quinta-feira, dezembro 22, 2011

Boas Festas!

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Chorro - acto III

E SE OS ABUTRES TIVESSEM UM REINO?



Quarta pela manhã, já eu contava os minutos que faltavam para mais uma vez iniciar a viagem rumo a Espanha, aquele belo país onde se viaja a preços bem mais convidativos que o nosso.

Bem perto da fronteira, já íamos eu e o Paulo em amena cavaqueira, quando uma brigada de trânsito nos manda parar:

“Boa tarde. Os documentos do condutor e do veiculo por favor”...”Não poupe nos pneus de trás!”

Com 63.000km rodados retorqui “Segundo o meu mecânico ainda fazem mais 10.000km!”. Ok, fiquei a saber que cada pneu poderá valer agora para os cofres da GNR a módica quantia de 50 euros! Poderá... mas desta safamo-nos.

“Obrigado pela dica Sr. Guarda!”...e assim seguimos viagem entre comentários breves “Epá Paulo, desde os meus 18 aninhos, devo ter sido mandada parar para aí...2 vezes!”.

Dois minutos depois, mesmo na fronteira, uns quantos matulões com ar de poucos amigos e colete a dizer “Guardia Civil” fazem-nos encostar novamente. Desta não houve troca de sorrisos e comentários em jeito de graçola. “Abre el maletero por favor...Que tienes aí?...vais de vacaciones?”. As respostas do Paulo foram curtas “No. Cuatro dias a escalar al Sur de España".

E assim começou mais uma aventura.

Desde a primeira vez que escalei em El Chorro, sempre imaginei escalar uma nova linha na parede grande, na parede do “Poema Roca”. A dimensão da parede, as cores, as covas imponentes, os abutres sempre a planar lá em cima, tudo me cativava naquela parede....ok, quase tudo...a noção de que poderia ter de atravessar troços pejados de cactos gigantes era a única coisa que não me entusiasmava!


O sector "Frontales medias", com a sua cova característica conhecida como "Poema roca" e agora com duas vias Lusas.


Claro que quando o Paulo e o Bruno abriram a via “Desnorte Total” há algumas semanas atrás, as minhas unhas ficaram roidinhas de inveja (leia-se, uma inveja saudável!)!

Para acabar com essa inveja, o Paulo propôs-me um regresso àquele muro, para percorrermos desta vez os dois, um novo alinhamento.

Enquanto degustávamos umas tapas em Antequera na quarta à noite, planeávamos os horários para os dias seguintes. Para os cerca de 300m de linha que tínhamos estudado, pensámos que 3 dias seriam o ideal. No entanto, o terceiro dia seria um Sábado. Essa perspectiva não nos agradava, porque imaginávamos que poderiam haver muitos mais escaladores na base da parede e qualquer calhau que caísse lá de cima...UI UI!

Por entre goles de cerveja aclimatámos à ideia de que iríamos tentar abrir a via em 2 dias, o que implicaria acordar cedo...muito cedo especialmente no segundo dia.

Quando os pássaros começaram com o seu chinfrim habitual ao nascer do sol, abandonámos o quentinho da tenda e cerca das 9:30 estávamos na base da parede com tudo preparado para começar a escalar.


O dedo aponta o pilar inicial... vamos a isso!


Já imaginávamos que o primeiro largo seria trabalhoso, pelo pequeno tecto que teria de ultrapassar, ainda assim, algumas fendinhas escondidas permitiram poupar algumas plaquetes...ficaram 2!


O primeiro furinho do artifo inicial. Dará certamente para forçar em livre e nem deve ser demasiado dificil. Mas a abrir...


Idem.


A daniela a chegar á primeira reunião.


O segundo largo, apesar de fácil, não foi dos que mais me agradou. Pois é, fiquei a conhecer a dor infligida pelos famosos cactos gigantes, que resolveram antes de nós, instalar-se na cova onde montámos a reunião!


Inicio do segundo lance. A caminho dos catos!


No nicho dos catos. Mas uma reunião ultra-cómoda.


Desde aqui, um bonito pilar iniciava-se mesmo ao lado de uma torre de rocha absolutamente partida! Objectivo? Passar pela torre sem a desmoronar! Objectivo cumprido! Como recompensa fomos brindados com um alinhamento de rocha de aspecto duvidoso...só mesmo aspecto! A sequência de movimentos a agarrar à mão cheia blocos que pareciam querer destacar-se, traziam recordações das escaladas em Riglos.




Dois momentos do inicio do terceiro lance depois de passar a pequena torre precária que se aprecia na foto de baixo.




O largo "Riglos". "Primeiro estranha-se, depois entranha-se". A rocha é muito melhor do que aparenta.


Três já estavam, pouco faltava para esgotar o dia, já que só tínhamos duas cordas para fixar.

O quarto largo deixou-nos um pouco mais acima do que tínhamos inicialmente imaginado, o que foi bastante positivo, tendo em conta que para o dia seguinte teríamos de ultrapassar ainda assim, mais de metade da parede.


Dois passitos de artificial iniciam o quarto lance.


E depois, chaminé de oposição desfrutona!


"Manda a máquina!"


A Daniela a chegar á quarta reunião para terminar o dia... com o rapel até ao solo.


Tocamos o chão no lusco fusco, já o sol tinha abandonado o horizonte e chegámos ao carro na precisa hora em que se acendem os frontais...UF! Tarefa cumprida mesmo no “timing” certo!

Residia a questão, será que conseguiríamos terminar a via no dia seguinte?

É que...não tínhamos mais corda para fixar!!

O plano era simples, deitar cedo e levantar muuuuiiiiito cedo, para começar a jumarear ao nascer do dia (sim, ao nascer do dia, e não ao nascer do sol!)

