Não, não fomos propriamente à procura de gelo. Saímos de Lisboa para desfrutar o espírito da cordada que há já 3 fins-de-semana não existia.
Porquê a Serra? Porque as temperaturas faziam supor... mais uma vez, o final do Inverno.
Mesmo desconfiando que aquela substancia sólida e translúcida não estaria presente nas 48 horas que se seguiam, afiamos os piolets e crampons com precisão.
Quando a sexta apagava a luz do sol com as nuvens de fim de tarde, fizemo-nos ao caminho, gastando litros de gasóleo pago a 1,309euros/l (porque foi daquelas marcas que dizem fazer mal ao motor) e cruzando o alcatrão de 5,65 euros da A1 e o ainda grátis da A23... grátis só até dia 15 de Abril!!!
No jantar de sexta, mantínhamos a curiosidade do que nos esperaria no fim-de-semana.
Get Ready... para a molha!
Sábado amanheceu chuvoso. A serra mostrava-se com aquela capa cinzenta pouco convidativa e os sinais de estrada aberta no maciço central, desta não auguravam um futuro promissor, ou seja, um futuro seco.
De facto, a estrada estava aberta porque a precipitação era mesmo em forma de chuva, daquela chuva miudinha que todos os alpinistas detestam... sim, até nós! Mas a consideração dos euros não reembolsáveis dos gastos de sexta-feira, fez-nos sair do carro apenas para constatar o que já esperávamos: gelo? Uma piada!
Gelo?! Não... quanto à neve... molhada!
Mas estávamos ali e tínhamos de justificar os gastos e os múltiplos bicos de ferro que tínhamos afiado. Mais, tínhamos vontade de fazer... algo. Mais, ainda não tínhamos escalado um via mista este ano. Mais, no meio da névoa e da chuva miudinha vislumbramos uma linha com aspecto de se deixar escalar. Mais ainda, escalamos a via, uma verdadeira mista, mista de rocha e de neve húmida, absolutamente miserável! O que seria uma linha de fácil progressão caso a neve se encontrasse consolidada, passou a ser uma via menos fácil, com um “M” proporcionado pela neve que por vezes fazia supor que não aguentava o peso...de um caracol!
A primeira rampa da "Estado Liquido".
A saída delicada da primeira reunião da "Estado Liquido".
O segundo lance da "Estado Liquido".
Percorremos os 3 largos da via, em que a saída resolveu elevar o nível para um “M5” mais duro - o crux, uma saída por um diedro despido de neve, ultra molhadinho mas, com uns gancheios de "piolet entalado" perfeitos.
Um "arbusto-tracção" perfeito.
Parece fácil... e deve ser fácil... com a neve dura!
Um pouco depois estávamos metidos numa outra linha, em que o segundo largo se revelou duro o suficiente para nos obrigar a abandonar, pois o dia já caminhava para a noite.
O resultado?
Uma via apelidada de “Estado Liquido”.
Pura diversão, material encharcado, mãos encarquilhadas (para este tempo, ainda não inventaram as luvas perfeitas!), corpo destemperado. Nada que um banho quente e um jantar bem regado não cure.
No Domingo voltamos a percorrer o alcatrão que leva ao maciço central. Desta nevava um pouco, mesmo pouco, mas o suficiente para limitarem a passagem apenas a quem tinha correntes de neve... nós tínhamos!
O dia não estando agradável estava menos desagradável que o dia anterior, pelo menos a humidade tinha descido dos 200 para os 150%!
Espreitamos o corredor da “Cascata das Couves”, as couves estavam murchas. Descemos um pouco mais e identificamos um diedrito à esquerda da “Dama Oculta”. Um Diedrito que o Paulo superficialmente apelidou de “fácil”. “Fácil” sim, com neve confiável!
Em falta de gelo... espeta-se na neve!
Na saída do primeiro lance da "Cavalheiro escondido".
Piolos bem cravados entre neve/rocha/arbustos e o sorriso.
Desta abrimos 2 largos, um de fácil M5+, o segundo, um fácil M5! A “Dama Oculta” está hoje na companhia do “Cavalheiro Escondido”.
O segundo e fantástico lance da "Cavalheiro escondido".
Ainda no segundo lance.
Já tínhamos saudades daqueles gancheios nas bonitas lastras de granito serrano, das marteladas nas pedras, de sentir...”o cu tremido” pela instabilidade da neve, de escalar com água a escorrer sobre as luvas, as cordas, o material... como é boa a escalada mista!
Daniela Teixeira
Nota técnica: O grau de dificuldade para ambas vias pode alterar significativamente em função da qualidade da neve.
Com neve dura, as dificuldades podem ser muito inferiores ás que encontrámos.
No fundo, estas são regras mais ou menos comuns a quase todas as vias mistas da Serra da Estrela.
É muito conveniente proteger de forma eficiente a via "Estado liquido", uma vez que as rampas de neve convergem para o precipício de rocha, situado na margem direita da via.
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