Escudo negro.
Com as temperaturas a cair para os três graus positivos, começa-se a sentir a primeira lufada dos ventos de Inverno e com eles a esperança de uma boa temporada de neve e gelo.
Três graus!De gorro metido na cabeça a Daniela abandona o carro na curva do Cântaro e destrepa o habitual acesso ao colo, entre a estrada e o Cântaro Magro. Eu sigo atrás, absorto em pensamentos invernais, motivados pelos valores indicados no termómetro do carro.
“Serão estes os últimos dias do ano de escalada em rocha na Serra da Estrela?”
"Gear for fear!"
Apesar do frio, o dia está brilhante.
O céu limpo e de um azul intenso, o granito seco, a tranquilidade reinante, são factores que conspiram para nos inspirar.
O nosso propósito é a soleada face sul do Cântaro.
Ao longo do dia vamos partilhando os largos da fabulosa “Érika”.
A aderência é excelente e mal levamos as mãos ao saco de magnésio.
Mar de granito do primeiro largo e a bonita saída para a reunião.
Ao longo de todo o dia não vemos vivalma. Apenas o murmúrio de algumas vozes longínquas se deixam ouvir, vindas lá de baixo do Covão D`Ametade.
O céu... azul.
O segundo lance, mais dificil e igualmente espectacular.
Estamos sós e penso na nossa situação. É uma sorte poder escalar vias desta qualidade sem a presença de várias cordadas nas imediações ou mesmo, na própria via. É todo um luxo que ainda podemos desfrutar em muitos locais deste pequeno país (em crise!) à beira mar plantado.
O inicio do terceiro lance.
Por um lado não deixamos de divulgar as actividades, os topos, de partilhar as aventuras vividas e com isso, quiçá, motivar alguns a viver as suas próprias aventuras.
No fundo, estamos a contribuir para que mais gente visite estes locais. Por outro lado, prezamos imenso a paz de estar sós, de poder escalar uma parede sem ouvir o tilintar do material de outros escaladores.
O quarto lance.
Duas fotos do quinto largo. Um lance com o seu truque psicológico.
Estes sentimentos mistos, farão para sempre parte de um paradoxo insolúvel.
O som... do silêncio.
Saboreamos o momento.
Sexto largo.
Ultimo lance mais sinuoso para terminar.
E saboreamos umas “sandochas” no cimo do Cântaro com as vistas largas que este belo cume modesto tem para oferecer.
Gredos, sem neve... ao longe.
A ultima reunião da Érika.
No dia seguinte, a temperatura desceu um pouco mais e o vento resolveu também ele intrometer-se. No entanto, mantivemo-nos fiéis ao plano.
A ideia era abrir uma variante ao ultimo lance da novíssima “Helena”, também na face sul do Cântaro, claro, a face do sol.
Desta acedemos através da curiosa escada de granito da “via Normal”, que permite também alcançar a base dos dois últimos largos da “Helena”.
O nosso primeiro lance corresponde ao sétimo da via que, uma vez mais, não defraudou. Trata-se de um 6b de antologia naturalmente desprovido de musgo, que precede um “off-width” técnico final.
O sétimo largo da Helena. O primeiro do nosso dia.
A intenção era abrir uma prometedora fissura de entalamentos de mãos que corta em diagonal para a esquerda. A nova variante revelou-se um osso duro de roer que escalámos no mais puro estilo livre, já se sabe... livre de preconceitos! Entre alguns passos de A0 lá se foram conquistando os metros que nos separavam do topo e o resultado final foi a abertura da “Fissura do vento”, que constitui uma variante de saída da “Helena”, mais dura que a original.
Um osso duro de roer.
O osso quase roído.
Deixámos a serra com a saborosa sensação de espirito enriquecido.
“Serão estes os ultimos dias do ano de escalada em rocha na Serra da Estrela?”
Croquis da via Érika aqui.
Croquis da via Helena aqui. E aqui.
A propósito, o Francisco Ataíde e o Miquel "Bau-bau", realizaram a Helena integralmente em livre. A sua proposta de graus são como se segue: 6c, V+, IV+, 6a+, 6c+, III, 6c+ (dois ultimos lances realizados num só).
Paulo Roxo
4 Comments:
Esse 5º largo da Érica tb o fiz há uns dias e tb achei estranho de progressão e de proteção! A variante da Helena, rapelei sobre ela e estava mesmo a pedí-las!
Curiosamente, talvez por ser novo nisto, gosto muito de ouvir o tilintar de outras cordadas!
Desde que não se chegue aos extremos desagradáveis de não ter vias livres, esperar pela via que se quer, ser ultrapassado, etc, etc.
Penso que na nossa estrelinha encontramos um bom equilíbrio!
Boas trepas
Nelson
Mais um grande relato. Deve ser um lavar de alma escalar ao sol, com ceu azul, aderência e o imponente som do silêncio ou da natureza.
Ricardo
..a linha da Helena parece ser uma boa linha....ja agora so por curiosidade .....porque o nome Helena?....tive o prazer de ter feito a Erika á uns bons tempos atras, com o luis e o larau..ehhhh...e adorei:)...
bjs...Helenita
O nome "Helena" está baseado na letra de uma canção do genial grupo Galandun Galundaina, que cantam em Mirandês.
E também segue a linha dos nomes femininos com que batizámos as outras vias que abrimos na face sul: "Érica" e "Lucrécia".
Bjs
Paulo Roxo
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