sexta-feira, setembro 29, 2006

CHO OYU. Depois da tempestade...


O Campo Base do Cho Oyu (bem como quase todas as montanhas da zona do Everest) esteve sujeito a uma tempestade de neve fora do comum.
Um Sherpa relatou que, desde que começou a trabalhar durante todas as temporadas no Cho Oyu, já lá vão 14 anos, nunca viu cair um nevão como aqueles no Campo base.
Todos tiveram de passar várias horas dia e noite a "palear" a neve que ameaçava afundar as tendas. Claro, também a Daniela teve de gastar preciosas quantidades de energia a limpar a sua tenda de forma a evitar o pior.
Algumas expedições abandonaram o Campo base e retornaram a Katmandu, enquanto outras organizavam reuniões comunitárias de forma obter conselhos e conjugar opiniões sobre o que fazer: esperar ou retirar.
Finalmente, após vários dias de nevadas intensas o Sol voltou a surgir e, com ele a esperança.
No entanto, a montanha carregada de neve necessita de mais alguns dias para que a neve estabilize reduzindo o elevado risco de avalanche.
Entretanto, alguns Sherpas das expedições comerciais começaram a subir para abrir o trilho de acesso aos campos de altitude e desenterrar as tendas da neve acumulada.


Na foto o Campo base do Cho Oyu após a tempestade


No seu ultimo relato (ver www.campobase.pt) a Daniela dizia que iria esperar que o tempo e a montanha estabilizassem para tentar subir ao Campo 1 (6400 mts) e, se possivel ao Campo 2 (7200 mts), para de novo descer. Caso o consiga, esta será a ultima oportunidade de realizar a necessária aclimatação de forma a tentar uma subida ao cume.

P.R.

terça-feira, setembro 26, 2006

O Pilar do Golfinho

O Pilar do Golfinho

(Nota: Continuando na recuperação de textos já escritos anteriormente e aparecidos em alguma página ou forum da web, aqui fica mais um breve relato)

Por vezes, em momentos em que o pensamento se perde na labiríntica e infinita distância do olhar, há vivências que julgávamos únicas e que inesperadamente quase integramente e surpreendentemente se voltam a repetir.

Nunca fui crente em que tudo o que nos acontece na vida tivesse um motivo definido, ou uma razão de ser explicável, ou movido por algo oculto ou tampouco divino, em astros ou destinos…simplesmente acredito na casualidade dos momentos, no constante ritmo “vivo” de transformação do nosso planeta, nas voltas e giros que a vida dá, movida pelos momentos, vivências, por um olhar inquieto, sensações, motivações e intermináveis ilusões.

Uma vez, recorrendo aceleradamente as prenunciadas curvas de uma sinuosa estrada numa quente noite de Verão de regresso de mais um fabuloso dia de escalada em Monserrat, Sergi, um amigo Catalão, dizia-me que nada na vida acontece por casualidade, todos os encontros e desencontros, acontecimentos, reacções e adivinhações tem uma razão de ser, simplesmente nós não temos o conhecimento suficiente para interpretar toda a dinâmica que a Natureza nos brinda.
Relutante e pragmático nas minhas opiniões, daquele dia não fui capaz de contestar aquelas afirmações.

À alguns meses atrás, o Paulo e eu abrimos numa refundida e solitária enseada, a via “O Terror da Baía”, escalada essa que nos proporcionou inigualáveis momentos e sensações.

Hoje, recordo com uma nostálgica emoção aquele dia e não consigo deixar de comparar as semelhanças (e demasiadas coincidências) daquela aventura com a nossa última abertura, ontem Domingo, no sempre mágico e surpreendente Cabo da Roca.

Como tantas vezes havíamos decidido ir escalar para este Cabo.
Tal como naquela vez, encontrávamo-nos na pastelaria da Malveira numa chuvosa manhã de Sábado.
Tal como naquela vez, o dia manteve-se escuro e a chuva não deu tréguas.
Tal como naquela vez, as nossas ânsias de escalada desvaneceram perante o cinzento cenário.
Tal como naquela vez, as nossas mentes sentiram-se perdidas e desorientadas.
Tal como naquela vez, apenas nos restou a conformação perante os factos e a esperança no dia de amanhã.
Tal como naquela vez, deambulamos pelos recantos dos nossos pensamentos e por estradas repletas de impacientes automobilistas e de abundante água.

