terça-feira, setembro 13, 2011

Ai, Ai, Ai! Ui, Ui, Ui!

Ai, Ai, Ai! Ui, Ui, Ui!




O Cabo da Roca esconde ainda recantos por desvendar. São meandros e esquinas sombrias que desafiam a imaginação. Nichos de granito que se recusam a desvelar os seus segredos facilmente.

O mar, esse gigante azul, proveniente do horizonte infinito é o maior protagonista nesta paisagem grave. Com um génio irascível, selvagem e para sempre indomável, este mar é o elemento principal que define o Cabo da Roca.


O mar e a pedra.


O triângulo formado pelo mar, a rocha e a aventura constitui a geometria essencial deste lugar mágico.


A Baía do Terror espreita sobre o mar.


Dois rapeis depositaram-nos no fundo da Baía do Terror.


Rapel de acesso.


Aproveitando a maré vazia explorámos um diedro estético e lógico.

É uma sorte ainda poder encontrar estas linhas tão obvias quanto desconhecidas.

Apesar de convidativo, o diedro revelou uma escalada difícil e estranha, pejada de passos em oposição e presas arredondadas. No fundo, algo comum nas paredes espalhadas pela Roca. As desculpas cerebrais para justificar a dificuldade escondiam a verdade: a memória curta.


Dois momentos no primeiro lance.


A ultima via que tínhamos realizado no Cabo da Roca, “O ultimo cromo”, tornou-se num verdadeiro desafio psicológico ingrato. Isso incentivou-nos bastante a mudar de ares e a subir em altitude.

O granito perfeito da Serra da Estrela nada tem a ver com a rocha do Cabo. Mais uma vez, teríamos de nos habituar ás presas aleatórias por cima de ondas violentas. Mais uma vez teríamos de bater à porta (toc, toc!) de blocos mais suspeitos, um lugar comum nestas paragens.


A Daniela atenta, na primeira reunião. Foto de Fernando Pereira.


O segundo lance nervoso mas, baril! Foto de Fernando Pereira.


Apesar das perspectivas, o estado geral da nova via mantinha-se bastante aceitável. Arriscaria mesmo a dizer que a rocha revelava-se francamente... boa.

O segundo lance mais nervoso, permitiu ultrapassar um muro com mau aspecto mas, muito melhor que o esperado.


A iniciar o segundo lance.


A chegar à segunda reunião.


De repente: “zás!” Uma pedra passou-nos por cima, vários metros por detrás da nossa posição. Teria sido uma gaivota, como retaliação pela invasão de moradia? Mas não, não era nenhuma gaivota.


A segunda reunião.


O Fernando Pereira surgiu, suspenso numa corda estática, de câmara em riste.

Bastou um curto “sms” a anunciar uma nova investida de terror na baía,para entusiasmar o Fernando a surpreender-nos com uma visita “paparazzi”.

Pela primeira vez tivemos direito a uma reportagem fotográfica exterior, no decorrer de uma abertura.

“Finalmente, algumas fotos sem cús!”


O macaquinho e o Paparazzi.


Os macaquinhos. Foto de Fernando Pereira.


Uma plaquete depois e alguns metros mais acima, coloquei-me numa posição algo exposta. Era uma sensação estranha, ter alguém mesmo ao meu lado e, ao mesmo tempo ter de negociar uns passinhos mais precários num “run-out” considerável. Seria uma queda estúpida.




Acima, a sequência da colocação do perninho salvador. Fotos de fernando Pereira.


A realizar o passo muito mais tranquilo, protegido pela plaquete. Foto de Fernando Pereira.


A saída da via mostrou uma face inesperada. Uma rampa tão fácil quanto exposta conduziu a uma trepada temerária sem identificação possível na escala de dificuldades. Os chorões e as pedras rolantes em terra movediça transformaram os últimos metros num exercício ridiculamente memorável. Uma triste saída para um terceiro lance bonito e compacto.


"Agora vem aí mais!" E uma cabecinha espreita lá embaixo. Foto de Fernando Pereira.


Três momentos da Daniela no terceiro lance. Fotos de Fernando Pereira.


Para os meus botões, jurei voltar, de forma a corrigir a saída da nova criação.


No topo da falésia, logo a seguir a mais uma... Foto de Fernando Pereira.


