quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Olvidanço e elegância
Faz já algum tempo, que as teclas do computador me parecem tão distantes, como a abertura de novas vias.
Confesso que sentia já uma certa saudade, em enfiar-me numa linha de rocha por escalar, mas os chuviscos do último período de 2006, misturados com as tradicionais comezainas de Natal e fim-de-ano e talvez com a conjugação das estrelas, foram factores determinantes para uma longa paragem na escalada dita rochosa.
Ainda assim, sabia que os estímulos eléctricos que pululam por entre os neurónios do Paulo Rocho…perdão…Roxo, transportavam à muito a ideia da abertura de uma nova via na falésia dos Pinheirinhos.
“Cucu! Cucu!”, num Sábado de 2007, resolvemos madrugar “à séria”. Assim, pelas 7:30 da manhã…perdão, da madrugada, o modernasso Cuco electrónico afugentou-nos o sono levando-nos a abandonar o quentinho dos lençóis.
Pelas 8:30, íamos já a caminho dos Pinheirinhos. Claro que foi obrigatória a paragem para o já tradicional cafézinho em Santana, onde nos encontramos com o Paulo Alves. Também ele sentia saudades de se agarrar às pedras (é que esta coisa da “escalagem” é um vicio que muito dificilmente nos larga!).
Após deixarmos as 4 rodas que nos facilitaram a aproximação (que isto de ir a pé do Seixal até aos Pinheirinhos já não é para a minha idade), demos inicio à looooongaaaa caminhada que nos levou à falésia.
Isto do “looooongaaaa” não é brincadeira nenhuma! Como achamos que o carro já tinha feito muito por nós, nada como enfiarmo-nos no caminho errado só para aumentar um pouco a dificuldade da coisa! Será que o fenómeno do esquecimento do caminho certo é provocado pelo avançar da idade? Ou será puro destrambelhanço?
Seja como for, o engano custou-nos uma bela meia hora, mais meia árdua hora a lutar contra o excesso de oxigénio que teimava em aumentar, com o decréscimo de cotas imposto pela aproximação à falésia.
Pelas tantas da manhã, preparamos o material, a já conhecida panóplia de frienduscos, entalecos, uns pitonzitos e a fantástica “furadeira mecânica”, para equipar as reuniões e enfiar uns pernicos extra, caso houvesse necessidade. A acompanha-la, um cordino para a subir quando fosse indispensável! Com todos aqueles quilos de peso repartidos entre os 3, dirigimo-nos ao rappel da via “Elite do Medo” por onde descemos até à base da linha que pretendíamos estrear.
O Paulo Roxo foi primeiro, limpando a nova linha aqui e ali, tendo em mente que eu e o Paulo Alves escalaríamos de segundo muito juntinhos, um atrás do outro. Aproveitou o “rappelanço” para equipar as reuniões.
Já a sentir o cheiro do mar, os dois penduras (quero com isto dizer, eu e o Paulo Alves) passaram os quilos de material ao Roxo. Quase equipado, pede-me o cordino necessário para içar a “furadeira”…”Ops!”, exclamo “Esqueci-me, ficou lá em cima!”. Ao perceber o sorriso do Paulo Alves, suspirei de alivio “trouxeste-o tu”, mas estava redondamente enganada!...mais um “olvidanço”…será da idade, ou da falta de prática nos últimos tempos?
Ainda antes de começar a escalar, como já se fazia hora de almoço, resolvemos pic-nicar e mais uma vez constatamos que algo tinha ficado para trás! As duas únicas maçanzitas que eu e o Roxo devíamos ter trazido para alimentar este intenso dia de escalada, ficaram também a cotas mais elevadas, como quem diz, no cucuruto da falésia! Valeu-nos o Paulo Alves, que na sua pequenina mochila de 40 litros vem sempre precavido com 2 quilos de comida.
Não sendo por isso que a via não se faz, pelas 12:20 (ainda bem que madrugamos!), lá se deu inicio a mais uma bela escalada numa das mais belas paredes ibéricas banhadas pelo Atlântico.
A via teve direito a que 6 mãozitas (e 6 pézitos) se arrastassem por ali durante 4 preciosos largos.
O 1º, inicia-se numa placa fácil ao que se segue um passito mais duro e extraprumado protegido por um piton. Desde aí, a coisa é facilita até à primeira reunião.
O 2º largo, entra por um pequeno e delicado diedro (devidamente protegido com uma plaquete), que termina numa bonita fissura. Esta, vai até uma cova de onde se sai pela parede de buracos da esquerda.
O 3º largo, segue um diedro evidente, cujo final termina numa pequena travessia à direita, até encontrar a via “Elite do medo”.
Finalmente, o 4º largo começa imediatamente à esquerda da reunião da “Elite do medo”, ultrapassa umas pequenas placas e entra em terreno muito fácil até encontrar um pequeno e relativamente fácil diedro, mas com alguns blocos suspeitos à saída.
No geral, a rocha está num “estado de conservação” bastante bom.
Por entre aquelas pedras deixamos algumas cordeletas em pontes de rocha, escassos pernitos, 2 pitonecos…e pronto!
Se por acaso passarem por lá, por favor não se assustem com o aspecto de algumas das cordeletas fixas…somos a favor da reciclagem na escalada e consideramos que a descoloração não é sinónimo de decomposição.
Não se “olvidem” de levar um completo conjunto de amigos e alguns entaladores.
Boas escaladas
Daniela Teixeira
PS: Como este texto já ganhou algum mofo, a primeira repetição já foi feita no dia 17 de Fevereiro, pelo Paulo Roxo, Miguel Grillo e “moi même”.

