quarta-feira, janeiro 30, 2008

A Parede Amarela



Nem mesmo em Portugal é fácil reclamar a primeira ascensão de uma determinada parede.

Para a população geral a importância de uma primeira ascensão é relativa, é um acontecimento de certa forma inócuo.

Mas, para quem gosta de um tipo de escalada mais voltada para a exploração, a “primeira” tem sempre um gosto especial. Trata-se da descoberta do desconhecido, do “como será?”. É a aventura de tocar o nunca antes tocado, a surpresa de descobrir a presa escondida (e de verificar que afinal não é assim tão boa!), o risco do compromisso, no fundo, a certeza de que tudo é incerto.




Como num quadro, a abertura de uma via de escalada surge fruto da inspiração. São pinceladas suaves e lentas que desenham a tal linha invisível que de uma forma surreal logra unir formações rochosas características, revelando a anatomia das pedras e expondo uma vida onde outrora apenas existia um elemento sem alma.




Há algumas semanas à Daniela Teixeira e a mim foi-nos oferecida a possibilidade de pintar um desses quadros de arte abstracta e, ao mesmo tempo, minimalista, numa tela de rocha que ainda não tinha conhecido a paleta.




A “Bio-(H)azar(d)” foi pincelada em dois dias (separados por uma semana) e inaugura um sector inteiro, na zona dos “Pinheirinhos”, baptizado com o nome de “Parede amarela”.





Trata-se de uma via com cerca de 80 metros, em que o primeiro lance ultrapassa o diedro mais evidente da parede, imediatamente visível durante a aproximação, com o grau a rondar o 6c e onde será necessária alguma atenção devido ás pedras.

O segundo lance, mais curto, é na verdade uma trepada diagonal com um curto passo de quinto.

O terceiro e ultimo largo é o mais difícil e foi aberto em artificial, tendo sido deixadas cinco plaquetes intercaladas com os inevitáveis entaladores e friends, de forma a permitir a realização em livre.

Na passada quinta-feira, voltámos o João Gaspar e eu para dar um “tiro em livre” à “Bio...”.




A coisa saiu bastante dura e as protecções, embora “à bomba” (testado!), revelaram-se de colocação algo esgotante.

O João fez melhor figura que eu e lá decifrou a saída do extra-prumo e o termo das dificuldades.

Pensamos que o numero rondará o 7 e a proposta fica em 7b, ainda por encadear.

Pretendentes?

Paulo Roxo






terça-feira, janeiro 22, 2008

Venham daí os resíduos! Mais resíduos, muitos resíduos!

(Sempre sonhei em ter uma casa num parque natural...com vista para o mar)

"A Secil retomou sexta-feira a queima de resíduos perigosos na cimenteira da Arrábida, uma operação permitida pela decisão do Supremo Tribunal Administrativo, disse à agência Lusa fonte da cimenteira.

«A unidade esteve parada quase um ano. A queima que efectuámos na sexta-feira serviu para testar se estava tudo a funcionar normalmente. E estava. Esta semana vamos retomar a queima diária, estamos só à espera que cheguem os resíduos» para co-incinerar, afirmou Nuno Maia, porta-voz da Secil."

Pois, porque pelo que hoje ouvi na TSF, os resíduos que estavam em lista de espera já foram todos esturricados! Agora espera-se que chegem mais, algo como 12 pequenotes camiões extra repletos de residuos perigosos a passearem por ali...coisa pouca!

(Quando eu for grande quero ter um camião assim!)

Esturriquem mas é o Supremo Tribunal Admnistrativo e os administradores da Secil! Quem vota a favor da co-incineração destes...destes bandalhos?



quarta-feira, janeiro 16, 2008

Parque Natural da Arrábida

Aí é??? Onde fica??
Como diz o Sérgio Godinho "Só neste paíííííííís..."


Declarações do administrador da Secil
Co-incineração no Outão pode arrancar "dentro de dias"
16.01.2008 - 13h01 Ricardo Garcia
O processo de co-incineração de resíduos na cimenteira do Outão, na Arrábida poderá ser retomada dentro de apenas alguns dias, disse hoje ao PÚBLICO Carlos Abreu, administrador da Secil. O Supremo Tribunal Administrativo deu luz verde à co-incineração naquela cimenteira, tal como já tinha acontecido em Novembro com o caso de Souselas.