No momento em que escrevo estas linhas os futuros repetidores (que decerto, serão ás dúzias!) terão três opções:

  1. Abrir uma saída mais humana (envolve uma limpeza “bulldozer”)
  2. Transportar dois expansivos (e respectivo Kit furador), equipar uma reunião imediatamente antes da secção podre e rapelar até à base da baía, saindo pela rampa de escape.
  3. Realizar a saída original e saborear o medo genuíno que só estes terrenos tão gratamente possibilitam.

Ai, ai, ai! Ui, ui, ui!

Paulo Roxo








segunda-feira, setembro 05, 2011

+ Terror Na Baía do ... Terror!

Foto e trabalho artístico de Fernando Pereira.

Para breve...

quarta-feira, julho 20, 2011

O ULTIMO CROMO

O ULTIMO CROMO




Define o que queres dizer com PIOR via de escalada?”

Sim, o que define uma via como sendo a pior? Pior em que aspecto? No aspecto da qualidade da rocha? No aspecto da beleza da linha? No aspecto do tipo de escalada? Neste caso em particular, diria que pior... em todos os aspectos.

Está claro que esta é uma pretensão pessoal e intransmissível, porque as definições de melhor ou pior, numa arte tão abstracta como a escalada, entra em conflito directo com o próprio sentido existencialista da actividade. As valorizações qualitativas irão depender obrigatoriamente dos gostos de cada um.

Se o propósito tivesse sido passar um dia a deitar pedras ao mar, a evitar irritar blocos assassinos, a montar reuniões medíocres e a desfrutar de distâncias ridiculamente longas entre protecções, então o objectivo teria sido plenamente alcançado. Mas esse não era exactamente o propósito pensado para esse dia.


Pelo menos as vistas são soberbas. Em baixo, a Baía do Terremoto.


Vista de longe a parede parecia, digamos... decomposta. Contudo, o seu mau aspecto poderia revelar algumas surpresas positivas.

De alguma forma, a inspiração surgiu na retorcida esperança de uma repetição do fenómeno: “Pilar do golfinho”. A via “Pilar do Golfinho”, na baía de Assentiz, representa um claro exemplo do que “parece mas, não é”. De longe, ninguém dá um chavo por aquela falésia esquecida. Parece um aglomerado de blocos dispostos a sucidarem-se sob o poiso de uma qualquer gaivota juvenil. No entanto, uma analise mais cuidada (leia-se: um rapel estratégico de reconhecimento), revelou uma via de qualidade, com a rocha mais que aceitável.

Na baía do Terremoto, apesar do mau aspecto, surgia a esperança que o fenómeno se repetisse.


A Daniela observa a parede com um aspecto muito melhor mas, para a qual não iriamos.


A Daniela nutria a mesma esperança vaga.

“Já há algum tempo que as nossas mãos não se impregnavam de magnésio. Já há algum tempo que por forças de outras forças não tocávamos um pedaço de rocha. Já há esse mesmo tempo que as saudades cresciam e a vontade de escalar aumentava exponencialmente a cada dia que passava.

Seria Sábado?

Não!...mas foi Domingo!!!!

Como opções?

Cabo da Roca. Tirar a ferrugem no sector Cara Norte ou tentar uma nova via na Baía do Terremoto.

A escolha: a nova via na Baía do Terremoto.

Na dita baía existe um esporão que por alguma razão que me é desconhecida inspirou o Paulo. Como já tive algumas boas surpresas em esporões com aspecto duvidoso – refiro como exemplo o esporão da bonita via “O Pilar do Golfinho” – deixei-me levar”.


Uma perspectiva cimeira.


O sitio não se deixa aceder facilmente. Uns restos decrépitos de cordas e cordéis abandonados por pescadores denunciam a fraca assiduidade ao destrepe inclinado e exposto que permite pousar os pés nos seixos gigantes rolados pelo mar revolto.

Por precaução instalámos um rapel. Uma longa descida de 60 metros onde é deveras conveniente não molestar o mineral empilhado.

A vizinha “Solidão canina”, aberta em técnica de escalada em solitário pelo Fernando Pereira, observou-nos convidativa.

Atrás de nós, invisível desde o topo da parede, um diedro virgem, com uns 60 metros piscou o olho à Daniela.

“À beira do dito esporão cheirava a podre, uma tartaruga decomposta jazia ali há já alguns dias. Ainda pensei que a futura via se poderia chamar “o Pilar da Tartaruga”!