E tal como naquele dia, o segundo dia, nascia sereno e azul.
Tal como naquele dia, apressadamente dirigimo-nos a uma perdida e pouco visitada enseada.
Tal como naquele dia, era uma baia de ambiente austero, resguardada por contrafortes de granito, batida pelas poderosas vagas do Atlântico.
Tal como naquele dia, o nosso objectivo era um remoto e inexplorado pilar rochoso de aspecto rude e grotesco, que o Paulo havia avistado numa visita prévia.
Tal como naquele dia, o nosso desejo era inaugurar uma via naquele pilar e o nosso olhar transpirava de desejos por aventuras verticais.
Tal como naquele dia, aproximávamos por íngremes ladeiras e arribas que descem ao mar por trilhos de pedra roliça e verdejantes “chorões”.
Tal como naquele dia, abrimos uma nova via de 3 lances de corda, em 100 metros de terreno de aventura onde por vezes a rocha não era a melhor (embora seja de maior qualidade do que o inicialmente esperado) mas o ambiente era único.

O primeiro largo, decorre por uma irregular fissura ao longo de 35 metros de um estético muro. O segundo, começa com um terreno algo descomposto, para depois entrar num bonito diedro sub- prumado de fissura fina, movimentos atléticos e ambiente extraordinário. O terceiro lance, percorre uma longa placa torneada pela erosão agreste destas paragens, entrecortada por pequenos tectos e serpenteantes fissuras e rugosidades.

Neste dia, num daqueles largos, parado numa reunião ou simplesmente suspenso de um qualquer pequeno micro-friend, por vezes deparava-me estático tentando relaxar da tensão ou simplesmente admirando a conjugação do brilho do sol, do céu azul, do revolto oceano com o luminoso granito e as verdejantes encostas, desfrutando de todo aquele majestoso cenário e olhava…dava por mim olhando para trás, onde ao fundo se podia timidamente ver a refundida «Baía do Terror» e pensava como tudo estava a ser tão semelhante com aquele dia.

Tal como naquele dia, chegávamos ao cimo da falésia, com um enorme sorriso nos lábios e a felicidade estampada nos salgados rostos.
Tal como naquele dia, subíamos cansados, esfomeados mas profundamente alegres os íngremes trilhos de regresso no final de mais um dia.
Tal como naquele dia, apesar da fadiga, das duas horas e meia ao volante de regresso casa, do avançado da hora ao início desta madrugada, da vontade de querer dormir pelo temor de ter de me levantar bastante cedo, por longos minutos não conseguia adormecer. De olhos fechados, apenas conseguia visualizar os momentos de escalada vividos, os momentos de aventura e de partilha com os amigos e sentir o áspero e purpúreo granito no suor das mãos.

Mas, mas neste momento…sentado diante deste computador, apercebo-me como afinal nem tudo foi tão semelhante.
Ontem, era outro dia, outro mês, outra estação, outro ano, outro local. Ontem éramos três: para além de mim e do Paulo estava também a Daniela. Ontem, se bem que semelhantes, os momentos eram outros, as gargalhadas eram outras, os medos e temores distintos, as sensações intensas, mas eram outras. Ontem…simplesmente era outro dia, igualmente entusiasmante e fenomenal, mas era outro dia. Era diferente porque ontem, tínhamos na nossa própria interioridade mais algumas experiências acumuladas. E o ontem foi diferente do hoje que será distinto do amanhã. Penso que cada momento é um momento e cada experiência a base da seguinte. Será?

Duma única coisa hoje estou certo, por casualidade ou não, o Cabo da Roca uma vez mais proporcionou-me momentos de escalada e vivência únicos, no esplendor natural destas ocidentais e imponentes falésias.

Miguel Grillo (11/04/2005)

«O Pilar do Golfinho» (100 mts, 6b+ (6a/A1)) – Enseada de Assentiz (Cabo da Roca), por Paulo Roxo, Daniela Teixeira e Miguel Grillo em 3 de Abril de 2005


Rui Rosado e Ana Silva fazendo a 2ª repetição do «Pilar do Golfinho»
Daniela Teixeira na 1ª reunião da via «Cabo da Roca Social Club»

2º lance do «Pilar...»