Esta decisão, conhecida pela cimenteira e pelo Ministério do Ambiente na passada segunda-feira, contraria as decisões tomadas por dois tribunais de instância que tinham suspendido a queima de resíduos perigoso na cimenteira do Outão.

A decisão do Supremo surge em resposta ao recurso da Secil e do Ministério do Ambiente da decisão do Tribunal Administrativo do Sul que confirmou a sentença do Tribunal Fiscal e Administrativo de Almada no sentido de suspender a co-incineração.

"Estamos a pensar retomar [a co-incineração] brevemente, É uma questão de três a quatro dias", disse esta manhã Carlos Abreu.

Esta manhã, o advogado representante das populações de Palmela, Setúbal e Sesimbra afirmou parecer estranho que o juiz relator do acordão sobre Souselas assine agora também o acordão do SAT sobre o Outão. E a Quercus classificou de "estranhíssimo" este acordão.

domingo, janeiro 13, 2008

O Dentinho do Gatinho


Para todos aqueles que anseiam por um soleado dia de “escalade plaisir” num local bonito e isolado, junto a um convidativo mar de profundo azul turquesa, aqui fica uma proposta irrecusável.

O João Gaspar e os seus compinchas, nas pessoas de Teresa Leal, Miguel Loureiro e Mário “das Arábias”, dirigiram-se aos “Pinheirinhos” para equipar algumas vias no primo pequenino do “Dente do Leão” (este, em Sesimbra), já conhecido como “Dentinho do Gatinho”. Trata-se de uma pequena torre de calcário que se destaca das grandes paredes contíguas.


O “Dentinho do Gatinho” foi conquistado pelo próprio João Gaspar e pela Teresa, recorrendo a material volante, através de uma espécie fissura virada ao mar (“Atirei o pau ao gato”). Nesta “F.A.” não foram deixadas quaisquer plaquetes e a descida foi realizada ao bom estilo bávaro, em que o ultimo de cordada desce em rapel assegurado pelo companheiro situado no solo, no lado oposto da torre.

As novas vias encontram-se integralmente equipadas com material inox e os graus variam entre o “6 há mais e o 6 sê mais”.

Uma actividade completa poderá ser, combinar a escalada destas vias com a “Pilar Desencantado” (necessária corda auxiliar para rapel) mesmo ao lado, com três lances e também equipada.

No entanto, o “Dentinho do Gatinho” constitui um fim em si, permitindo à maltinha saborear a rara sensação de conquistar um verdadeiro cume, mesmo que de uma pequenina micro-montanha de calcário!

Agora, já existe a opção de empreender de uma forma tranquila, o bonito trilho costeiro que conduz à base dos “Pinheirinhos”, transportando apenas um conjuntinho ultra-light de expresses.

Com um pouco de sorte ainda pode ser que levem para casa a visão sempre espectacular e única dos golfinhos (ruazes) que, de quando em vez e ao fim da tarde, cruzam a costa da região, em direcção ao oceano.

Paulo Roxo

Os croquis do joão Gaspar:





terça-feira, janeiro 01, 2008

Conto de Natal

Como a época de neve passada foi escassa, nos princípios da primavera enviei um mail ao Pai Natal. Prometi-lhe que me portaria bem o ano inteiro e pedi-lhe que desta enviasse neve e frio, para saciar a minha vontade de fazer actividades de inverno.

Um pouco antes do Natal, numa noite de sono profundo, sonhei que nevava na nossa serrinha e que encordada ao Pai Natal, abríamos uma imensa cascata de gelo. Ao perceber o sinal, logo de manhã mergulhei na web, rebuscando todas as páginas que me pudessem informar sobre as condições meteorológicas da Estrela. A webcam da Turistrela, que se encontrava desligada até à data (não sei bem porque, mas fiquei com a ideia de que queriam enganar a malta ao substituir as imagens em directo, por uma foto nevada!) funcionava novamente, era bom presságio. Nos diversos sites que consultei, as indicações eram de neve e frio, os astros pareciam conjugar-se, tudo indicava que o Pai Natal estava atento. Eu portei-me bem, ele, mandou-me um presente.

Sexta-feira, depois do tradicional treino ao fim do dia, eu e o Paulo montamos as renas...perdão, o Megane, e aceleramos em direcção a uma das mais grandiosas cadeias montanhosas do planeta (com a Serra da Estrela aqui ao lado, quem é que quer saber dos Himalaias?).

