sexta-feira, outubro 08, 2010

MAIS UM TERROR NA BAÍA



De uma forma simplista, poderia dizer apenas que abrimos uma bonita via aproveitando os poucos raios de sol que os últimos dias nos ofereceram.

Mas a via merece mais, merece ter história porque deu-nos (mais) uma história para contar.

No Sábado passado, com a alma aquecida por um sol radioso, saímos em direcção ao Cabo da Roca. O nosso destino?

A Baía do Terror.

A dita baía!


Chegamos uma pouco tarde para quem tinha intenções de abrir uma nova linha (algures perto do meio-dia), mas nem por isso o dia foi pouco desfrutado. A visão sobre a Baía do Terror e arribas do Cabo da Roca era impressionante. O mar estava revolto, bravíssimo! As ondas cresciam para roubar à costa mais um bocadinho de pedra, embatiam violentamente naquela rocha avermelhada e os salpicos elevavam-se dezenas de metros, brindando-nos com um espectáculo que prendeu a nossa atenção.

O mar...


Quase metade da parede brilhava, deixando supor rocha húmida, imprópria para consumo, o que veio aliviar o sentimento de culpa de quem chega tarde de mais para concretizar um objectivo. Ainda assim, sentíamos no corpo aquela energia que só no Cabo da Roca se sente.

De onde estávamos, aproveitámos para traçar a futura via com um olhar atento, desenhamos objectivos futuros e prometemos voltar no dia em que o sol voltasse a brilhar. Esse dia foi terça-feira, o feriado do 5 de Outubro. O único dia de sol da semana!

Desta não deixamos escapar a oportunidade e pelas onze estávamos felizes, já dedicados aos primeiros passos verticais.

O primeiro lance húmido.

Ainda no primeiro largo.


O primeiro largo estava húmido, ainda assim deixava-se fazer. Percorremos uma diagonal para a esquerda, com um ou outro passo desequilibrante, terminando num passito de força antes da primeira reunião. Até ali, nada mau! Aparte da humidade, a rocha mostrou-se de qualidade.

Lance fácil mas aéreo.

Idem.

A chegar à reunião.


Desde ali, já com o mar a rugir por debaixo dos nossos pés, seguiu-se uma bonita fissura que nos encaminhou para o primeiro troço menos saudável da via, um zig-zag de rocha de qualidade...inferior e mais arenizada. Mas nem por isso se pode considerar um troço nervoso. A cada passo, surgia a necessidade imperiosa de limpar os pés, até que o gesto se tornou um procedimento normal. Já perto da reunião, fomos saudados novamente por uma boa porção de pedra dura, daquela que provoca sorrisos alegres.

Diedro estético no inicio do segundo lance.

A sair de vista.

Abismo...

A chegar à segunda reunião.


Até ali, a coisa correu-nos de feição. Tudo estava na mais perfeita harmonia, sentia-se aquela energia que só se sente no Cabo da Roca, a via decorria por uma linha bonita, o sol proporcionava a temperatura ideal para escalar e o mar oferecia um delicioso espectáculo. Estávamos a um largo do topo da falésia.

Atlântico profundo.


Desde esta segunda reunião, os nossos olhares tentavam descobrir qual a melhor passagem para atingir o magote de chorões que nos esperava lá em cima.

Uma reunião sobre o Atlântico.


Minutos depois, assegurava o Paulo, que se deslocava suavemente numa pequena crista que não era mais do que um lego de blocos pouco sólidos. Espreitadela à esquerda...hesitação...e lá vai ele pela direita, elegantemente, quase levitando, sem importunar aquele caos e fazendo parecer que aquela passagem não seria mais que um terceiro grau. De facto, não era! Mas aquele terceiro grau comeu-me os neurónios muito mais do que poderia imaginar! Tentei também levitar (afinal não era a primeira vez que escalava em rocha de qualidade duvidosa), mas o meu peso fazia tremer toda aquela estrutura cujo equilíbrio a natureza se encarregava de manter. Aquele terceiro grau transformou-se em algo sem grau. O que os meus pés tocavam mexia, o que as minhas mãos alcançavam, não se podia agarrar. À minha direita desenrolava-se o resto do largo em rocha substancialmente melhor...mas dificilmente alcançável! Dificilmente alcançável estava também a protecção que eu já tinha decidido agarrar! Repousava aquele friend numa fissura escondida atrás de um enorme bloco que eu já sabia que não podia agarrar...a coisa estava a tornar-se ridiculamente difícil! “É só um maldito passo” pensava eu. Quando finalmente encontrei uma presa que me parecia sólida, esta desfaz-se em três peças e abandonou a minha mão direita. A parede já troçava de mim! Foquei. Foquei-me muito no friend e com os pés em...algo, lá lhe consegui deitar a mão sem tocar no grande bloco instável que estava entre mim e o dito aparelho. Finalmente passei aquele troço, mas os neurónios tiveram alguma dificuldade em recompor-se. Quando acreditava que nada mais se entrepunha entre mim e os chorões, um último passito delicado fez-me voltar a escalar livre...de preconceitos!

Depois de ultrapassar o lego.

No passo mais duro da via, a saída.

Perto dos "neurónios carcomidos".


Não faz mal! Lá em cima, os sorrisos alegres tornaram-se mais largos. Para trás, ficou um dia memorável, que já há algum tempo sentíamos que nos fazia falta, um dia em que surge mais uma via na Baía do Terror.

Missão cumprida!


Invariavelmente surgiu a pergunta “E nome?”

Após alguma ponderação, em homenagem ao segundo largo lá nos decidimos “Limpóspés”.


Daniela Teixeira