2º lance do «Pilar...»





sexta-feira, setembro 22, 2006

O Gigante Cho Oyu


Já devidamente instalada no campo base (avançado) do Cho Oyu, a Daniela Teixeira descansa finalmente um pouco antes de assediar a montanha.
Apesar do grande numero de expedições que se encontram no local com os respectivos aparatos logisticos e pessoais já terem ocupado muitos dos melhores locais de acampamento, a Daniela conseguiu instalar as suas tendinhas num spot tranquilo, relativamente afastado do resto da "maralha".
Quanto à sua própria logistica de campo base, fornecida pela empresa que contratou (partilhada igualmente pelos dois alpinistas Gregos), a coisa deixa bastante a desejar.
Aparentemente, tanto o cozinheiro como o ajudante são principiantes nestas lides e a sua escolha de materiais não foi das melhores. Tendas inadequadas e cadeiras... colegiais!
Embora pareçam assuntos fúteis, estes detalhes tem uma importância muito maior do que a primeira vista sugere.
As longas permanências na montanha, em especial NESTAS montanhas, desgastam bastante fisica e psicológicamente. No final de algumas jornadas duras, a possibilidade de entrar numa especie de refugio (tenda base), de se sentar numa cadeira (relativamente) cómoda e de beber uma simples chávena de chá quente fumegante, imprime uma outra dimensão aos pequenos e "insignificantes" nadas.
Por outro lado, o mau tempo parece estar instalado na região do Cho Oyu e Everest. As equipas que se encontravam a abrir caminho já por cima do campo 2, aos 7000 metros, retiraram para os campos inferiores.
Estas eram reports do dia 20 e a Daniela tinha previsto um descanso de um a dois dias. O mau tempo poderá alterar os seus planos de subir hoje até ao campo 1 para depositar algum equipamento.



Em modos de compensação as vistas sobre a grande mole
do Cho Oyu parecem ser fabulosas.

P.R.

Mais info: www.campobase.pt

terça-feira, setembro 19, 2006

Placa dos Mercadores
Quem já subiu ou desceu o Corredor dos Mercadores (Serra da Estrela), olhando com alguma atenção os muros, paredes e blocos de ambos os lados, certamente que reparou numa grande placa do lado esquerdo (para quem desce) logo abaixo da garganta inicial que actualmente forma a desportiva escola de escalada deste corredor.

Provavelmente que alguns dos que nela reparam pensaram e/ou inspeccionaram mais de perto as suas potencialidades.

Em Fevereiro de 2000, preparando-nos para uma viagem ao vale de Yosemite, na companhia do João “Animado” Ferreira e do Carlos Araújo, abrimos uma via (Via «Deslarga-te» (150 mts, A2)) nesta face do Cântaro Magro iniciando o 1º lance precisamente numa evidente fissura no flanco esquerda da enorme placa. Como a intenção era treinar para os grandes big-walls abrimos esta via basicamente toda em escalada artificial, que começa precisamente nesta citada fissura (1º largo) e depois cruza a grande plataforma ervosa das escadas do trilho normal para o Cântaro enlaçando com mais dois largos na parte superior, recorrendo um estético diedro e cruzando um característico tecto. Nesta abertura, ao chegarmos ao final do 1º largo, deparamo-nos com uma reunião equipada que mais tarde vim a saber pessoalmente que tinha sido equipada por um escalador com intenção de também ele investigar a placa e nomeadamente esta fissura.

Mais tarde, o Paulo Gorjão e o malogrado Bruno Pinheiro fizeram uma incursão para observar de perto este compacto muro, rapelando desde o seu topo. Ao constatarem a dificuldade das suas potencialidades, escalaram em livre, em Top-rope, a fissura do 1º largo da via «Deslarga-te».

Nos dois últimos fins-de-semana com o Paulo Roxo e o Bruno Gaspar num dos dias, assediamos incisivamente a Placa dos Mercadores. Deste assédio resultaram 3 novas vias, uma duríssima entrada directa a uma delas ainda por escalar (apesar das infrutíferas tentativas) e a ascensão integramente em livre do já citado 1º lance da via «Deslarga-te».

Enfim…felizmente a nossa Estrelinha continua a brindar-nos com preciosas pérolas.

Miguel Grillo

Bruno Gaspar encadeando a via «O Super-Hiper-Mega Guide»



Paulo Roxo abrindo a via «O Inseminador Implacável»



Miguel Grillo forçando em livre o 1º largo da via «Deslarga-te»




CROQUIS:




segunda-feira, setembro 18, 2006

CHO OYU. CAMPO BASE... OU QUASE!