Já no maciço central, os cristais de gelo que a lua fazia cintilar, preencheram-nos o olhar. A brancura da neve brilhava perante os faróis das renas...perdão, do Megane! “Paulinho, acho que vamos abrir a época este fim-de-semana” e dois enormes sorrisos se esboçaram perante tamanha certeza.

Nessa noite, adormecemos felizes desejando que as horas passassem fugazes e que a manhã nos despertasse com alguns graus abaixo de 0.

Finalmente o despertador “Cucu toing, cucu toing”. Os nossos corpos ansiosos, rapidamente se enfiaram nas típicas vestes de Inverno e entre os Gore-Tex, piolets e restante material, breve iniciamos a descida para a algo branca face norte do Cântaro Magro. Não falei nos crampons propositadamente, pois a neve estava tão mole que não foram necessários. Passado algum tempo, vislumbramos uma linha de aspecto relativamente fácil, que achamos apetitosa para começar.

Concordamos que deveríamos abrir a época com algo simples, apenas o suficiente para tirar a ferrugem. Enfiamos as botas nos crampons e lá fomos nós por ali acima, entre gancheios e tentativas frustadas de cravar o piolet numa neve que se revelou...execrável!

Rapidamente tivemos de admitir que estávamos mais do que aquecidos! A linha que parecia fácil, com aquela neve totalmente desaconselhada para qualquer tipo de actividade, revelava-se um verdadeiro desafio aos nossos recursos físicos...e mentais!

Quando atingimos o anel do Cântaro fomos invadidos por um típico sentimento natalício. A felicidade! Sentíamo-nos felizes por ter aberto a primeira via mista da época e mais ainda por termos constatado que é possível fazer actividades sejam quais forem as condições...recorrendo claro está a uma enorme vontade e aos apelos da imaginação! Com pouca imaginação, apelidamos a via de “O Reino das Oposições”.

Depois de uma pequeno repasto aquecido pelo sol no anel do Cântaro, achamos por bem reconhecer uma nova zona, com esperança de encontrar melhores condições para o dia seguinte. Movidos pela curiosidade, fomos espreitar um cantinho entre a famosa estatueta da Santa e o Cântaro Raso. Tínhamos vislumbrado as paredes brancas ao longe, quando subíamos pela estrada que vem de Manteigas.

Após uma pequenita caminhada...WOW! Uma fantástica parede coberta de escamas de gelo, com graciosas fissuras preenchidas de branco e musgo que parecia encontrar-se em excelentes condições para receber os bicos dos nossos famintos piolets.

“Tantas vias mistas! E de alta dificuldade! Tantas fissuras! E bem vertical! Grande potencial...” exclamou o Paulo. Comecei a sentir-lhe aquela ansiedade que resulta da abundância. Os seus olhos arregalados perdiam-se por entre as fissuras, como quem as quer escalar todas de uma assentada e não sabe onde começar (imaginem uma criança gulosa com 5 deliciosos chupa-chupas que não cabem na boca todos de uma vez!).

“Granda sector!” acrescentou com um sorriso esbugalhado. “Que nome é que damos a isto? É altamente escocês!”. Por uma questão de lógica, achamos por bem baptiza-lo de “POWER MIX”.

Na manhã seguinte estávamos lá plantados para o desfrutar. Novamente topamos uma linha de aquecimento. Resultado?

Aquecemos e muito!

Aquecemos os pés, joelhos, coxas, cotovelos, barriga e peito, ombros...pelo que chamamos à via “Reptovia”, recorrendo novamente à lógica. É que pelo meio, para além de um “reptanço” numa chaminé (daquelas que a malta gosta de escalar e gosta ainda mais quando está emaranhado nos piolets e crampons), tivemos direito a uma passagem por debaixo de um calhau...verdadeiramente elegante!

Ainda com algumas horas por preencher, topamos outro alinhamento verdadeiramente interessante, este com aspecto um pouco mais duro, mais vertical. Depois dos dois primeiros enganos, achamos por bem conter a gula e não nos atirarmos às de aspecto mais poderoso, mais ainda porque com segurança, só contávamos com os gancheios na rocha, única coisa que era definitivamente estática (pois, nem o musgo estava nas melhores condições!...apesar de ainda assim ser bastante mais seguro do que a neve!!!).