Ficha Técnica

A primeira via na falésia dos Pinheirinhos, foi aberta em 2003 por Carlos Pereira e José Carlos. A “Elite do medo” trata-se de uma via “desportiva” equipada desde o cimo e para a qual serão necessárias umas 10 cintas Express e corda simples de 60 m. No entanto, o seu segundo lance é relativamente exposto (V+, 20 m, 3 protecções fixas!) e por esse facto, é bastante aconselhável que os pretendentes a esta via tenham o 6c+ (3º largo) bem assimilado e confirmado.
Em 2005, o Miguel Grillo e eu, escalamos em 2 dias e meio a “Viagem sem Rumo”. Esta via surgiu como mote para a abertura das restantes linhas que, de forma mais ou menos encadeada, foram aparecendo.
Hoje existem na falésia dos Pinheirinhos 22 vias, das quais 5 estão totalmente equipadas e as restantes semi-equipadas.
Este artigo pretende divulgar as 5 vias existentes no flanco direito da parede. Exceptuando a “Elite do Medo”, estas foram as últimas linhas abertas nesta bela falésia.
O acesso mais prático consiste em “rappelar” a própria “Elite do medo” (corda simples de 60m suficiente) e da sua base aceder a qualquer das vias apresentadas.
Todas as vias têm mais ou menos 100 m.
Da esquerda para a direita encontramos em primeiro lugar a “Amargo inicio, doce final”. Esta talvez seja a mais exigente. Foi pré-equipada desde cima e o seu “crux” encontra-se no curto segundo lance. Passos intensos e “bloqueiros”.
De seguida temos a “Olvidanço e elegância”, aberta na companhia da Daniela e de um “clássico” da escalada portuguesa, o Paulo Alves. Esta via é muita bonita, mais fácil que a anterior e possui todas as reuniões equipadas. No final do terceiro largo, toca a “Elite do medo”, para logo sair pela esquerda, em comum com a “Amargo inicio, doce final”.
À direita da referida “Elite do medo”, ergue-se um evidente diedro, que constitui o primeiro largo da “Caracol saltitante”. Esta foi também uma via equipada e limpa de alguns blocos desde cima, antes da sua abertura oficial. O último lance exige alguma precaução devido ao estado da rocha.
Finalmente, após uma curta travessia, deparamos com um diedro oculto e vertical, trata-se da “Pipocas indigestas”, aberta em solitário num quente dia de Janeiro (!). É uma bela via com 3 longos lances.

Paulo Roxo







terça-feira, fevereiro 06, 2007

Gelo! Gelo! Gelo!
Serra da Estrela

Palavras para quê? São imagem de mais uma esplendorosa manhã da nossa querida Serra da Estrela.