Após uma entrada no Tibete algo atribulada a Daniela Teixeira já se encontra a caminho do campo base do Cho Oyu.
Ainda no Nepal, a curta viagem entre Katmandu e Kodari (fronteira) transformou-se num épico com bloqueio de estradas incluido. Supostos maoístas incendiaram pneus e formaram uma barreira de várias horas na ligação entre Balepa e Kodari. Os "rebeldes" eram formados por crianças "dos seis aos doze" lideradas por um jovem armado de... um pau!
Finalmente e, felizmente sem incidentes de maior, o bloqueio foi levantado e as viaturas puderam prosseguir a sua jornada.

Já na fronteira, a Daniela viu-se confrontada com problemas de acesso por causa da data do seu visto de entrada na China (Tibete). Também esse problema foi ultrapassado com a ajuda de algum dinheiro por debaixo do passaporte.

Neste momento o plano consiste em "plantar" o campo base daqui a um ou dois dias e, após um dia de descanso, iniciar o sobe e desce de aclimatação.
Uma das dificuldades será concerteza encontrar um bom local para montar o referido campo dadas as numerosas expedições que já se encontram no local.

A ver...

P.R.

Mais info: www.campobase.pt

quinta-feira, setembro 14, 2006

(Nota: Continuando na recuperação de textos já escritos anteriormente e aparecidos em alguma página ou forum da web, aqui fica mais um breve relato)

O voo do Mandarim
Pirilú, pirilú! O despertador soava assim à hora a que nos propusemos deixar o conforto dos lençóis, mas só uma boa meia hora depois é que fomos atacados pela vontade de deixar o leito.
Começava assim uma das minhas mais...vergonhosas aventuras.
O céu mostrava-se azul, o dia parecia perfeito (atenção...só parecia!!!), e...tal como no Domingo passado, éramos três, eu, o Paulo Roxo e o Miguel Grillo.
Tal como no Domingo passado, dirigimo-nos confiantes para mais uma parede no Cabo da Roca, até então apenas assediada por pescadores (ainda agora me pergunto se lá vão pescar...ou escalar, pois o acesso...ui ui!).
A via que nos esperava, localizada num promontório entre a baía da Assentiz e o Cabo da Roca, apresentava características...pouco comuns para o que estou habituada, dois largos em travessia mesmo por cima do azul do oceano, para conquistar uma lindíssima e verticalíssima parede (e o que ansiei por essa parede!).
Chegado o momento de me equipar, uma suave escorregadela no burgau da praia (aqueles redondos calhaus, tão típicos das praias daquela redondeza) avisava-me que o dia não ia ser fácil. O meu cérebro, ainda meio adormecido balbuciava “Rocha podre até tolero e confesso que até chego a gostar um bocadinho, agora travessias...sempre fui devoto da...verticalidade na escalada!”.