Olhei para o lado e vislumbrei numa outra parede uma bonita fissura. “Paulo, e se fossemos àquela?”, ao que a resposta foi negativa. “Porque?” perguntei. “Porque esta é MAIOR!!!”.

Mas...nem sempre quantidade é qualidade!”

A fantasia da linha mais longa, gritou mais alto. E foi assim que nos lançámos à aventura, num claro desdém pelo gnomo minúsculo que nos sussurra palavras de bom senso ao ouvido.

“De uma forma breve, foi aberto um bonito - bonito só para observação de longe!!! - esporão com 120m de rocha ABSOLUTAMENTE PODRE!

A via caracteriza-se por uma escalada nervosa, exposta, difícil de proteger e de movimentos bastante desinteressantes. Uma verdadeira m...!

A rocha caracteriza-se pela presença quase constante de blocos soltos de dimensões variadas, mas predominando os grandes! (Para quem vai como segundo de cordada, a pergunta que permanentemente assola o cérebro é “será que o meu colo vai aguentar o peso deste bloco que vou ter de agarrar? E se apanhar com este bloco na perna? Parte-se o bloco...perdão, parte-se a perna?”

O primeiro largo decorre encadeando uma série de blocos de rocha suspeitos, com muitas fissuras...fechadas! Ou seja, não vale a pena carregar muitos friends!”


A surgir no primeiro lance... magnifico...


A reflexão da Daniela suscita indagações.

Porquê submeter as nossas mentes e os nossos corpos a estes desconhecidos? Qual o sentido do risco? Para quê abraçar a incerteza?

As respostas para estas questões talvez estejam todas concentradas nos escassos segundos em que a ponta do pé pisa o primeiro troço de rocha e decide elevar o corpo, ao mesmo tempo que um arrepio de emoção percorre a espinha. Na verdade, esta é uma suposição. Uma reflexão posterior à acção. Honestamente, os metros volvidos, sem conseguir colocar nenhuma protecção (nem boa, nem má) não despoletou nenhuma questão existencialista. Despoletou sim o interruptor da concentração e da focagem absoluta nos locais mínimos onde colocar os pés. Tratava-se de não mover o terreno mais do que o necessário (suponho que as sensações foram o mais próximo que um tipo poderá sentir ao passear nas pontinhas dos pés sobre o lombo de um dragão adormecido, tentando não o despertar).

Fissuras estreitas a fissuras inexistentes foram a tónica geral, espaçadas por distâncias proibitivas.

Ao nível da insipidez dos números, a escala de graduação mantinha-se modesta mas, os metros intermédios entre entaladores obrigaram a ligar o “mode solo integral”, diversas vezes. Contudo, cada passo neste terreno precário estava calculado para ser infalível. “Não iria estragar a festa numa via de merda! Seria inglório.”

Uns 50 metros depois surgiu a reunião, montada numa fissura vertical amovível. Os friends bem apertados asseguravam que as pequenas lastras e pedras que ornamentavam o interior da fissura se mantinham no lugar, impávidas e serenas.


Reunião amovível!


A promessa de descer e desistir do projecto infame no qual estávamos metidos até ás orelhas foi quebrada muito longe da reunião, quase no final da corda disponível.

A Daniela, invisível no ponto onde estava, gritava-me algo incompreensível, ao ouvido mas não ao instinto. A corda deveria estar a terminar. Só não entendia se ainda me faltavam: “Dois meeetroos!” ou, “Dez meeetroos!”

Ainda longe do pinheiro onde já havia pintado um alvo com a mente (eu era a flecha – em forma de tartaruga, a julgar pela velocidade com que avançava), passou-me pela cabeça colocar à mão uma das duas plaquetes disponíveis e montar a reunião ali mesmo. Mas, mais uma vez ignorando o tal Gnomo, resolvi insistir e continuar.

Aproveitando o ultimo meio metro de corda, abracei o pinheiro com decisão e gratidão por ter sido ali colocado pela providência.


"Uf!"


Um berro libertador (que por sorte não deslocou nenhum bloco): “Reuniãããoo!” informou a Daniela que poderia reiniciar a escalada. Também ela chegaria até mim com as suas próprias impressões.