O aspecto “um pouco mais duro” confirmou-se em pleno. Resultado? 110m repartidos por 3 largos que se prolongaram até à luz do dia nos abandonar. Mais uma vez, para além de perdermos todo o amor ao material (não imaginam em que estado ficaram os Gore-tex!...e o quão arredondadas ficaram as pontas dos piolets e crampons de tanta coquinada!) e recorrermos a todos os truques da nossa imaginação para fazer certos passos (e claro, usando toda e qualquer parte do corpo para superar certas passagens), lá conseguimos atingir o topo da parede, felizes por o fim-de-semana nos ter rendido 3 fantásticas vias de misto. Novamente recorrendo à lógica, apelidamos a ultima via de “Anatomia da tracção”.

Obrigada Pai Natal! Não, não estou chateada com a neve de merda com que nos presenteaste no fim-de-semana, quero é agradecer-te por nos mostrares que com vontade e imaginação, tudo é possível.

Daniela Teixeira





sexta-feira, dezembro 21, 2007

A maltinha do RPPD, deseja a toda a maltinha um Natal Feliz.
Que a vossa mega bota apareça cheia de friends, stoppers, estribos, mosquetões, expresses, fitas, arnêses, pés de gato, crampons (que não sejam os Sarken da Charlet!!), piolets, cordas...à e furadeiras!!
Quanto a 2008, que traga virgens a quem quer virgens, vias novas a quem quer vias novas, grau a quem quer grau, festas a quem quer festas e paz a quem quer paz!

BOAS FESTAS PESSOAL!!!!!!



(Desculpem lá se a imagem está mal amanhada, mas foi o que se pode arranjar!)

domingo, dezembro 09, 2007

Palestra As Paredes perdidas

No próximo Sábado, dia 15 de Dezembro pelas 21:30 o Miguel Grillo e eu (Paulo) estaremos no Porto, na loja Espaços Naturais, para contar as aventuras vividas em diversas paredes perdidas.



Trata-se de um périplo de escalada de exploração por locais selvagens e magníficos de Portugal, Espanha e Alpes.

Histórias de novas vias de escalada abertas em paredes isoladas e quase esquecidas.



Paulo Roxo

terça-feira, novembro 27, 2007

O Bigwall dos pobres


Vistas Lusitanas.


- Aaaagh!

O Bruno olhou-me detrás do seu frontal e, com voz pausada disse: -Calma... vamos tentar de novo!

Já déramos voltas e voltas para tentar montar a hamaca. A armação de alumínio recusava encaixar-se devidamente e, passados uns vinte minutos de esforço, suspenso pelo arnés e embrulhado nas ramadas de uma “sabina” ( espécie de arbusto, muito resistente) eu explodia de raiva. –Aaaagh!

De súbito, um ligeiro toque de graça e uma torcida mais suave provocou o “clack!” característico que anunciava, finalmente, o inicio de mais uma noite de descanso, a terceira desde que nos puséramos a escalar.

Adormecemos com as sombras do mar de granito que interrompia, lá em cima, o fluxo de estrelas da Via Láctea.

No dia seguinte: “Cucu!... Toiing!...Cucu!...Toiing!...”, o som do meu telemovel com pretensões a despertador revelou a dura realidade. Eram as cinco da matina!

Esperava-nos duas horas de ocupação, a tomar o pequeno almoço, a desmontar a hamaca e a arrumar tudo nos petates. Tudo, sem deixar cair nada ao vazio.


O nascer do Sol do primeiro dia.


"Carregados como burros!"

Existem vários locais do mundo onde praticar a muito particular disciplina de escalada conhecida como Bigwall: Yosemite, Patagonia, Torres do Trango, Paine, etc. Visitar qualquer um destes locais envolve um considerável volume de euros acumulados nos bolsos mais abastados ou, nas contas de rarissimas entidades patrocinadoras.

Para nós, lusitanos e Europeus de segunda, organizar e financiar uma visita a qualquer um destes sítios, resulta numa empresa com proporções expedicionárias, antes mesmo de pisar o solo do destino sonhado (Ok! Neste ultimo parágrafo é favor substituir parte da frase por: “Para mim, cidadão do sistema solar e europeu de terceira, organizar e... blá, blá, blá!...”).

Mas, eis que surge, mesmo aqui ao lado, um local com as características de Bigwall, em dimensões e emoções. Um local descaradamente escancarado e paradoxalmente esquecido. Um local de beleza e silêncio arrebatadores, pejado de vida e energia.

Pode não ter a qualidade dos seus primos maiores, anteriormente referidos mas, aqui também a palavra Aventura se escreve com um A proporcional ao tamanho.