Ignorando os avisos, lá me fiz à travessia após um chorrilho bem repleto de queixumes, de que queria a coisa bem protegida, ou seja (e não digam nada a ninguém!) nada mais nada menos que um corrimão onde me auto seguraria com uma express no caso de uma queda inesperada (mal adivinhava as acrescidas dificuldades que esse corrimão me iria trazer!).
Após a abertura do largo pelo Paulo (um simpático 6a), como segunda de cordada, lá me fiz à travessia. De inicio, a coisa parecia não correr mal, até que...surgiu no dito primeiro largo horizontal um pequeno nicho, uma (in)contornável reentrância na belíssima parede de granito. O tico e o teco (os meus 2 saudáveis neurónios!) deixaram subitamente de funcionar e foi nesse preciso momento, que o meu corpo se recusou a continuar aquela ingrata travessia. Gritei “vooouuuuu voooltaaar para tráááásss!”, prevendo já que o dia não me iria correr de feição, “dá muuuuuu!”. A resposta do Paulo e do Miguel foram concordantes...mas discordantes do que EU, na altura esperava ouvir “O quê? Não vais nada embora, agora vens até ao fim!“. O tico e o teco, depreendo eu ainda meio adormecidos, voltaram a atraiçoar-me. Para não me separar do dito corrimão, em vez de me agarrar ferozmente ao granito tentando contornar o nicho...agarrei-me à corda (erro crasso)! Assim sendo, o maciço rochoso só poderia ser novamente alcançado no final do dito nicho. Pendurada...que nem um cacho de uvas, com o mar trocista por baixo dos pés (e totalmente desmoralizada!), lá puxei pela corda tentando minimizar o tempo despendido (não digam a ninguém, mas pela primeira vez vi-me forçada a recorrer ao meu Tbloc!). Na segurança que se seguiu, o estribo do Miguel deu também uma preciosa ajuda (preciosa e desmoralizante!). O alivio apenas senti quando a minha auto segurança se enganchou na reunião. Mas...seguia-se ainda um outro largo em travessia. A minha confiança...qual confiança??
Verdade seja dita, o segundo largo apresentou-se bastante mais fácil (um Vº), mas para mim naquela altura, tudo me parecia difícil. Chegada à segunda reunião, apenas uma ideia me assaltava o pensar “Daniela, tu não tens jeito nenhum para isto!!”.
Terceiro largo...VERTICAL, era animador (...ou menos desanimador!). Mas o pânico tinha-se já apoderado de todas as fibras do meu corpo. Enquanto o Miguel abria este largo, ao longo de uma bela e estética fissura (6a), eu perguntava a mim mesma o que mais me iria acontecer!
Como terceira de cordada, lá iniciei o largo, um pouco incerta se o melhor seria escalar...ou tentar nadar até ao burgau da praia (sempre achei que nado melhor do que escalo!), mas a tumultuosa maré forçou-me a continuar. Com a confiança muitíssimo abalada, iniciei o terceiro largo e a coisa até começou a correr bem. O ambiente era fantástico, céu azul, mar revolto e a fissura...aquela fissura não poderia ser melhor desenhada pela natureza para escalar. A abertura certa para os meus dedos, a rugosidade ideal para a minha pele, fez-me acreditar que a minha sorte estava definitivamente a mudar. “F.....”, gritei, acrescentando de imediato uma série de palavras de igual calibre, tinha deixado cair o Alien amarelo do Miguel. Lá em baixo, o dito friend repousava numa plataforma de rocha e eu ali, a olhar para ele a cerca de 20 m de distância (como o perto pode ser tão longe!). Rapidamente gritei “Desceeee-me, está ali na rooooocha” (nessa altura convenci-me que a sorte estava do meu lado) e como resposta ouvi o Paulo “Agora já não está!”. O mar ria-se de mim, lá em baixo e de uma dentada, engoliu o precioso aparelhinho!

Que mais me irá acontecer, continuei a pensar receando assim ainda mais, o largito que faltava.
Quarto largo, lá o iniciei com um passito de artificial (que poderá eventualmente fazer-se em livre para os corpos mais musculosos) ao que se seguiu mais uma bela fissura, desta, mais dura que a anterior (6b), mas fazível! Foi reconfortante atingir o cocuruto do promontório onde nos encontrávamos.
Assim, no dia do meu mais vergonhoso momento de escalada, surgiu uma das mais belas vias do Cabo da Roca, o “Voo do Mandarim” (o “voo do friend” ainda hoje me parece o nome que seria mais adequado!!), com uma das mais bonitas e perfeitas fissuras (verdade seja dita que não me recordo de outra melhor) que até hoje me passaram pelos dedos. Perfeita, foi também a companhia do Paulo e do Miguel.
Na minha mais pessoal opinião, diria que para uma parede perfeita num ambiente perfeito, é essencial a companhia perfeita e estes dois souberam seguramente sê-lo!
Após mais de 24h sobre a via, criou-se-me a ânsia de a repetir, e seguindo o exemplo das lapas, agarrando-me da próxima SEMPRE ao granito...
“Rocha podre até tolero e confesso que até chego a gostar um bocadinho, agora travessias...sempre fui devoto da...verticalidade na escalada!”...mas pela beleza, o meu cérebro confessa-vos que aquela travessia até vale a pena fazer...

Daniela Teixeira
12/04/2005

Via «O voo do mandarim» (125 mts, 6b/A1)

Placa do Sol - Baía de Assentiz - Cabo da Roca

(Aberta por Daniela Teixeira, Paulo Roxo e Miguel Grillo em Abril de 2005)

terça-feira, setembro 12, 2006

«Corto Maltese» de novo navegando sob a «Lua Cheia»

Há poucas semanas atrás, aparecia aqui um post do Paulo Roxo sobre a sua recente e solitária abertura de uma nova via na face Nordeste do Cântaro Magro: «Corto Maltese». Eu, pessoalmente não podia deixar de ir repetir mais esta “obra-mestra” naquela que provavelmente é a mais desafiante parede da Serra da Estrela. Assim, na companhia do próprio Paulo e do Bruno Gaspar decidimos fazer a sua 1ª repetição e tentar forçar ao máximo, para nós possível, em livre. Sem duvida uma belíssima via (como todas as outras desta face) mas que apesar dos esforços, ainda resistiu a uma integra ascensão em livre.

