quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Pinheirinhos selvagens

PINHEIRINHOS SELVAGENS


A chuva no nosso caminho.


“Caramba! A chuva é toda para mim!” – gritei à terceira molha, já no ultimo largo.
Sabíamos que o dia não ia estar solarengo, mas a fome daquele calcário era tanta, que decidimos ainda assim tentar escalar na baía dos Pinheirinhos.
Passou-se mais de ano e meio sem uma única visita, resultado da recuperação do acidente do Paulo. Este local de beleza indescritível, indiscutível, que carinhosamente chamamos do “nosso quintal”, não nos via desde... nem me recordo de quando! Foi como se estivéssemos estado ali ontem mesmo, a mesma grandeza, a mesma água límpida azul-turquesa, onde os cardumes de peixes se avistam desde uma altura de noventa metros. Noventa metros acima do mar, enquanto preparávamos o rapel para a base do “Esporão do pé descalço”, víamos os cardumes de peixes lá em baixo, umas quantas medusas que dançavam ao sabor da corrente, as gaivotas e os corvos marinhos, a fauna residente da baía à qual naquele Domingo nos juntámos. Sentíamos que fazíamos parte de tudo aquilo, creio mesmo que aquele pedaço de terra sentiu a nossa falta, por isso acolheu-nos num dia que... dificilmente se imaginaria que seria um bom dia para escalar uma nova via.
Arriscámos rapelar até á base da parede e, recuperadas as cordas, caíram os primeiros pingos.
“Podia ter começado a chover à meia hora! Escusávamos de descer!”. O comentário do Paulo era mais do que justificado. Já não havia escape. Entre nós e as mochilas havia uma centena de metros para escalar, ou seja, a perspectiva de o fazer com rocha molhada não era algo que nos agradasse, mas... naquele momento não tínhamos outra opção senão conformarmo-nos com a situação e desfrutar o que de bom ou mau os Pinheirinhos tinham reservado para nós naquele dia.
A chuva parou e a rocha que ainda não estava encharcada secou. Secou o suficiente para o Paulo escalar o primeiro largo de travessia tranquilo. Aquele primeiro largo foi uma espécie de aproximação à via. Olhando para o Cabo Espichel viam-se nuvens grossas e chuva, muita chuva que ainda não tinha chegado até nós.


Lá ao fundo, vêm mais nuvens e... chuva! Entretanto ainda nos maravilhamos com a parede principal dos Pinheirinhos.


“Podes viiiiiir!”. Conheço bem este grito e quando o escutei já tinha os pés de gato calçados, pronta para me fazer à rocha. De repente, o branco do calcário sarapinta-se, sarapinta-se de gotas grossas, o calcário e o meu impermeável que por sorte - ou não - já ia vestido. A primeira molha já ninguém me tirava.
Chego à reunião, confortável por debaixo de um pequeno tecto. Nessa altura a chuva já tinha parado e o calcário secava com rapidez, afagado por um sol forte que dava ao dia um sabor de contrastes. As nuvens, essas seguiam espessas no horizonte escondendo por vezes a luz do astro rei.
Com rapidez o Paulo inicia o segundo largo, este já com menos sabor a travessia. Eu, na reunião avaliava a direcção do vento...das nuvens...


A escalar o primeiro lance... à chuva!


“Reuniãããããooooo! Podes viiiiiir!”. Segundo largo. Inicio novamente de impermeável bem fechado. “Já pinga... já chove!”. Gotas gordas teimam em estragar-me o gozo da escalada. Mãos enlameadas, pés a patinar, tento progredir com rapidez e para isso o preconceito deixa de existir. Um friend significa apenas dois metros conquistados com mais rapidez. Chego à segunda reunião algo encharcada. A chuva pára. Curiosamente parece respeitar o primeiro de cordada... é justo! Quem vai à frente safa-se com rocha seca, as forças da natureza conspiram a favor do Paulo e lá vai ele apressado no terceiro largo, a meu ver, o mais bonito da via. Vejo-o ultrapassar uma sequencia de fissuras ligeiramente extra-prumadas de presa boa. Venho depois a confirmar a excelência da rocha, que até ao momento se revelou de muito melhor qualidade do que esperávamos.
Desta tenho sorte, desfruto de um belíssimo largo, rocha boa, fissuras atléticas de presa grande, um largo de deixar qualquer um sorridente. Chamam os espanhóis a este tipo de escalada “desfrutona”, confirma-se! E pela primeira vez no dia, escalo um largo seco. “YEAHHHH!” Desta safei-me, chego à terceira reunião sem chuva. O Paulo segue outra vez... tudo seco, sorte. Eu aproveito para apreciar aquela paisagem da qual tive tantas saudades.


Uma breve trégua de céu azul, permite desfrutar do largo mais bonito da via.


O dia vai agora longo e falta apenas um largo para atingir o topo da falésia. Três a quatro metros acima e... ”AHHHHHH!!!”. Conheço bem aquele grito de pânico, é uma verbalização de medo que me deixa de imediato tensa, na verdade, assustada. No segundo que durou o drama, olho para cima à espera da queda do escalador e vejo sair um falcão, disparado em voo rasante à cabeça do Paulo. O susto cedeu o lugar a um enorme sorriso e a umas quantas gargalhadas.
- Está aqui um ninho!
- E tem ovos?
- Não, não tem nada.
- O bicho deve ter apanhado um susto ainda maior que o teu!


O Sol deixa-se cair no horizonte. Ambiente "National Geographic!"


Já comentávamos que o dia parecia saído de um qualquer programa de “National Geographic”. Uns minutos depois, é a minha vez de gritar:
- Golfiiiinhoooooos!!! Golfiiiiiiiinhos! Paaaauuuuulo, olha para a base do esporããããooo! Montes de golfiiiinhos!
- Espectáááááculo!!!! São buéééés!
Nada como um bando de golfinhos a saltitar, rebolar, cambalhotar na água para tornar dois seres humanos ainda mais felizes. Naquele regresso aos Pinheirinhos, a falésia recebeu-nos como se fossemos da casa. Aproveito para continuar a apreciar aquela paisagem da qual tive tantas saudades. Algumas gaivotas, certamente agradecidas pela abundância de peixe naquele dia, alimentam-se, mergulham com elegância para aparecerem segundos mais tarde à superfície. Delicio-me com o sabor da natureza selvagem do lugar, mas o azul do céu volta a desaparecer e percebo que vou levar a terceira molha... a terceira bátega de água. O Paulo, escala todo o largo com rocha seca.
Após o novo grito de reunião apresso-me. A escalada não é difícil, ainda assim as mãos e pés-de-gato molhados tornam o largo menos prazenteiro.
Algures pelas cinco da tarde estávamos os dois no topo da “PINHEIRINHOS SELVAGENS”, húmidos e felizes com a forma com que os Pinheirinhos nos acolheram neste regresso.
Mas o dia ainda não estava terminado! Sim, faltava ainda o regresso ao carro, ao cair da noite, e claro, com uma grande bátega de água para concluir em beleza! Desta, levámos os 2!
Daniela – 4 molhas!
Paulo – 1 molha!

Nota final: Entretanto retornámos ao sector para inaugurar uma nova via. Escalámos a “DESENGANA-TE” durante um belo dia de aventura em que sentimos a falta dos Golfinhos e… da chuva!

Daniela Teixeira



 A escalar o terceiro lance da "Desengana-te". Desta, a chuva não nos atormentou.


 A chegar ao final de mais uma nova via na "mais bela" grande falésia da Arrábida.


 Foto-cume!


Claro, os topos:





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