terça-feira, fevereiro 22, 2011

ATÉ ONDE IRIAS PARA ESCALAR TRINTA METROS DE GELO?

ATÉ ONDE IRIAS PARA ESCALAR TRINTA METROS DE GELO?


No fim-de-semana 12 e 13 de Fevereiro, eu e o Paulo decidimos ir checkar as condições do gelo na nossa grandiosa Serra da Estrela. As temperaturas prometiam, mais ainda depois de uma semana em que os termómetros só marcaram negativos.

Mesmo estando a serra careca de neve, tínhamos esperança de curtir com os nossos “pica-gelos”.

Pela manhã de Sábado, deixamos o carro pelas 10:30, já o termómetro marcava 4ºc...sim, 4º muito positivos! Sem que as nossas botas exigissem crampons, lá nos pusemos a caminho da famosíssima “Cascata das Couves”.


A "Cascata das couves" ao centro. À direita, a "Pequena couve"e à esquerda, o "Diedro de cristal", sem estar formado.


Os nossos olhinhos brilharam como os de uma criança ao avistar um gigantesco chupa-chupa...não, não avistamos uma cascata gigantesca, só mesmo 30m de gelo! À direita da “Cascata das Couves”, lá estava a “Pequena Couve”, com os seus 20 metritos, algo anoréxica ao inicio, mas bastante divertida!


O Paulo na "Pequena couve".



Dois momentos na "Cascata das couves".


Aqueles dois docinhos bastaram para umas horas de lazer. Brincamos alegres com os piolets , delicados a ver se preservávamos o gelo para futuras repetições.


Gelo!


Algumas horas depois decidimos espreitar outro sector e, para nosso agrado, lá estava a “Goullote dos Curiosos”! Aquela cascata escondida, premiava-nos com 40m de gelo mais ou menos técnico. Técnico...e oco! Por essa altura a temperatura tinha já descido dos 4º para 1,5ºC.

Como delicado cavalheiro que é, o Paulo decidiu-se a avançar naquela cortina de gelo...não muito bom.

Os primeiros 5/6m revelaram-se impossíveis de proteger, convinha também ter em mente, que seria necessário deixar algum gelo intacto para o segundo de cordada...eu!


O inicio da "Goullote dos curiosos".


Após colocado o primeiro parafuso, o gelo mostrou-se...pouco convidativo. Um pouco mais acima, as posições de oposição proporcionadas por um pequeno troço em chaminé ofereceram às nossas mentes irrequietas um pouco de tranquilidade. O troço de rocha que amparava as costas do Paulo, mostrou-lhe generosamente uma fissura que aceitou que lhe enfiassem uns pedaços de ferro...uns friends! Uns passos mais acima, os nossos pensamentos convergiram: o som que o gelo emitia era um tanto ou quanto ameaçador. Para não recorrer a palavras menos delicadas posso dizer que o som era...assustador!


"Bong! Bong!" O som do gelo na "Goullote dos curiosos".


Com cuidados redobrados, vejo o Paulo a tentar descobrir uma forma de...de...subir! Com uma calma de meter inveja, experimentando o gelo à esquerda, depois à direita, o Paulo encontrou uma secção com gelo aceitável para progredir.

Pouco depois chegava a minha vez.

Fiz os primeiros metros de gelo fino sempre a pensar se o meu peso iria exceder a resistência daquela fina cortina de água congelada. Cheguei à parte da chaminé e...e...o som do gelo que estava logo acima lembrava o dos sinos de uma igreja muito antiga e...e...e nada! Desci!

Horas mais tarde, a recompensa pelo esforço do Paulo e pelo meu...medinho, foi um jantar fantástico, com uma boa dose de hidratação à custa de um bom branco fresquinho.

Domingo foi uma dia completamente diferente!

O tempo tranquilo de Sábado tornou-se numa fugaz visão do passado.

O cenário mudou no espaço de algumas horas. Saímos do carro para o centro de uma tempestade. Tínhamos cerca de 10m de visibilidade, ventos de cerca de 70km/h e nevava como se não houvesse amanhã.


"White-out"!


A nossa ideia era escalar pelo menos os 30m que constituíam o primeiro largo da “Cascata Encaixada”, os 30m que tinhamos avistado no dia anterior.