Paralelamente connosco estavam também o Ricardo “Pisco”, o João “Animado” e o Hélder “Sainz” repetindo a clássica «Lua cheia». Esta via, aberta como não podia deixar de ser, pelo Paulo no ano de 1995 é provavelmente a mais acessível de todas as vias desta tremenda face e sem dúvida uma das mais bonitas de se escalar.

Neste ameno sábado, o eterno romântico e aventureiro Corto Maltese uma vez mais navegava calmamente neste pequeno oceano de cinzento granito sob uma cintilante e atenta presença da Lua Cheia

Miguel Grillo

Paulo Roxo no 1º lance da «Corto Maltese»


1º lance da «Corto Maltese»


1º lance da «Corto Maltese»


Bruno Gaspar no 2º lance da «Corto Maltese»


2º lance da «Corto Maltese»


Hélder "Sainz" Massano no 1º lance da «Lua Cheia»


Ricardo "Pisco" Rodrigues no 2º lance da «Lua Cheia»


2º lance da «Lua Cheia»



Onde está o Wally? João "Animado" Ferreira escalando o 3º lance da «Lua Cheia»


«Corto Maltese» e «Lua Cheia»


Panoramica das vias da face Nordeste do Cântaro Magro

segunda-feira, setembro 11, 2006

Cho Oyu, a Deusa Turquesa. KATMANDU

A Daniela Teixeira encontra-se em Katmandu de malas e bagagens prontas para partir para os Himalaias.

De momento, até ao dia 13 de Setembro (data prevista para a saída do grupo com o qual partilhará a autorização e campo base), a rotina consiste em algumas compras de ultima hora (como o gás para a expedição) e, o tipico turismo cosmopolita.

A Daniela já conheceu "montes de gente", incluindo um grupo de "Trekers" Portugueses que acompanhou num belo jantar e posterior passeio nocturno, com caipirinha incluída.
Também já travou conhecimento com alguns dos seus companheiros de campo base, dois Gregos de aspecto "Totémico", do tipo "estátua grega", com os quais afirma "ser muito mais seguro passear pelas ruas de Katmandu".

Enfim, trata-se de aproveitar os dias para descansar e carregar as baterias para a faena vindoura, a tentativa de ascensão da gigante Deusa Turquesa.

Mais info no site www.campobase.pt


P.R.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Olá

Aproveito o texto do Paulo para fazer 2 ou 3 comentários.
O porquê de ter optado por ir sozinha e sem patrocinios, penso que já está explicado, interessa-me mais a forma como chego lá acima (se chegar!), do que o facto literal de atingir o cume. O facto de não pedir patrocinios foi para que esta expedição dependesse integralmente de mim, não só no periodo da ascensão, mas desde o inicio, tudinho depende de mim.
Se há algo de bom que acresce a esta opção, é o facto de ir liberta de pressões (coisa que não aconteceu o ano passado na minha cabeça, porque a expedição era patrocinada).
Sinto que vou de férias, sem compromissos e era isso que pretendia para esta viagem.
Quero deixar "muito publicamente" :) o meu sincero obrigado a algumas pessoas que me têm dado um enorme apoio e alento desde o inicio.
Big thanks to: Miguel Grillo, Ema, João Gaspar, Teresa, Pedro Guedes, Chus Lago, Pedro Cuiça, Rita Veiga, José Pacheco e Paulo Alves.

Um obrigado em particular à Espaços Naturais que me deu comidinha boa :) e à Campo Base que se encarregou de "esgalhar" um site.

Um obrigado muito especial aos melhores pais do mundo (desculpem lá a parcialidade :), mas os meus pais são mesmo muito fixes) pelo apoio e carinho que me dão. Nesta ida sozinha é crucial sentir isso da parte deles, ganha uma especial importância, mais ainda sabendo a preocupação que lhes trago. Outro obrigada especial ao Paulo Roxo que para além do enorme carinho e incentivo, tem dado uma ajuda preciosa nos preparativos da expedição.

Em suma...depois destes parágrafos, percebo que a expedição Cho Oyu 2006, não depende como inicialmente disse, só de mim :), mas é tanto minha como dos que referi.