Claro, um local também sensível, com uma ecologia única que convêm preservar. Mais uma vez, ali está a época de nidificação de aves que se deve respeitar (não escalando, de Janeiro a Agosto), não porque uma qualquer instituição (por vezes dúbia) assim o exija mas sim, porque dentro de nós, sabemos que devemos estimar estes encaixados territórios selvagens.


O rapel de acesso à Floresta!

No interior da Floresta do Bornéu.


Ainda lá dentro!

Desta vez, a aventura tocou-nos ao Bruno Gaspar e a mim.

Em duas horas e meia, carregados como burros, conseguimos realizar a primeira parte da “expedição”... a aproximação.

Constatámos surpreendidos que o acesso se encontra muito mais... humano.

Muitas da Silvas que tanto nos atormentaram ao Miguel Grillo e a mim na altura da exploração em 2004 e, na altura da abertura da “Terra de ninguém” (dois anos depois), tinham quase desaparecido.

Já na base da via pretendida pensava no porreiro que tinha sido reduzir a quantidade de aí`s, ui`s (!) e variado praguejar, durante a descida da luxuriante “Floresta do Bornéu”.


O primeiro lance vislumbra-se por entre o bosque.


A primeira noite ao nível do solo.

Na terceira reunião, o “relé dos bafos” (não me perguntem a origem do nome mas, acho que teve algo que ver com o facto do urinol ter ficado demasiado próximo da hamaca!), reorganizámos o material nos petates e arneses.

Eram as seis da manhã.

De súbito, um ruído grave e arrastado interrompeu o idílico silêncio habitual: “VruumMM!”. Olhámos para trás, ainda a tempo de avistar uma grande nuvem negra que, num segundo, emergiu de um pequeno bosque suspenso na vertente oposta. – Uau! Morcegos!- gritou o Bruno. – Morcegos?! A estas horas?! Não... são pássaros!

Um gigantesco bando de Estorninhos formava uma coluna negra que bailava graciosamente a escassas dezenas de metros da nossa posição. O espectáculo era magnifico e ficámos para ali boquiabertos, a observar o inédito fenómeno ondulante. A nuvem virou e rodopiou como um lenço ao vento e, tão rápido como emergiu, afundou-se com grande estrondo num novo manto de árvores.

O silêncio retornou ao local.

- Já temos nome para a via! A dança dos Estorninhos!


Uma feliz descoberta no terceiro lance: Fissura perfeita!


No mesmo lance.

Petates sobre o vazio.

Bruno na "Reunião dos bafos".

Calhou ao Bruno a abertura do sétimo lance.

- Já estou muito pesado. Chega de material. Tá a andar!

Meti a corda no Gri-gri e dei-lhe uma palmada nas costas.

Sem hesitar, o Bruno começou a escalar em livre as duas fissuras paralelas verticais. Quanto a mim, restava-me dar corda e observar, comodamente instalado na melhor reunião de toda a via. Uma pequena mas perfeita plataforma horizontal, com uma cadeira de encosto constituída por uma pequena árvore.

O Bruno colocou um friend, deu-lhe um esticão de confirmação e continuou a escalar. Pouco depois, um novo friend protegeu os passos seguintes... os muitos passos seguintes! As duas fissuras terminaram para dar lugar a uma pequena travessia que, visto desde baixo, parecia permitir aceder a um diedro evidente. Vi o Bruno a ignorar o “run-out” e a lançar-se decidido à travessia. As mãos agarraram umas presas mais ou menos francas e os pés descolaram da rocha para, num “swing”a 180 graus, voltar a “colar” muito mais à direita. Reposição e... imediata constatação que a parede era bem mais vertical que o calculado antes do movimento. Pequenas armadilhas de se escalar em livre e à vista. – Ei Roxo, atenção aí!- sempre que alguém me faz este pedido (ou quando sou eu a pedir!) vem-me à memória a célebre figura do Paulo Gorjão, com a voz irritantemente pausada e desde o solo a contestar a um determinado escalador mais apurado: -Tu é que tens de ter atenção!

Optei por não atirar com esta frase emblemática ao Bruno. Talvez não viesse muito a propósito, especialmente perante a interessante perspectiva de um vôo com mais de dez metros.

A única fissura da placa nem sequer era uma fissura. Tratava-se do intervalo produzido por uma pequena lastra “amovível” que aceitou um pequeno alien (o verde do “semáforo”).