“O segundo largo, depois de um início por um troço de rocha que dificilmente aguentaria um “Peso pesado”, apresenta uns metros de caminhada subvertical em terra, para passar a uma placa fácil e desinteressante com cerca de 20m, sem hipótese de protecção! Termina numa árvore simpática onde se diz”UF”.


Dois momentos no bellliissimo segundo lance.


No terceiro largo, abandonada a árvore simpática, entra-se numa espécie de...nem sei o quê (diedro?) com cerca de 4 metros, constituído por rocha fracturada em blocos de dimensões medianas a grandes, com pouca capacidade de sustentação. A capacidade de sustentação mantém-se inalterada até ao final da via, que termina num pinheiro de ramos baixos que tentam vazar os olhos a quem ali passa!

Após terminada a via, o nome “Pilar da Tartaruga” passou à história, sendo substituído pelo mais adequado “O Último Cromo”.


"E então? Esta porcaria ainda não acabou?!"


É uma via totalmente desequipada que não pretendemos repetir e da qual não aconselhamos a repetição...a não ser a quem já tenha colado os cromos todos na caderneta chamada Cabo da Roca!”

No topo jurámos nunca mais voltar.

Nunca mais... no entanto... ali mais à direita... talvez...


Daniela Teixeira e Paulo Roxo



sexta-feira, maio 27, 2011

CABO DA ROCA, NOTAS SOLTAS

CABO DA ROCA
NOTAS SOLTAS


Cabo da Roca. As rochas, a Natureza, a imensidão do mar com as suas eternas ondas que insistem em empurrar a terra. Lá ao fundo, a Noiva.


A misteriosa face norte da Noiva. Que surpresas revelará? Que emoções? Como será? Uma pedra perdida.


A face leste da Noiva. A sua sapata revela o arco de calcário. Um novo portal? Uma nova aventura? E o mar... esse, sempre ali, o Atlântico continua, impávido mas não sereno... jamais!


A Ursa. A pedra da Ursa. O rochedo da Ursa. Nomenclaturas para tentar definir uma inspiração da natureza. Durante muitos e muitos séculos as marés brincaram com a Ursa, transformando-a ora numa ilha, ora numa península. Cansada de tanta indecisão, a Ursa resolveu tomar um partido. Numa sacudidela de ombros, o seu topo ruiu, arrastando consigo todos os diedros, placas e blocos que compunham o lado sudeste. Numa explosão terrivelmente espectacular foi literalmente arrasada uma parede inteira, de alto abaixo, com toneladas de rochas a precipitarem-se para o vazio. A partir desse momento os escombros, depositados na base, junto à perna que forma um arco, impediam que o mar contornasse o rochedo na sua maré alta. Desta forma, a Ursa decidiu deixar de ser ilha e, de se submeter aos humores incansáveis das marés.



A nova face da Ursa, passados séculos! Esta transformação tão radical de algo considerado como quase eterno, pelo menos com uma idade tão afastada das nossas dimensões humanas, incita-nos a reflectir sobre a nossa própria condição. Independentemente das nossas acções, somos meros espectadores neste planeta vivo e poderoso que, um dia pode vir mesmo a fartar-se da nossa presença e decidir livrar-se de nós. Mas, enquanto isso não acontece, o mundo não deixará de nos maravilhar e espantar com os seus locais magnificos, cheios de segredos e emoções, como o Cabo da Roca.


Paulo Roxo. 27 de Maio de 2011.

quarta-feira, maio 11, 2011

ADEUS Ó URSA

ADEUS Ó URSA

“Escalar a Pedra da Ursa corresponde sempre a uma pequena odisseia sobre história viva.

O mar agreste, o vento frequente e as formas rochosas singulares, criaram uma aura mística poderosa que, desde sempre, convidou ao fervilhar de imaginações e histórias fantásticas, como a da origem da própria pedra.”

Estas palavras escritas a 29 de Fevereiro de 2008, num post que designamos por “Simplesmente Ursa”, traduzem bem o que sentíamos quando ficávamos a sós com aquele penedo, situação que o mar nos impunha quando a maré subia e ficávamos felizes a viver aventuras na ilha em que a Ursa se transformava.


Como era...

As escaladas naquele pináculo de calcário pautavam-se pela originalidade. Os dias eram forçosamente escolhidos de acordo com os horários da maré. Se a maré baixa ocorria de manhã cedo e a meteorologia o permitia, então arrumava-se o material para passar um dia sempre inesquecível na Ursa.

