segunda-feira, novembro 03, 2008

EDELWEISS



Nos meus princípios na escalada, a palavra “Meadinha” suscitava imagens tenebrosas de longas distâncias entre pitons, chaminés horríveis impossíveis de proteger e placas infinitas em tamanho e exposição.

Há uns vinte anos a Meadinha era ainda uma parede remota, encaixada num vale perdido da Peneda, apenas acessível por um velho estradão de terra que conduzia a uma pequena aldeia nascida em redor de um magnifico templo de granito, destinado a adorar um qualquer Deus, desde tempos imemoriais.



Era uma parede envolta por uma aura de mistério impenetrável. A mera invocação do seu nome produzia suores frios e das palmas das mãos brotavam imediatamente goticulas de húmidade.

O “Escalador da Meadinha” entrava para um panteão de heróis venerados, detentores dos maiores pares de tomates da época.

Os mestres da Meadinha eram os Galegos.

Os irmãos Novás, José Carlos Iglesias (guia de montanha, ex-monitor da escola de Benasque) entre outros, abriram vias nesta parede, seguindo um estilo muito puro, ainda hoje impressionante.

Calçando os “transatlânticos” disponíveis no mercado nos anos 80, estes tipos escalavam com mestria as temíveis placas entre fissuras, colocando muito raramente algum que outro buril à mão (as máquinas não existiam!), equilibrados em precários cristais.

Do lado de cá da fronteira surge um nome incontornável da escalada nortenha: o Pedro Pacheco. Este especialista no granito e membro da velha guarda numa altura em que –e cito- “o sexo era seguro e a escalada perigosa”, abriu algumas linhas na Meadinha, adoptando o mesmo grau de compromisso que os colegas espanhóis.

Infelizmente, a “Outsiders”, uma das suas obras, foi hoje em dia conspurcada com algumas inúteis plaquetes... mas, já lá vamos ao assunto dos equipamentos actuais.



Daniela na via "Meadinha".


A característica mais particular da Meadinha talvez sejam os cristais que afloram do granito. Estes pedacinhos de mineral reluzente, variam de formas e tamanhos e aqui, mais que em qualquer outro ponto do país, possibilitam a realização destas incriveis vias ou, por outro lado, á constatação perturbante de que, em caso de queda, é muito possível que sejamos premiados com um esfoliante... de corpo inteiro.

Quando finalmente amadureci o suficiente as minhas experiências no mundo vertical, resolvi aventurar-me na parede das paredes.


Daniela no artifo de saída da via "Medinha"


Vêem-me à memória os redundantes fracassos iniciais. Primeiros lances de perna a tremer, à beira de uma morte certa e dolorosa.

Após sobreviver sem saber como, aos épicos auto-infligidos, nos quarto-graus mais duros do mundo, recordo-me descer de uma qualquer reunião manhosa, a jurar nunca mais voltar.

Convêm referir que foi esta a parede que –há bastantes anos e, após muitas horas sobre placas atemorizantes- fez o Paulo Gorjão fugir a sete pés deste lugar e, desistir pura e simplesmente de escalar. Felizmente, as reconfortantes falésias aquecidas pelo sol do Atlântico, reduziram-lhe o nível de trauma e, passado algum tempo, voltou a calçar as suas “EB`s”.


"Larau" na "Come-cocos"


Uma das historias (quase lenda) mais caricatas que me vem à cabeça é a de um ilustre conhecido da nossa “família” ter ido escalar a via “Come-cocos” com outros dois companheiros (também ilustres viventes escaladores) e, após ter chegado à primeira reunião, agarrar-se a um piton, debruçar-se sobre o abismo e... despencar de cabeça para baixo, desamparado para o precipício, ainda a gritar: “REUNIÃÃÃÃOOO!!...”

Conta a historia que o pobre saiu ileso, salvo as múltiplas escoriações e a despesa no guarda-roupa.

Não posso jurar que a historia anterior se tenha passado exactamente da forma descrita mas, pelo menos foi assim que ma contaram. No entanto, a veracidade total e exacta pouco importa. O que de facto interessa é que estas eram historias de uma altura em que a Meadinha era considerada um local de culto, não só para os peregrinos que acorriam ao santuário em busca da salvação do espirito, como para os escaladores que, em paralelo, buscavam o seu momento Zen.


