FACE NORTE DO CÂNTARO GORDO
Já andávamos curiosos com a face norte do Cântaro Gordo há
algum tempo. Chegara a hora de dar uma espreitadela. No dia 22 de Fevereiro, um sol
radiante e um frio prometedor viu-nos a atravessar o planalto superior em
direcção ao Cântaro Gordo. A neve debaixo dos crampons apresentava-se bem
transformada. De facto, já não encontrávamos uma neve tão boa há bastante
tempo.
Já na base da face norte do Gordo descobrimos uma parede de
neve, gelo e rocha, com um aspecto excelente. Uma oportunidade para aproveitar.
Logo nos primeiros passos de escalada mista, encontrámos uma neve bastante diferente da que descobrimos durante a aproximação. Agora deparámo-nos com uma neve açucar, sem consistência para permitir uma boa tracção dos piolets. Os tufos de erva e musgo, quando congelados, permitem uma dose de confiança adicional pois os piolets cravam-se como se de gelo se tratasse. Neste dia não tivemos essa sorte! Apesar do frio, estranhamente, os tufos de erva não estavam congelados e não nos iriam servir de muito para progredir. Teríamos de nos defender com os clássicos gancheios em fissuras rochosas.
Apesar das más condições, o muro compacto de rocha deixou-se escalar através de uma linha de fraqueza lógica e desafiante. Um primeiro lance de dificuldade “amena”, deu seguimento a um largo diagonal, com dois ou três passos picantes e mentalmente cansativos devido à sua relativa exposição.
Terminámos a primeira via do dia, na crista do Cântaro Gordo e, poucos metros mais abaixo, abandonou-se uma cordeleta para realizar um longo rapel até à base da parede.
A face norte do Cântaro Gordo recebia assim a sua primeira
via invernal.
Ainda com tempo disponível, deixámo-nos levar pela visão de uma nova linha atraente que conduzia ao topo de uma pequena torre destacada.
No primeiro lance o “crux” surgiu na saída, obrigando a
alguns passos difíceis num extra-prumo acentuado mas com bons gancheios e
protecções fiáveis, permitindo ultrapassar as dificuldades sem muitas
complicações.
Montada a reunião numa fenda oportuna, observámos o terreno acima. Uma canaleta de aspecto fácil desenvolvia-se pela direita. Caso seguíssemos por ali seria uma via desequilibrada ao nível das dificuldades. Um lance duro de entrada para terminar com um segundo lance muito mais fácil. Previa-se um sabor final um tanto ou quanto amargo. No entanto, uma observação mais cuidada fazia pensar que existia uma alternativa mais… equilibrada, leia-se: mais dura!
Resolvemos meter-nos pelo centro do pilar de rocha vertical. “Vamos tentar!” Uma primeira secção fácil em travessia permitiu aceder ao tecto no centro da parede. Felizmente, uma fissura franca consentiu proteger convenientemente, reduzindo em grande medida a exposição de uma potencial (e provável) queda. Gancheios laterais em bavaresa… crampons “em aderência” na parede lateral esquerda… gancheio potente muito por cima da cabeça, num pequeno bloco entalado na fissura… proteger com um bom camalot 0,75… escalar o próprio piolet bem gancheado… bloqueio duro… soltar o piolet direito e gancheio aleatório por cima do tecto… confiança… “Será que está gancheado?”; “Atenção!” Lá em baixo, a Daniela assegurava atenta. “Ok! Aí vou!” As forças estão no limite. Em apneia, tracciono o piolet direito, procuro um friend e atiro-o literalmente, meio à balda, para dentro da fissura disponível. A energia esvai-se a cada segundo que passa. Não aguento mais… dou tudo o que tenho e ergo-me nos dois piolets gancheados. Os crampons raspam violentamente no granito até que, sem saber como, um deles “agarra-se” a alguma protuberância minúscula. Num instante estou por cima do tecto em terreno mais fácil. Não sinto os braços, mas já consigo respirar. Os próximos metros ainda não são fáceis, mas apresentam-se muito mais amáveis que a escalada precedente.
Desde o topo da pequena torre desfruto da paisagem invernal circundante. Os ante-braços acusam o esforço. Estou feliz. “Que via espectacular!”
Enquanto asseguro a Daniela, concentrada no esforço de
ultrapassar as dificuldades da nova via, observo as paredes em redor. O
potencial para a escalada mista é considerável…
“Está ali uma linha bem apetecível. Vamos?”
O futuro no “nosso” jardim apresenta-se risonho…
Paulo Roxo
Os topos
2 Comments:
Viva , não sou alpinista mas ao ler o texto fico deslumbrado e tiro o meu chapéu, vocês devem ter um gozo do caraças, força e tudo de bom.💪
É verdade, dá-nos de facto um gozo do caraças 😉. Obrigada! Abreijos
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