Com a cara colada à rocha para se equilibrar, o Bruno decidiu por fim, agarrar-se ao friend duvidoso. Tentei adivinhar a trajectória da queda. A antevisão não foi das melhores. Seria um belo vôo em pêndulo que o colocaria seguramente abaixo da minha posição. Preparei-me para puxar corda no Gri.

O friend lá aguentou com o peso do Bruno. Foi a sua oportunidade para martelar um bom piton numa fissurinha que espreitava trocista.

Espirito renovado para continuar!


Ligeiro toque solar no terceiro lance.


Quinto lance de protecções "arbustivas" mas, de progressão razoável.


Em BigWal vale (quase) tudo!

"O que me espera?"

Situação peculiar.

O diedro era muito atractivo... não fosse a fissura estar completamente coberta por uma grossa camada de ervas agarradas por terra endurecida, resultado de anos e anos de acumulação de poeiras trazidas pelo vento. De “escavador” em riste (uma velha escova transformada em espigão) ia conquistando cada centímetro do diedro.

Verdadeiras cascatas de terra e erva ião caindo ao vazio... sobre o Bruno! O pobre do meu companheiro encontrava-se directamente por baixo, amarrado à reunião, apoiado nos petates e, sem possibilidade de se desviar. – Ei, Bruno. Não olhes agora para cima!

Uma nova enxurrada de detritos precipitou-se em sua direcção. – Desculpa, não dá para evitar!- disse eu, com voz sentida.

- Ok! É na boa!...- respondeu, ao mesmo tempo que fechava a gola do casaco de penas, numa tentativa de selar as possíveis entradas de terra.

Os momentos “retro-escavadora” sucederam-se.

Pensava na sorte dos possíveis repetidores: encontrar o largo todo limpinho.

Mais acima encontrei umas regletes perfeitas. Afastei-me do alinhamento lógico do diedro e coloquei-me em cheio na placa. Para grande alívio do meu assegurador constatei não necessitar de escavar mais. Á minha frente erguia-se uma placa lisa. Burilador! Duas plaquetes depois, a coisa parecia conduzir a mais um pêndulo (o segundo da via).

O Bruno desceu-me alguns metros. Suspenso na ultima plaquete comecei a iniciar o baloiço horizontal. Corri uma, duas vezes e, lá me agarrei a umas presas arredondadas e musgosas. Subi para cima das presas e voltei a respirar. “Mmmm...” analisei a minha situação. A corda encontrava-se agora numa linha perfeitamente horizontal a uns sete metros da ultima protecção. Para cima revelava-se um passo de aspecto difícil e desequilibrante, impossível de proteger.

Na eventualidade de falhar seria uma valente queda em pêndulo perfeito. Em principio não me iria matar mas, o cenário potencial não era propriamente apelativo.

Realizei dois curtos passos. A mão direita descobriu uma presa lateral razoável. O pé direito subiu para uma micro-reglete duvidosa. “Só tenho de realizar um pé/mão à esquerda e...”. Hesitei... hesitei... desisti! Voltei a destrepar. Voltei a olhar para a distância que me separava da ultima protecção. Lá embaixo, o Bruno incitava-me: - Vai lá!

Tentei duas vezes mais mas, o receio apoderou-se e não consegui realizar o passo que (ainda por cima!), calculei não passar do quinto grau. A mente tinha bloqueado.

Descobri uma pequena reglete horizontal. “E se?...” Para meu espanto o pequeno gancho agarrou-se à saliência. “Merda, isto aguenta! Agora tenho mesmo de subir. Que chatice!” Muito cautelosamente subi ao primeiro degrau do estribo. Mais uma vez observei o mega-pêndulo que me esperava se... –Ai que medo!- solucei ao vento, sem me atrever a respirar. Subi ao segundo degrau do estribo. – Ai que medo!- o gancho mantinha-se na posição e, lá consegui saltar para as presas avidamente desejadas.

O resto da escalada sem historia depositou-me no topo da via.

Dei um grito de satisfação.

Na reunião suspensa o Bruno batia palmas.

Finalmente, podíamos tomar um banho... na fonte publica do parque de merendas!


Paulo Roxo


A tranquilidade...

Bruno no rapel pêndular.

Ping! Ping! Ping!


"Vai lá Brunex! Vai lá!..."


Jumareando o ultimo lance.


É o fim!... Por fim!

Por ali anda a "Piu?!"


Adeus!

Até à vista!