"Larau na "Come-cocos"


Eu, no primeiro lance da via "Meadinha"


Relativamente ignorada pelos Portugueses, esquecida pelos Espanhóis eis que de repente (nos últimos três ou quatro anos) uma nova vaga invadiu a Meadinha. Novas vias foram abertas e as antigas super-clássicas reequipadas e limpas por entusiastas de Vigo.


Daniela na "Come-cocos"


Embora o seu trabalho titânico seja memorável, não deixa de haver algum exagero. Os maus exemplos embora reduzidos, são um bocado assinaláveis, como o incompreensível equipamento de algumas fissuras clássicas, as excessivas escovadas e os aberrantes picados com os nomes das vias gravados no granito, na base das mesmas.



Picados!!!!


Os aspectos positivos passam pelo levantamento de todas as vias existentes, a divulgação dos topos e a consequente facilidade actual de acesso a todos os que desejem desfrutar deste lugar único.

A publicação dos croquis revelou as vias existentes e também... o terreno ainda por explorar.

Sempre tive o fetiche de abrir uma via de escalada na Meadinha. No entanto, a falta de informação anterior desmotivava uma visita para o efeito. Depois, com a “nova vaga” começaram a surgir plaquetes por todos os recantos da parede. De tal forma que dava a impressão que as vias se empacotavam.

Desistimos da ideia de abrir algo novo.


Daniela numa das melhores fissuras da Meadinha. A "Tia Mucha"


A fotografia publicada na net, com as linha marcadas, revelaram um estético esporão onde, aparentemente não existia qualquer itinerário.

A luzinha exploradora reacendeu-se!

A perspectiva de abrir uma via independente e lógica, sem cruzar com nenhuma outra, na emblemática Meadinha era demasiado apelativa.

A Daniela e eu resolvemos tentar a nossa sorte e, munidos de uma máquina para acelerar o processo (batota!), escovas, friends e entalecos, lançámo-nos à empreitada.

Desde baixo, abrimos a “Edelweiss”, colocando um mínimo, muito mínimo de plaquetes.


Primeiro lance de fissura da "Edelweiss"

Ainda no primeiro lance


Trata-se de uma via de quatro lances, com um grau mediano, uma placa “à la Peneda” equipada (três pernes) por realizar em livre e um certo grau de exposição e compromisso. As reuniões encontram-se equipadas para o rapel (terceira reunião com um perno –pode-se complementar com um troço de cordeleta num grande arbusto à esquerda).


Inicio do segundo lance da "Edelweiss". Só precisa de uma escovadita!


Na saída do segundo largo. Chaminé fácil

Protecção "à bomba!"... num cristal!

Placa de saída do terceiro largo da "Edelweiss"


Quem desejar repetir esta via e quiser sair por cima pode evitar o ultimo lance (últimos metros florestais!), enlaçar com a via “Aplaudeme nena” a partir da terceira reunião e colocar-se no topo da magnifica Meadinha.

A Edelweiss pode não ser a via mais chamativa da parede. Até porque lhe falta uma valente limpeza de musgo (apesar de ser perfeitamente realizável tal como está). No entanto, trata-se de mais uma adição óbvia ao conjunto de vias.







Na Meadinha as escaladas mais lógicas há muito foram abertas. A “Escaleras al cielo”, “Come-cocos”, via “S”, “Autopista”, “Outsiders”, entre outros, são verdadeiros ex-libris intuitivos. Excelentes representantes de inquestionável qualidade, na nossa terra e... em qualquer ponto do universo!


Aurora boreal na Peneda!


Paulo Roxo


6 Comments:

Animado e Spagurja said...

É assim mesmo!!!
Essa cena de por o nome na base da via também pegou aqui nas fisgas há uns anos! Mas a malta acabou com isso pois fica um nojo.
Parabéns pela via
Beijos Stpesapeidianos!!
João Animado

taia said...

Vocês são os duros.

Eu posso dizer que na Meadinha já lá vi muitas vezes o abismo...

Abraço

celta said...

Ola Paulo.
Apesar de concordar contigo em grande parte do que falas, eu não sendo "um duro",tive a oportunidade de escalar na peneda devido ao equipamento de alguns seguros em zonas mais complicadas.
Para mim tudo na vida deve ser vivido com principios , não só a escalada, mas tenho que ser tolerante para com aqueles que pensam diferente.
Apenas meu exemplo pode fazer mudar a opinião dos outros, e a forma como eles actuam, não a minha crítica.
Vai estar um fim de semana espectaluar,com frio e sol sem nuvens.Aparece na peneda para escalar, e confraternizar com a malta.
Abraço
Pedro Cunha

celta said...