A primeira via que escalei na Ursa, foi a “Via Normal”. Nesta primeira aventura, fui levada pelas mãos do Paulo Alves.

Numa data perdida no tempo, recordo escalar também com o Paulo Alves a via “Ovelhas Negras”, aberta pelo Paulo Roxo e Miguel Grillo Outubro de 2004. Na altura, à saída de um tal “Portal Cósmico” comentei a dificuldade que seria retirar o friend que constituía a primeira protecção, a protecção que iniciava uns quantos passos de artificial à saída daquele túnel peculiar que nos colocava sobre o Atlântico. Desde aí, na fenda onde entraria o friend, passou a residir uma cordeleta entalada, que o Paulo Alves inteligentemente se lembrou de colocar a servir de protecção.


Daniela e Paulo Alves, entre o 3º e o 4º lance


Imagino o quanto se divertiram o Paulo Roxo e o Miguel Grillo na abertura da via.


Miguel Grillo, na marga escorregadia do 4º largo

Foram inclusivamente eles, que atribuíram ao típico túnel o nome de “Portal Cósmico” Nas palavras do Miguel...

“Uma enorme e rara travessia, inicialmente por terreno fácil, depois pelo interior de um grotesco e húmido túnel, finalizando sobre uma impressionante e exigente travessia extra-prumada directamente sobre as ondas do mar até se alcançar a suspensa reunião. No momento de entrar para as profundezas daquele característico túnel, tive a estranha sensação de estar perante um irreal portal cósmico que uma vez transposto nos levaria para uma outra dimensão espacial e mesmo temporal. Suspeitava, mas estava longe de imaginar que de facto estávamos perante um inesquecível e único dia de escalada. Somente de duas coisas tínhamos a certeza: a primeira era que após a passagem de este túnel que dá acesso directo à face Sul, estaríamos expostos a um grande isolamento e compromisso sob mais de 100 metros de desconhecido e descomposto terreno vertical, de difícil retirada onde nada poderia correr mal; a segunda, esta mais reconfortante (ou não!) era de que dispúnhamos de bastante tempo para esta nova abertura, mais precisamente de cerca de 12 horas. Nem mais nem menos, pois como é sabido que a Ursa apenas tem acesso terrestre (sem direito a banho) na fase de maré baixa. Como tal, apenas por volta das 8 horas da noite voltaríamos a ter acesso seco para regressar. Em todo este período, estaremos embarcados num extenso mar de rocha em pleno azul Atlântico.”


Paulo Roxo, 1º largo, travessia e entrada do “Portal Cósmico”

Paulo Roxo, à saída do “Portal Cósmico”

Daniela no 2º largo, travessia iniciada à saída do “Portal Cósmico”

Cerca de um mês depois, com um entusiasmo fervilhante, em Novembro de 2004, nascia a via “O Último Assédio”. Mas esta não saiu à primeira tentativa!

Certo dia, juntamente com o Paulo Roxo e o Miguel Grillo, decidimos não ter em conta um aspecto importante, a meteorologia. Arriscamos entrar na Ursa num dia de inverno em que as previsões apontavam para a ocorrência de aguaceiros. A ideia era abrir uma via, mas aquele Sábado não estava destinado a correr bem. Entramos na Ursa e escalamos o primeiro largo a acedendo assim ao “Portal cósmico”. Lembro-me de estar naquele curioso buraco com o Miguel Grillo, e o Paulo já com cerca de 10 m escalados do segundo largo, quando de repente o céu negro confirmou os meus receios: chuva! O Paulo gritava palavras irrepetíveis a plenos pulmões, agarrado ao calcário escorregadio. Eu e o Miguel perguntávamos se conseguiríamos sair do rochedo antes da maré voltar a subir! Apesar dos esforços, o resultado foram longas horas à chuva e ao frio, esperando a próxima maré baixa para conseguir escapar “às mandíbulas da Ursa”. Logo no dia seguinte, chegamos mais uma vez ao amontoado de blocos do topo da Ursa acrescentando um pouco mais à história do penedo.