Até breve
Daniela


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EXPEDIÇÃO CHO-OYU (e uma opinião particular)


A Daniela Teixeira prepara-se para de novo, tentar subir aos 8000 metros.
Irá partir na próxima sexta, no dia 8 de Setembro.
Desta vez, irá concentrar os seus esforços no Cho-Oyu, com 8201 metros de altitude.
A particularidade inédita desta actividade é que a Daniela prepara-se para a realizar sozinha.
A via de ascensão escolhida encontra-se na vertente Tibetana da montanha e está considerada como a via “normal”.
Devido ás numerosas expedições que, todos anos acorrem a esta via dificilmente alguém poderá anunciar uma verdadeira ascensão em solitário, uma vez que as janelas de bom tempo são aproveitadas por todos e os periodos de aclimatação são mais ou menos coincidentes.
No entanto, um escalador solitário terá de realizar todas as tarefas sozinho, carregar todo o equipamento, montar a tenda, cozinhar e sobretudo, lutar com o seu ser interior de forma a não se deixar vencer pela constante vozinha que sempre anda por aí a dizer: “Já chega! Vai-te embora! Isto é duro!”. Já para não falar nos riscos objectivos que uma tentativa solitária acarreta.
Quando se está acompanhado é mais fácil lidar com a vontade de desistir uma vez que existe a outra, ou outras consciências que podem animar e incitar a continuar.
Portanto, a tentativa da Daniela pode não representar uma ascensão solitária no sentido literal mas, selo-á concerteza no que toca a todas as acções e sentimentos não partilhados por um companheiro de cordada.
Por outro lado, esta expedição representa uma tentativa corajosa e inspiradora; inovadora, de acordo com os parametros Lusitanos.
Em primeiro lugar, trata-se de uma tentativa (e que me perdoem o sexismo)
feminina Portuguesa de ascensão a uma montanha com mais de 8000 metros.
Em segundo lugar e, caso obtenha o êxito desejado, tratar-se-á da primeira escalada a um 8000 realizada por um elemento do nosso País em autonomia completa e sem o apoio de qualquer companheiro directo, vulgo cordada.
A titulo pessoal, trata-se de um enorme desafio para a Daniela.
Para a sua carreira de alpinista este será um grande passo evolutivo.
Não digo isto no sentido de acenar a bandeira, ou de realçar feitos egocêntricos e com fins publicitários “caça-patrocinios”´(até porque desta vez decidiu não pedir patrocinios e custear a sua própria expedição!). Refiro estes elementos, para servirem como um mote que pretende, de certa forma, justificar uma opinião particular sobre o sentido do Alpinismo. Opinião essa que passo a transmitir:

Um alpinista verdadeiramente inovador é aquele que, de acordo com a sua experiência, se propõe a novos desafios, novos desconhecidos, a novas técnicas e dificuldades.
Um alpinista inovador é aquele que não estagna a realizar sempre o mesmo tipo de ascensões por saber ser assim que obtém o máximo de garantias de sucesso.
O grau de incerteza está directamente relacionado com o valor e a satisfação pessoal obtidos em determinada actividade. A verdadeira essência do Alpinismo e Aventura passa por estes parâmetros.
Dizem os “bons” Alpinistas:
“ Um bom curriculum de alpinismo não se conta pelos sucessos fáceis mas sim, pelos fracassos dificeis”.
Se um determinado Alpinista obtem consecutivamente sucessos será devido ao facto de se encontrar a realizar actividades a um nível de dificuldade muito inferior ás suas capacidades máximas, eliminando assim muitos dos factores de desconhecido e incerteza, acomodando-se à “garantia” de atingir determinado cume.
Cada fracasso dificil corresponde a uma aprendizagem. Deste modo, cada sucesso dificil corresponde a uma realização com um sabor especial, mais valorizado pelo próprio e, para sempre indelével.
Será por isto que, mesmo que a Daniela desista, após uma batalhada tentativa, ela terá ganho a sua expedição interior.

Paulo Roxo

segunda-feira, setembro 04, 2006

A toponímia desta mole granitica tem por vezes gerado uma fugaz controversia. Uns defendem que o seu nome é Fraga de Anamão, outros Fraga de Numão.

De facto, o nome mais generalizado e comum é Fraga de Anamão. Também a carta topografica do Serviço Cartográfico do Exército faz referencia ao cruzeiro de Anamão e à hermida de Anamão ambos nas imediações deste monolito.

Mas, também já foi encontrada alguma referência como sendo Penedos de Numão.

Fica à consideração de cada um investigar o nome mais correcto ou simplesmente apelidar esta belissima fraga da forma que considerem mais acertada.

sexta-feira, setembro 01, 2006

NUMÃO na mão!

