sexta-feira, julho 07, 2006

Domingo no Mundo”

Depois de um Sábado perfeito, ainda a suspirarmos pela “Erika”, já pensávamos que o Domingo também prometia.
Estavam à nossa espera há algum tempo, duas linhas já escovadas, que nos criavam à alguns fins-de-semana um certo…formigueiro nos dedos!
Pelo meio da manhã, aproximamo-nos novamente do Cântaro, desta da sua face W.
Bem perto da estrada (comparando com a distância de quem vai para a NW), a arrancar do anel do Cântaro, lá estava a via, «A “via” mas já não há», uma tal assediada pelo Miguel e “moi même” à cerca de uma ano atrás, mas que pela dificuldade acrescida devido ao verdume, ficou à espera de melhores dias.
O dia chegou e desta éramos três.
Quando me acerquei dos meninos, já estava o Paulo de anquinhas preenchidas de “amigos” e umas fitas carnavalescas à bandoleiro. Enfiou-se pelo primeiro largo seguindo as instruções do Miguel “…agora vai pelo diedro à esquerda…”. Rapidamente passou o crux, que dá direito à reunião (curioso que nas 3 vias deste pequeno sector, os crux’s estão sempre antes das reuniões!).
Este primeiro largo (V+), entra numa diedro que leva a outro. Neste, é à escolha, ou se faz pelo diedro, ou se desvia para um esporãozito à direita (o que torna a coisa um pouco mais fácil). A saída para a reunião é a mesma que a da via “Triangulogia Final”
De seguida, o Miguel reviveu o segundo largo(6b), com uma pequena diferença para a tentativa do ano passado, desta foi mesmo mesmo até ao fim ( 3 vivas a crux’s escovados!). Este, arranca da reunião por uma espécie de placa com boas presas e uns metros à frente deriva um pouco para a esquerda (1 passo lateral) para voltar a subir. O crux, é um tectinho antes da placa fácil que vai dar à reunião.
Quando o Paulo e eu íamos algures a meio do largo, estava o Miguel em amena cavaqueira (como quem diz…troca de berros!) com a Isabel, que nos olhava lá de baixo…afinal não estávamos sozinhos por ali.
Após a descida, foi altura de trocar “allôs” com a malta que escalava nas desportivas do corredor dos mercadores. Pelos comentários, os V’s por ali metem medo!
Resolvemos depois dedicarmo-nos à segunda via do dia, a que nos esperava na face NW.

Daniela Teixeira (6/7/06)

A arte do sofrimento

- Piii! Piii! - grita a Daniela.
- Ahh! Não grites! – respondo.
O eco do seu grito rebota nas paredes da chaminé e entra nos meus ouvidos como agulhas afiadas.
- Estás em top. Não é necessário gritar tanto!
Logo páro para pensar na sua situação: “Não está acostumada a este tipo de escalada.”
Olho para cima e descubro duas paredes opostas, virtualmente desprovidas de presas, divididas por uma fenda enorme.
Não percebo o que fazer para me elevar.
Então penso de novo: “E quem é que está acostumado a este tipo de escalada?!”




- Piiii! – grito, sem qualquer pudor...
O Miguel assegura-nos desde o cimo, aliviado, depois de ter aberto com mestria este “Off-width” de antologia.
“Sortudo!”
Os “Off-width`s” são fendas demasiado estreitas para permitir o entalamento normal em chaminés “normais” (rabinho de um lado, pés e mãos do outro lado) e demasiado largas para permitir a razoável protecção com friends (normais!). No fundo, trata-se de um arrastamento vertical utilizando todas as partes do corpo, excepto... as mãos.
As possiveis protecções permitem largas sessões de infantilidade e pânico puro.
Os “Off-width`s” são bons locais para se reflectir sobre o sentido da escalada e da vida em geral.


Já haviam passado algumas semanas desde que escovámos esta via e agora vinhamos preparados para a inaugurar.
O Miguel trouxe os maiores friends da sua colecção. Dentro da sua mochila transportava os Camalots quatro, quatro e meio e também o numero seis (!), um verdadeiro calhamaço com as dimensões de uma antena parabólica.
Esta artilharia pesada quase tornava a escalada numa batotice mas, por outro lado, representava uma ténue esperança de reduzir os níveis de taquicardia.
Descemos até à base da via, situada no sector Inferior da face Oeste do Cântaro Magro.
Animado, encarreguei-me do primeiro lance. Um exigente 6b+ constituído por um diedro e uma travessia delicada que conduz ao interior da graaaande chaminé.
O Miguel atacou a “dita cuja” e a Daniela e eu esperámos na fresquinha reunião.
O tempo passou devagar, com o Miguel a pronunciar vários sons indecifráveis que denunciavam vários estados de espirito:
- Uf, uf!
- Gnnnnn!
- Atenção aí!!
- Uau, este passo... blá, blá, blá...
Não entendiamos o que dizia mas percebiamos que estava em jubilo.
E de novo:
- Uf, uf!
- Gnnnn!!
A Daniela olhava-me preocupada...
Eu respondia ao seu olhar dizendo algo estupido do tipo:
- Vais ver que isto é fácil! – “É só saber reptar... muito!” – pensava de seguida.
E, eis que o Miguel, radiante, atinge a reunião. E isso queria dizer que os restantes elementos teriam de começar a subir.
Para além dos “Piiii!`s”, também um monte de “Uffff!`s” e “Gnnnn`s” foi ilustrando a lenta ascensão. E, a juntar ao requintado repertório, também não faltaram as “Merda!`s” e os clássicos “Fo... -se!`s”. Mas a coisa lá terminou com um ocasional “Nunca mais meto aqui os cotos!”
Finalmente, chegámos à reunião, também contentes por haver concluído o objectivo... que consistia em chegar ao topo com um nível de escoriações aceitável.
- Bela via! – exclama o Miguel. – E o grau?
- Como é evidente, se esta via fosse repetida por um “Américas” esta chaminé não seria mais de V.
Este tipo de escalada é quase impossivel de cotar e depende muito do jeitinho do “animal”.