PS
Se puderes qd houver gelo na serra da estrela, publica no blog, para
a malta cá do norte dar até a estrelinha.

Anónimo said...

Jesus Novas.
Amanhâ, respondo à tua opinião.
Muchas gracias por exprimirla aqui.

Pedro Cunha.
A minha primeira questão é: onde no texto reconheceste intolerância? Não compreendo.

No meu texto do blog não falo das novas vias abertas na Meadinha, as que ultrapassam as placas e esporões que não foram abertas há muitos anos.
O fundo do que escrevi, tem a ver com o respeito pelos locais. Tem a ver com o respeito por uma determinada filosofia de escalada, de cada local.

Quando comecei a escalar também não tinha muita experiência, nem muito nível psicológico para enfrentar muitos riscos mas, nunca me passou pela cabeça acrescentar plaquetes em vias instituidas (especialmente em paredes emblemáticas como a Medinha), de forma a facilitar a minha realização. Por isso, referi o facto de ter muitas vezes descido com o rabinho entre as pernas e pensar: "ok, tenho de escalar/treinar mais antes de cá voltar!" Pedro, esta é uma opinião pessoal que não tem a intenção de querer ensinar-te nada.
Na verdade o que eu questiono é o seguinte: Os picados trazem algum beneficio para a evolução da escalada? Equipar fissuras clássicas traz alguma evolução para a escalada? Na minha opinião, a resposta é NÃO.
Ponho-te um exemplo prático, imagina que abres uma via nova e que algum tempo depois alguém acrescenta mais protecções áquelas existentes ou até a equipa por completo. Provavelmente não ficarias satisfeito. Agora imagina que acrescentam protecções vinte anos depois. Muda alguma coisa?

Assim como deverão existir vias para quem escala pouco, também creio que devem existir vias para quem tem muito nível (o que não é o meu caso!). Assim como devem existir vias para quem não goste de exposição, também são licitas as vias mais expostas. Como tal, para mim, deve-se respeitar o formato das vias no estilo em que foram abertas. Não creio que o que escrevo seja sinónimo de intolerãncia.

Não leves a mal o que escrevo, é apenas a minha opinião.

Quanto à Serra da Estrela, pois claro que direi algo assim que a coisa estiver a dar!

Abraço.

Paulo Roxo

Anónimo said...

Hola Jesus Novas.

Yo tambien escalo hace más de vinte anos, conozco y escalo en la Meadinha hace unos 17 anos y he tenido la oportunidad de abrir muchas vias en Portugal y España.

En la Meadinha solo abri la "Edelweiss", gracias a los excelentes topos publicados por vosotros.
Quando referi "...uma nova vaga invadiu a Meadinha..." no me referia en el sentido pejorativo del termo. Lo que queria decir era que ahora más gente escalava y abria vias en la Meadinha. Lo que me parece muy bien. Me parece muy bien que se recupere esta pared algo olvidada. He expresado mi opinion en relación a las cosas que me parecem bien hechas, como la limpieza de las vias (sin exageraciones), los reequipamientos (no sobreequipamientos) y la publicación de los topos actualizados.
He expresado también MI OPINION, que la mantengo, sobre lo que me parece negativo, como los picados con los nombres y el equipamiento de alguna fisuras como la "Z", el primer largo de la "Autopista" y el acrescento de algunas chapas en algunas vias, como la ultra-clasica "S", o la "Outsiders", etc.

Concordo contigo que en algunas vias se mantuvo la traça antigua. Recientemiente me he bajado del primer largo de la "Directa dos tectos", por no ter el coco para hacer el run-out de fisura muy larga y limpio de chapas. Pero para mi eso también cuenta como experiência. No me pasaria por la cabeza equipar ese tramo de forma a facilitar mi progresión. Para mi el juego es adaptarme a la roca y no adaptar la roca a mis defectos. Tudo dentro de un determinado limite, claro.
Bueno, lo que te quiero decir es que también para mi la Meadinha es un lugar unico (en el texto lo refiro) no solo para escalar pero también para disfrutar del entorno, del aire, del vuestro "sonido de la roca".
Espero que nos veamos por la peneda uno destos dias y te lo direi personalmente.

Un abrazo

Paulo Roxo