A "Cascata encaixada", lá ao fundo, antes da tempestade.


A “Cascata encaixada” lá estava, com os seus 3 largos. O primeiro e terceiro tipicamente são técnicos, a secção do meio, possui geralmente alguns metros de gelo, criando um simpático acesso ao terceiro largo. No total deverão ser cerca de 80m de via. Mas...naquelas condições climatéricas...será que deveríamos tentar? Será que valeria a pena?

Mesmo conhecendo o acesso à cascata pelo planalto da Torre como a palma das nossas mãos, não seria a primeira vez que nos perderíamos por ali, no meio de uma tempestade.

“SIM, VALE A PENA!” É preciso não esquecer que a nossa serrinha não oferece muitas hipóteses para escalar água congelada!

Com todas as duvidas a morderem-nos os neurónios e a preguiça a tentar as restantes células do corpo, continuamos a aproximação. Finalmente, após alguns zig-zag’s, estávamos no topo da parede onde geralmente montamos o rappel para aceder à base da cascata. Duvidávamos ainda...deveríamos descer...ou não? Imaginávamos que horas mais tarde o carro estacionado na Torre estaria bloqueado pela neve.

Com as cordas preparadas para descer, ainda balbuciamos algumas palavras:

“Como é, descemos?” Duvidas, muitas duvidas.

“Humm…epá, não sei…quando chegarmos ao carro não o vamos conseguir tirar!”

“Mas na Escócia está sempre assim e eles não se importam e vão escalar! Nunca vamos conseguir escalar na Escócia! Olha…também já não quero ir à Escócia!...Epá, mas o gelo deve estar tão bom! Ontem estava com grande aspecto!” O Paulo hesitava enquanto a saraiva de flocos de neve dura nos atingia a cara atirados pelo vento forte.

“Ok, tudo bem! Não é agora com tudo pronto que vamos desistir! Para isso não tinhamos tirado o material! Vamos descer!” Decidi, para não dar mais voltas ao assunto.

E assim descemos, nas piores condições de uma típica e húmida tempestade serrana (húmida, sim, porque a temperatura nunca desceu dos -2,5º!)

Já na base comprovámos o esperado. O gelo estava nas mais perfeitas condições e o nosso estado de espirito mudou quando olhámos aqueles fantásticos 30m de cascata. Aquela imagem fez-nos esquecer que já estávamos encharcados e o quanto doíam aqueles pequenos mísseis de neve que o vento empurrava violentamente contra a pele das nossas caras. Fez-nos esquecer também...a rigidez que as cordas de escalada já tinham...estavam congeladas!


Ótimo aspeto (no novo acordo ortográfico!) do gelo na "Cascata encaixada".


De novo foi o Paulo a picar primeiro o gelo. A progressão foi rápida e constante, apesar da neve que permanentemente caia das vertentes que envolviam a cascata.

Tudo corria bem até que de repente…”Geelooooo”. Mal olhei para cima, um pedaço de gelo despenhou-se no meu nariz. “Feliz dia dos namorados” pensei enquanto via as gotinhas de sangue a pintarem o branco da neve.!!!

Depois de avaliar a situação com um auto-retrato, achei que depois de tanto esforço, aquele pedaço de gelo tinha de ser escalado!

E assim, lancei os piolets ao primeiro largo com a alegria de uma criança a comer um chupa-chupa!


Contente, depois do primeiro lance da "Cascata encaixada". Não fosse a traulitada no "Dariz!"


Como o tempo não dava tréguas, na primeira reunião preparámos os abalakovs para descer, dando-nos por felizes com aqueles fantásticos 30m. Mas os abalakovs para descer, acabaram por se tornar na reunião para prosseguir! A curiosidade para saber se o terceiro largo estaria escalável tomou as rédeas das nossas vontades....”Já que aqui estamos, vamos lá espreitar!”

O largo de acesso ainda apresentou uma secção que exigiu um parafuso de gelo, novamente aquele som dos sinos de uma igreja antiga ecoou.

Para nosso azar, o terceiro largo não se mostrou em condições! A típica piscina que muitas vezes se encontra na base estava com um nível de água nada apetecível, e o gelo de inicio mostrava-se precário e não tocava sequer o chão.