Covão do Ferro

Apesar do último nevão, as condições de gelo uma vez mais este Inverno não eram as melhores: escasso e de medíocre qualidade.

De facto, apenas a “Cascata Encaixada” do Covão do Ferro e o “Loriga Ice Paradise” no Vale de Loriga, lá está, salvaram a honra do convento e saciaram as afiladas laminas dos piolets e crampons de morderem este efémero elemento gelado.

E desta, ambas as zonas nos surpreenderam. Uma das mais fascinantes características da escalada em gelo, é precisamente esse factor surpresa. Cada Inverno é diferente, cada dia é distinto, cada cascata é desigual a si própria no Inverno ou mesmo no dia anterior. Um mundo efémero em constante mutação. Um mundo frio, gelado, inóspito…mas de um carácter entusiasmante. Cada golpe de piolet é a chave de um enigma, cada patada de crampons é um passo a desvendar.

Em Dezembro de 2001, apesar de não haver um floco de neve a cair do céu, uma vaga de frio assolou o continente. A maioria dos cursos de água da Serra gelaram, e ao não haver neve, sobressaíram perante os olhares mais atentos. Uma esbelta linha gelada marcava a sua presença neste Covão. E porquê nunca havíamos nela reparado? Talvez devido a alguma desatenção, mas principalmente porque em anos de neve considerável ela simplesmente sobrevive soterrada sob o manto branco. Neste já longínquo ano, 12 meses depois do anunciado fim do mundo, na companhia do Nuno Soares “Larau” e do Hélder Massano, abríamos os dois primeiros lances desta cascata e por algumas horas navegamos ao ritmo daquele encaixado mundo. Apesar da tentativa, o 3º lance encontrava-se impraticável, e amargurados tivemos de “fugir” por uma escapatória de ressaltos rochosos, a qual hoje talvez em jeito de inconsciente auto-penitencia, comummente apelidamos de «Escapatória dos Cobardes».

Não sei se quererá dizer algo mais (do que simples azar), ou terá algum mais obscuro significado (cobarde!), mas a verdade é que Inverno após Inverno, nunca encontrei o ultimo largo em condições favoráveis. Inexplicavelmente, no único dia de um fim-de-semana do Inverno de 2005 em que por motivos que não recordo não pude peregrinar uma vez mais à Serra, o Paulo Roxo, a Daniela Teixeira e o Paulo Alves têm a ousadia de encontrar a totalidade desta cascata nas mais e melhores invejáveis condições. Grrrrrrrrr… pouca sorte a minha!

Às 5 da manhã do dia seguinte, apesar de um aumento brusco da temperatura, encontrava-me de novo na base desta Cascata desta vez na companhia do Bruno Gaspar. E para quê? Porque sim…porque é fixe conduzir duas horas que nem um maluco, dormir pouco e mal, despertar de madruga, ver que está uma temperatura de merda, caminhar até à sua base e ao 1º golpe…zás…derrubar quase meia cascata. Muita fixe! Que bela deve ter sido a escalada dos outros três ontem! Grrrrrrrrrr…nenhuma sorte a minha!

Mas…mas no sábado passado tudo se alterou. A temperatura estava alta, o gelo “chorreava” água em abundância, mas nós lá fomos! Um largo (cascata inicial), dois largos (neve e ressalto de gelo), três largos (cascata final encaixada na chaminé), zás! F###-se desta foi de vez!















