A Parede Amarela.
Aparentemente, o país está de rastos.
Todos os meios de informação emitem noticias pessimistas deixando no ar uma sensação de depressão que se sente profundamente, ao ponto de quase se cheirar.
Neste ambiente negativista geral, sobressaem algumas atitudes mais extremistas. Subtilmente, somos enredados por uma névoa quase imperceptível formada por medos julgados esquecidos. Heranças sinistras do passado, julgadas passadas mas, de novo presentes. Medos incentivados por existências precárias, de vidro cada vez mais fino e quebradiço.
Depois de tantos anos imersos numa ditadura opressora, os espíritos voltam a toldar-se e, em passinhos leves, de uma forma silenciosa, eis que, de novo surge o medo de falar, de emitir certas opiniões polémicas ou incómodas. O medo das represálias sobrepõem-se à opinião.
Desta vez porém, torna-se mais difícil identificar o opressor.
Nos tempos negros da nação a opressão estava personificada na figura ridículo/trágica de Salazar.
Hoje, as pressões tem uma origem mais global, quase impossível de individualizar. É a ditadura dos novos tempos, mais subtil mas, igualmente lesiva, igualmente castradora.
Dizem-nos que, nesta era tecnológica, o bicho papão chama-se PODER ECONÓMICO. E este é o poder em redor do qual orbitam desordenadamente os políticos fantoches e todos nós, numa amalgama absurda de mentes desorientadas e confusas.
Também eu me sinto confuso. Não sei como o martelo escorregou da mão acertando-me em cheio nos óculos. Felizmente foi um golpe de raspão que resultou apenas num pequeno risco numa das lentes.
Artificial.
O João Gaspar espera pacientemente lá embaixo, na reunião. Espera que eu resolva este lance de escalada artificial, moroso e algo trabalhoso.
O João na reunião, a passar o tempo.
Neste momento, os problemas globais resumem-se ao metro quadrado de calcário, por cima do meu capacete.
Por algumas horas, os medos mesquinhos dão lugar à boa disposição e a discursos de escárnio e maldizer. Por algumas horas trocamos palavras ao calhas, irreflectidas e lançamos ao ar frases estúpidas sem pensar na etiqueta. Palavrões entre cada passo de escalada. Asneiras entre cada metro conquistado.
Eu, a fingir que me vou lançar em escalada livre.
Ideias livres.
Mas, de súbito... “livres?!”
Estamos presos!
Presos a uma corda, presos aos mosquetões, presos a um tremelicante piton, presos a uma reunião. Presos a uma escalada arriscada e presos ao compromisso em si.
Nesta prisão, longe dos medos, apercebo-me que, na verdade, por algum tempo estamos LIVRES.
Empurrada por uma brisa maliciosa, vai surgindo a duvida, a questão inconveniente, será que temos aí à porta...
DE NOVO, O ESTADO NOVO?!
Esta via foi iniciada pela Daniela e por mim em Outubro do ano passado.
Abrimos dois dos seus três lances de escalada e ficou por terminar a parte mais complexa, o imponente extra-prumo que constitui a imagem de marca da própria parede, sobretudo quando a avistamos em perfil, desde o trilho de aproximação.
Momentos da Daniela no segundo lance e na reunião.
No dia 28 de Novembro, o João Gaspar animou-se com a ideia e pusemo-nos a caminho, decididos a terminar uma nova via na Parede Amarela, sector que precede a Falésia dos Pinheirinhos.
O João lançou-se à frente nos primeiros dois lances e eu encarreguei-me de trabalhar o terceiro largo, no mais puro estilo de escalada artificial.
Momentos do Gaspar a iniciar a via, no segundo lance e na saída.
A via ficou semi-equipada com pernes inox e alguns pitons e, para a sua repetição serão necessários os habituais conjuntos de friends, micro-friends e entaladores.
O terceiro lance promete um bom desafio a quem se propuser uma ascensão em livre.
Perspectiva do topo.
A seguir: os topos de TODAS as vias da Parede Amarela.
Paulo Roxo
3 Comments:
Adorei o Raccord.
Aproveito para desejar um óptimo 2011. cheio de aventuras e vias novas.
Abraço do abismo
Um grande igualmente!!
Paulo Roxo
É asssim mesmo!!!!!
Com paredes dessas e vias destas, venha lá a crise!!!!!
Aquele abraço
João Animado
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