Após uma rápida reflexão a coisa fica-se pelo 6c (quiçá).

Já na Curva do Cântaro encontramo-nos com a malta que tinha estado a escalar no sector dos Mercadores.
O Nuno pergunta:
- E então a vossa chaminé?
- À maneira! Perfeitamente horrivel... é o que se quer!

Paulo Roxo (6/7/06)
D.D.D. (Deep, Dark and Depressing)
50 mts, 6c
(Cântaro Magro - sector inferior)
Material: conjunto bastante completo de friends, camalot nº 4 para um grande nível de medo, camalot nº 4,5 para nível médio de medo e camalot nº 5 ou 6, para um nível de medo aceitavel.






(aconselhável ver filme com som)

8 Comments:

Isabel said...

Muito bom o relato!!! :) E os meus sinceros PARABÉNS pelo vosso "reptanço"! Perfeitamente horrível...

Começo a pensar seriamente, que isto da clássica não é para mim...

Anónimo said...

do melhor. Parabens.

Afinal isto da Classica tem o que se lhe diga.... sim senhor !! :)

Anónimo said...

As vossas crónicas e fotos são sempre fantásticas e fazem-me voltar ao blog à procura de mais sessões "clássicas". Força ai.

Anónimo said...

Tou a deixar de ler jornais. Venho aqui que é mais interessante.

Miguel Grillo said...

Isabel, não te deixes enganar, olha que eu quero fazer uma via contigo (só não prometo ficar calada...Piiiiiiiiii!!!)!
Daniela

chb said...

Muito bom!!!
Clássica is back on fire!
Já vi que pelo andar da carruagem, vai haver muita malta a "finalmente" render-se à essência da modalidade!!!
Apertem!

Anónimo said...

Umas histórias sobre essa via DDD:
Há 15 anos, por aí, uns tipos LIMPARAM e subiram a via até ao cimo da chaminé; Após várias horas nesse entretenho, tentavam um pêndulo "à Bonatti" para a esquerda (em direccção da fissura vertical)quando um deles, sujeito mal disposto de nome VP, terá gritado para os de cima - Estou farto desta merda, o dia inteiro nesta reunião (a 1ª)e nem uma cerveja, vou para o Manel; Os outros anuiram e desceram, contentes porque o dia estava no fim e não viam solução para a coisa. Posteriormente, realizaram-se 2 expedições de limpeza a essa via; Numa delas, um tipo chegou à Serra 2 dias antes da namorada e aproveitou para ir limpar a via: passou umas horas pendurado numa corda, sozinho na face W do Cântaro, num dia de chegada da volta de bicicleta ao alto da Torre, tipo anedota do Mordillo. De outra vez, foi com PHA limpar o diedro de saída, é como quem diz PHA a dar segurança, que já então não gostava de se sujar.

Agora a sério:
A ideia há 15 anos era atravessar da chaminé para a esquerda (para o lado da hijos prodigos), subir a fissura vertical em artif, fazer a fenda horizontal para a direita (friend 6?)e finalmente saír pelo diedro. Achava na altura que essa via constituiria um verdadeiro exame para um escalador de rocha (e seria esse o seu nome). As razões do costume impediram-me de terminar. Mas os senhores, bem melhores na arte do que eu, acham este traçado impossível ?

(No fundo, devem-me uma boa parte da limpeza, se agora vos pareceu suja deviam ter lá estado há 15 anos).

Na expectativa da V/ resposta.

J.

Anónimo said...

Olá J.

Antes de mais gostaria de saber com quem falo pois sinceramente não gosto de sentir que estou a responder atrás de um postigo sem ver a "cara" da outra pessoa.
Para além disso não estamos a tratar de assuntos ultra-secretos e de grande melindre nacional, por isso creio que o anonimato não faz muito sentido.
No entanto, aqui fica o meu mail para o caso de desejares uma conversa mais privada: pauloroxo@hotmail.com

De facto a D.D.D. já tinha sido assediada por mim e por João Simões há mais de 15 anos mas, dessa feita abandonámos a via a meio da chaminé por falta de material adequado. Atrás de nós ficaram uma cinta à volta de um bloco entalado na chaminé e um spit antes da entrada da mesma.

Há umas semanas, em conversa com o Paulo Alves descobrimos que também ele lá havia estado mas, pouco tempo depois da minha tentativa, encontrando o tal spit. Nessa altura, também ele abandonou, deixando umas cordeletas para rapelar.

Gostaria de te perguntar se, da vossa tentativa, realizaram a escalada "à frente". Se o fizeram então a vossa deverá ser considerada a primeira ascensão desta via.

Diz qualquer coisa sobre o assunto para que possa fazer a devida correcção.

Já agora, a tua descrição da vossa tentativa revela que a tal fissura que queriam realizar em artificial e a grande fissura horizontal correspondem à linha da "Apocalipse crack" que andamos a tentar forçar em livre desde a sua realização em artifo, há uns anitos.

Um abraço

Paulo Roxo