Loriga Ice Paradise

Assim é conhecido entre nós este verdadeiro paraíso de escalada em gelo Lusitano. Um muro que em anos bons, forma meia dúzia de espectaculares cascatas situado no Vale de Loriga. Este ano não estava famoso, mas mesmo assim deu para aproveitar. Apenas 3 das linhas existentes estavam formadas…embora não tão formadas como em anos mais favoráveis. A via “Cigarrosa Alpine Guides” apesar do início estar seco e no restante recorrido o gelo estar fino e precário, foi possível desfrutar passando algum medo “à frente”. À sua direita apenas estavam formadas a “Gran Polla” e a Coluna Suspensa. Tinham abundante gelo, e tudo indicava que pareciam estar escaláveis, mas devido às elevadas temperaturas de Domingo e após uma inspecção, achámos que talvez fosse melhor ninguém sequer tentar escalar aquilo “a frente”. Andámos os quatro (para além do Paulo e eu, juntaram-se o Bruno Gaspar e o Jorge Silva) para cima e para baixo, sempre em “top rope” em ambas as cascatas. Algo que nos havia despertado alguma atenção (e temor) era que no final da coluna da “Gran Polla” havia uma curiosa (ou não!) fractura horizontal em toda a largura com cerca de 1 cm. Mas mais curioso ainda, é que no final do dia quando fui desmontar o “top” e desci em rappel, pude constatar (apavorado!!!) de que a tal fractura horizontal já tinha 3 dedos de distância. Hummm…curioso!, pensei.

Abandonamos a zona, pois estava na hora da caminhada sempre a subir até à estrada. Mas mais curioso ainda, é que caminhávamos à 15 minutos quando resolvemos parar momentaneamente e olhar para uns extraprumos de rocha sobranceiros ao muro das cascatas, comentando sobre o seu potencial para abrir umas vias no Verão, quando para pasmo de todos, diante dos nossos olhares vemos a totalidade da coluna gelada da “Gran Polla” (cerca de 20 metros de coluna) cair de uma só vez entoando um misericordioso estrondo. Não queríamos acreditar. Aquela enorme coluna de gelo, na qual passamos todo o dia a escalar e a fazer macacadas, espetando, batendo, saltando, subindo…toda aquela massa de gelo caía assim de um golpe só, perante nós, poucos minutos depois de abandonarmos o local.

Enfim…são as montanhas vivas!

(Apenas lamentamos é que aquela coluna de gelo não tenha caído sobre a cabeça de alguns grandessíssimos F##### da P### que cada vez mais estão a acabar com a carismática Estrelinha)















MiguelGrillo

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

GELO!!!

A semana havia sido bastante fria e as previsões apontavam para um fim-de-semana ainda mais frio. Tinha de ser desta! Na semana do Natal, o Paulo, o Bruno e o Hélder já tinham andado a picar algum gelo, embora as principais linhas (entenda-se cascatas) da “Estrelinha” ainda não dessem ar da sua graça. Sabíamos que havia muito pouca neve, mas desta tínhamos esperança que alguma das linhas do Corredor Largo, Covão do Ferro ou Vale de Loriga estivessem minimamente escaláveis.

Depois de uma rápida examinação, podemos comprovar que quase tudo estava em formação, mas pouco estava realmente consolidado para escalar á frente. Mas alguma já dava! E aquela que melhor pinta apresentava era mesmo a “Cascata Encaixada” no Covão do Ferro.

E assim foi, em duas cordadas apontámos a mira a esta esbelta e efémera linha de branco-azulado gelo. Com suficiente espessura e dimensão o 1º lance, embora “chorreando” algo de água estava em muito boas condições. Um verdadeiro deleite para este início tardio de época. Devido à pouca neve, o 2º lance consistia apenas na transição de um ressalte central de poucos metros para acedemos à sempre impressionante última cascata. Um muro gelado encaixado numa profunda e larga chaminé com enorme “couves-flor” a barrar o caminho. Mas, infelizmente este largo não estava nas melhores condições, nem no Sábado nem no Domingo (sim, voltámos lá no dia seguinte apesar das condições “patagónicas” em que a serra se encontrava).

De qualquer forma, neste fim-de-semana o gelo foi uma realidade. Será que irá continuar? Será que ainda lá estará? Daqui a dois dias logo se verá! Esperemos que sim…

MG

Serra da Estrela

Paulo e Daniela no final di 1º lance da "Cascata Encaixada"


Acedendo ao inicio da cascata

Paulo e Daniela no ressalto do 2º largo

1º lance da "Cascata Encaixada"



Grillo e Roxo na 1ª reunião

Daniela a tentar desfazer o nó de encordamento congelado à martelada

Paulo Roxo, Bruno Gaspar, Daniela Teixeira e Hélder Massano