Daniela, iniciando a placa do 3º largo

Paulo Alves tempos depois a repetir a via

Algures em Março de 2007, num outro assédio à Ursa com o Paulo Roxo e o Miguel Grillo, repetimos a via “Directa Integral da Face Leste”, uma clássica aberta em Junho de 1980 pelo Paulo Alves, Vasco Pedroso e “Fanã”. Esta bonita via deu ao Paulo Roxo alguns momentos de reflexão:

“A maré sobe. Tenho de ser rápido para que todos tenhamos tempo de entrar na via. Mas, como ser rápido neste terreno e com esta exposição?

Consegui colocar dois friends e um entalador. O primeiro friend e o entalador encontram-se juntos e constituem protecções razoáveis. O segundo friend, uns bons três metros mais acima não serve sequer como consolo psicológico. Agora tenho alguns metros de escalada comprometida e rocha duvidosa, sem possibilidades de proteger. Olho para baixo e apercebo-me da forte possibilidade de uma queda no caótico chão de blocos. A maré sobe. Hesito. Tenho de fazer algo.

Minutos antes e alguns metros mais abaixo protegera num piton completamente corroído. Este pequeno artefacto representa uma prova moribunda da primeira ascensão desta via...

Agora, à medida que escalava o primeiro largo não parava de pensar na audácia do Paulo Alves, quando se meteu, à vista, nesta mesma linha vertical, há mais de 25 anos, munido apenas com alguns pitons e quatro entaladores bicoins (!)

Nós, estamos munidos com bons pés de gato, vários friends de última geração e cordas de resistência mais que comprovada. Ou seja, material recheado de homologações Europeias.

Mesmo assim, não sei bem o que fazer nesta passagem perigosa.

... No croqui descritivo o Paulo Alves refere a existência de “pedra solta e rocha em pó nalguns locais”. Escreve também: “escalada bastante vertical, exposta e interessante”.

A sua apreciação geral retrata em três simples palavras todas as vivências, emoções e características desta ascensão.

Vivências e emoções garantidas a futuros repetidores”


Na abertura da via, em 1980

Paulo Roxo, 27 anos mais tarde, em Março de 2007

Outra situação caricata foi no dia em que o Paulo Roxo e eu abrimos a via “Adeus Ó Hilti”, algures no mês de Abril de 2007.

Chegámos de novo ao carro já entrada a noite. No porta-bagagens voltámos a separar as peças encharcados pelo mergulho involuntário.

Horas antes, enquanto a Daniela se encontrava no topo do lance, num dos extremos da corda montada em “slide”, eu retirava freneticamente todo o material do interior da mochila, recentemente submersa no mar revolto do Cabo da Roca.

Já me encontrava na base da agulha de pedra, fora do alcance das ondas da maré cheia que transformara a Ursa numa ilha.

A Daniela descera-me pela corda previamente fixa na diagonal, realizando uma manobra de slide controlado. O plano consistia em fazer descer, pela mesma corda, a mochila e o restante material.

Uma cinta torcida e um mosquetão (sem segurança) aberto, enviaram ao vazio a mochila, com a câmara digital, a chave do carro e… a máquina de furar Hilti – baterias incluídas! Atónitos, observámos como todo o material entrava de chofre e, num simples segundo, nas águas frias do Atlântico. – FO…! CAR…! – gritei a plenos pulmões. Ainda calçado com os pés de gato, corri por entre os blocos e enfiei-me dentro de água para aceder a uma grande pedra e, desde aí, tentar resgatar o equipamento. A mochila lá estava, a boiar ao sabor das ondas. Conseguia avistar a Hilti a brilhar no fundo. A mochila ia e vinha, trocista, num jogo do “apanha-me se puderes”. Por sorte, a onda seguinte empurrou-a na minha direcção. Num ápice, icei também a máquina e afastei-me para terreno seco. “Lindo” – pensei. “Adeus ó Hilti!” – pensei a seguir.”


Paulo Roxo na “Adeus ò Hilti”

Daniela, a tentar sair da marga escorregadia na “Adeus ò Hilti”

A proa saliente e extra-prumada referida é que hoje já não se avista! Encontra-se agora desfeita em mil pedaços, descansando no chão junto à base da Ursa.

Apesar da derrocada, a Ursa continua no seu lugar, com aspecto um pouco diferente, para quem a quiser contemplar.

No topo da Ursa, as moedas de 50 centavos...quem as lá deixou???

A nova cara da Ursa

Das escaladas ficarão as boas memórias, os momentos bem passados na companhia dos amigos, esses, que estão sempre presentes.



Daniela Teixeira, 11 de Maio de 2011