Uma reunião antes do ultimo lance... "A Variante dos cobardes"!


Abandonámos o local pela já famosa saída “Variante dos Cobardes” (trepada fácil, com um único passo misto ridiculamente difícil na saída, que permite evitar a ultima cascata da via), felizes com a decisão inicial de sair do carro no meio da tempestade.

Para chegar ao carro novamente, ziguezagueamos até que os nossos narizes quase se esborracharam com os horríveis edifícios que se encontram no ponto mais alto de Portugal continental. Claro está, o carro estava já numa situação de saída impossível sem ajuda!

Depois de alguns empurrões ineficientes, eis que surgem os bombeiros! Com pouca vontade de sair do calor da sua viatura, finalmente lá nos ajudaram a empurrar o nosso rodinhas e depois, comunicaram-nos que a policia andava já à nossa procura, pois o nosso era o único carro (congelado) que ainda se encontrava por ali e as estradas de acesso à Torre estavam já todas encerradas.

Resumo: fim-de-semana CINCO ESTRELAS! O único senão foi mesmo o meu nariz! Nem o meu chefe se coibiu de perguntar “O que é que te aconteceu rapariga?”. “ Foi o presente que o meu marido me deu pelo dia de S. Valentim”.


Daniela Teixeira

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

ATÉ ONDE IRIAS...

ATÉ ONDE IRIAS...

... para escalar uma cascata de 30 metros?



Blizzard de neve e vento na Torre da Serra da Estrela... os bombeiros e a G.N.R. a oferecerem a sua ajuda.


Já a seguir...


Paulo Roxo

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

DIAS MOLHADOS

DIAS MOLHADOS



O choque surgiu através de uma mensagem de mail: “Na quarta eu e o Leo fizemos uma via à direita da Pilar Desencantado, que não conhecíamos. Que via é essa?”

Reli a mensagem do Nuno Pinheiro para me certificar do seu significado.

“Olha, o Nuno e o Leo já escalaram o nosso projecto!”

“Devem ter visto o material fixo.” – Concluiu a Daniela.

“Pois! É natural. As reuniões estão equipadas e à vista. A coisa parece uma via completa. Não tinham forma de saber se a via já estava aberta ou não.”


Nuvens.


A primeira sensação foi a de “projecto perdido” depois veio a relativização da importância: “Olha, paciência! Tenho de lhes perguntar o que acham da via.”

A futura “Humidade relativa” tinha três lances abertos. Lances sacados “a ferro”, não por causa das dificuldades da escalada mas, devido à climatologia. A via foi aberta em três dias separados, entre chuva e nevoeiro denso, daquele que se entranha nos ossos. Faltava abrir um ultimo largo que calculámos vir a ser muito grande, até ao topo da falésia.



A aproximação e a neblina densa. Chuvinha "molha parvos" nos Pinheirinhos.

No dia de nevoeiro denso, apenas conseguimos acrescentar o lance mais difícil, abrindo a primeira parte em artificial. A neblina, entremeada com chuviscos, demoveu-nos de terminar a via e rapelámos até ao solo, após equipar a reunião.


No final do segundo lance, no dia de nevoeiro.


Um dia depois de ter recebido o mail do Nuno, recebi um novo mail: “Nós também descemos na reunião que descreves!”

A nova informação revelou que afinal a via continuava por completar.


O terceiro largo, em artificial no dia da abertura. Um 6c/c+ em livre.


No dia 9 de Janeiro, a Daniela e eu retomámos o arqui-conhecido trilho de acesso à base da parede principal dos Pinheirinhos, decididos a terminar o projecto.

Aproveitando o material fixo na parede, desta vez o terceiro largo saiu em livre, sem no entanto, repetir o encadeamento protagonizado, dias antes, pelos Nuno e Leo.


A Daniela, no segundo lance no dia em que terminámos a via.


Chegados à ultima reunião equipada, continuámos por terreno desconhecido mas, previsivelmente mais fácil.

Utilizando o velho cliché: “À terceira é de vez!”, emergimos no topo da parede na reunião equipada que coincide com a “Pilar desencantado”.


A iniciar o ultimo largo.


A terminar a via, na reunião da "Pilar desencantado".


Rapelámos satisfeitos por mais uma pequena historia com final feliz.


Paulo Roxo