocados são pequenos pernos industriais de 8 mm com uma pequena argola, onde quase não cabe um mosquetão (de facto existem uns tipos de mosquetões que não cabem mesmo!).
No interior da rocha estão apenas uns 5 mm de perno, ou seja, não aguentarão qualquer queda!
De todos os modos, a “Burrilada” não é exposta pois foram colocadas plaquetes entre as linhas de buris e como aquilo é muito aéreo… é só voar! O claro inconveniente é que depois de uma queda será completamente impossível voltar a subir. A não ser que se utilize ganchinhos nos furos dos buris rebentados.
A saída possível para a direita, no final do penúltimo lance, convêm ser realizada ainda com segurança. O passo é muito fácil mas também é muito exposto.


Paulo Roxo

5 Comments:

Miguel Grillo said...

Roxo on fire!

Parabens, grande viote!!!

Daniela Teixeira said...

"A Daniela dedicou-se a escovar o musgo do futuro larguinho e lá fomos, pouco depois, por ali abaixo até à base da via."

Aos futuros repetidores:
Chegados à 3ª reunião, estão a ver o larguinho bem escovado seguindo para a direita?
Não tem nada a ver! Dirijam-se para a esquerda, precisamente onde avistarem uma boa dose de musgo...é mesmo por aí!
Claro que o largo escovado poderá constituir uma futura alternativa para os mais fortes...gostava que as minhas horas de trabalho de braços e dedos esfolados não fossem em vão!
"Vai lá! Vai lá"

Daniela

TPais said...

epah, quando a indecisão te der para voltar para baixo avisa aqui a malta que há sempre alguem para te dar segurança e seguir na tua peúgada!!
Vocês devem é ser chineses com paxorra pa tanta burilada! ;)
abraço
TP

ljma said...

E BRAVO!, também!
;)

taia said...

Sempre em grande.