A primeira vez que procurei a Fraga de numão não a consegui encontrar. Já lá vão bastantes anos mas, eu já estava algo acostumado a procurar paredes ignoradas. No entanto, a Numão não a avistei.
Quem não conhece o local, pelo que digo pode pensar que esta fraga se encontra refundida num vale encaixado e inacessível ou, a uma distância descomunal... mas não! A Fraga de Numão ergue-se altiva e orgulhosa, ás vistas de toda a gente num dos montes mais altos da Serra da Peneda, na região de Castro Laboreiro. De facto, não encontrar esta torre é realmente uma proeza apenas ao alcance de um distraído incorrigível.
Um belo dia, quando finalmente a descobri, a sua majestosidade e morfologia estranha cativaram-me por completo.
Durante meses sonhei em escalar este magnifico monolito. Abrir por ali uma via tornara-se numa espécie de obssessão.
Mais tarde tive a minha oportunidade. Acompanhado por um escalador da Alemanha de leste, Bidji (em férias no nosso país) lá partimos à aventura.
Uma tempestade repentina gorou a tentativa. A fuga em rapel, à beira da hipotermia, a um lance do final, resultou no desfecho desta incursão. Ficou prometido o retorno para terminar a via.
Pouco tempo depois, também o Miguel Grillo e o João Ferreira (“Animado”) fizeram uma tentativa à Numão.
A sua linha, mais audaciosa, visava uma parede de fissuras no flanco esquerdo da torre, conduzindo a um extra-prumo pronunciado.
Também esta investida não obteve o resultado desejado. Uma grande placa demasiado lisa (e demasiado musgosa) impediu-os de continuar. Desta feita, também ficou prometido o regresso.
Antes destas cordadas, a Fraga de Numão já tinha sido visitada por escaladores. Entusiastas do outro lado da fronteira, acostumados ás fissuras e placas da vizinha Meadinha, abriram uma via que cruza mais ou menos o centro da parede.
Esta via Galega era a única “conhecida” da Numão. Infelizmente, está semi-soterrada pelo musgo e a sua linha exacta roça o limbo do esquecimento.
Em jeito de salvação e, no meio destas histórias de fracassos e inundações de musgo, eis que surge uma via “realizável” nesta bela fraga.
Mês de Junho de 1998.
Vitor Viana e João Dinis divisam uma possibilidade no lado direito da parede.
A linha escolhida parecia apresentar um grau de “musgosidade” aceitável. O facto constítuia uma nova fonte de motivação.
Na verdade, a “Marca do Pastor” representa um verdadeiro golpe de mestre.
Uma observação sagaz e cuidadosa permitiu aos seus autores interligar uma série de fissuras e diedros de tal modo que, para a concretização deste itinerário com 120 metros apenas foram colocados três spits, em reuniões.
A utilização da escova foi espartana. Apenas foram limpos os pontos exactos para a colocação dos pés. Esses pontos ainda podem ser observados (e utilizados!) hoje em dia, oito anos após esta aventura.
A Daniela Teixeira e eu resolvemos repetir a via.
Secretamente, levava na esperança realizar o ultimo largo em livre, uma vez que o croquis dizia A1.
No segundo lance a coisa arrebita pois os passos são técnicos e a fissura existente é demasiado larga. A colocação de um camalot nº4 traz alguma paz de espirito. Sem o camalot nº4, bem... digamos que a emoção está garantida!
Com a elegância de um paquiderme (bêbedo) lá saquei em livre o ultimo lance.
A Daniela testemunhou divertida os meus grotescos esforços, sempre sonorizados com grunhidos incompreensíveis.
Este é um largo de fissura (muito larga) diagonal, na qual um tipo têm de se entalar de forma a proteger e... aproveitando o entalamento... reptar... em livre! Soa bem, não? Felizmente existe a opção mais confortável dos estribos.
Escoriações aparte, lá chegámos ao cimo da Fraga de Numão.
A vista desde aqui é simplesmente magnifica. No entanto, para estragar o ambiente e, para nos relembrar de como é um típico Verão Português, também avistamos ao longe a coluna de fumo de um incêndio de grandes proporções.
Quanto à via, sinceramente, de se lhe tirar o chapéu!

No ar ficou a ideia de retornar para escovar toda a via e reequipar as reuniões (os spits já começam a ter um aspecto arcaico!).

Paulo Roxo

(fotos nos 2 posts anteriores)




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O lance elegante!!
O que avistamos lá de cima... Posted by Picasa