Pelas 5:30 da manhã toca o despertador e a ultima coisa que apetece é abandonar o calor da tenda, mas conseguimos faze-lo com somente 10 minutos de atraso!

Pelas 7:30, já os jumares faziam a sua função e claro, o frio foi combatido de imediato pela dose de exercício matinal.


Exercício matinal. Subir quatro lances de cordas fixas.


Algures pelas 9:30, já estávamos pendurados na quarta reunião, com tudo organizado para começar a escalar...e eu com alguns picos nas mãos!


"Vamos recomeçar. Só falta colocar os pés de gato nos... nariz?!"


Auto retrato e o ânimo em alta.


No primeiro largo do dia, tivemos direito a atirar uns calhaus pelo ar sem qualquer preocupação, já que àquela hora ainda não havia nenhum escalador lá por baixo.


No lance numero 5.


Com mais um largo, ficámos ao nível do voo dos abutres, que desde cedo pairavam à nossa volta, certamente pouco felizes por terem companhia. Digo isto, pela reacção de um deles, que perto de poisar a poucos metros de nós, já com o trem de aterragem quase a tocar na rocha, resolveu dar meia volta e dirigir-se para outro poiso quando os seus olhos negros se cruzaram com os nossos esbugalhados. Pela reacção, creio que fomos classificados como intrusos, os verdadeiros indesejáveis!


Os abutres sempre presentes e vigilantes.


Dois largos depois já víamos as costas dos abutres, pelo que a preocupação de largar pedras aumentou: não só poderíamos atingir quem andasse na base, como podíamos com muuuuuuiiiitaaaa pontaria apedrejar um abutre! A dar segurança. Sentia-me observada. Na crista de rocha à minha esquerda lá estavam eles de olhar atendo a observar-nos. Eu, pensava neles, e eles...pensariam em mim?


Poiso dos abutres: "Que pensarão?"



Dois momentos no quinto lance.


Somos dois pontinhos no quinto lance da parede. A foto é do Zé Patatelo que também estava em El Chorro a escalar e que simpaticamente nos enviou.


Cerca da 1:30 chegamos ao penúltimo largo. Obviamente, quando vimos as horas os sorrisos estamparam-se nas nossas caras, também elas já magnesiadas. Íamos ter tempo de sair por cima, como impele o sentido de alpinista! Íamos evitar os 6 rappeis carregados de quinquilharia, íamos evitar apedrejar qualquer elemento orgânico. YES! Íamos sair por cima!


A iniciar o sexto lance, o maior, com cerca de 60 metros (!)


Na secção fácil do sexto lance. Atenção ás pedras!


Mas o mais espectacular do momento não se prendia apenas com este factor, mesmo por cima das nossas cabeças, desenhava-se uma fantástica fissura que cortava a placa de calcário compacto numa diagonal para a esquerda. Uma daquelas fissuras impossíveis de não escalar, de não gostar, de não desfrutar. UÁU!


Lançado á fissura "UAU!" Absolutamente obrigatoria.


“BEEEEMMMMM, encontrar uma fissura destas sem estar aberta é um luxo! Foinix! Para penúltimo largo é um ex-libris! O melhor largo da via! UÁU!”. As palavras do Paulo reflectiam exactamente o que era aquela fissura... UÁU!


Desfrute!


Saída vertical em rocha compacta.


Foi com soltura que o largo foi resolvido, a dita fissura tinha os locais certos para proteger, a abertura certa para colocar as mãos, o desenho certo para se desfrutar. Nem muito difícil, nem muito fácil, simplesmente A FISSURA!


Bem visivel desde o solo. O oitavo lance da via.




Três momentos da Daniela na fissura fabulosa.


Depois deste prazenteiro largo, e de mais um comprimento de corda – desta vez uma trepada fácil – exactamente às 15:51, chegamos à aresta, ao fim desta bonita parede de calcário. Pela primeira vez víamos a paisagem para os dois lados daquela elevação.

De sorrisos estampados nos lábios, os comentários não eram eloquentes nem fartos, pouco mais conseguíamos dizer do que “Espectacular! Muita bom! Granda via!”...”Bem, muita bom! E o calcário? Ganda qualidade!”...


Missão cumprida!


Tínhamos entretanto uma hora e quinze minutos para descer até ao carro antes que a escuridão caisse dos céus mas, sem conhecer o caminho! O Paulo tinha a ideia de que, de alguma forma deveríamos ir ter às “Escaleras Árabes” e descer por aí. De facto tinha razão. Munidos do factor sorte, rápida e facilmente fomos dar ao trilho das “Escaleras Árabes”, sendo saudados pelo caminho por um batalhão de cabras que por ali passeava.


Parte do batalhão de cabras.


Pelas 17:00, ainda com a luz do dia chegávamos ao carro, cansados...mas estupidamente felizes! Tínhamos aberto a nossa melhor linha de calcário, até hoje!

Onde termina a aventura?

Num acolhedor restaurante a “tapear” festejando com “una bella botella de tinto!!!”


Daniela Teixeira


Os topos:






segunda-feira, dezembro 12, 2011

Chorro

EL CHORRO, acto III.


quinta-feira, novembro 24, 2011

El Chorro remake

Norte ou sul?
Via aberta ou ainda não?
Esquerda ou direita?
Arriscar ou equipar?
Tudo questões que se tornaram num...

DESNORTE TOTAL



Teneis una como esta?” Pergunta o jovem rasta, num sotaque que denuncia a sua nacionalidade não hispânica.

Na mão exibe uma chave de rodas, daquelas para trocar um pneu furado do carro.

Na berma do estradão de terra e pedras que serpenteia pelo meio da floresta e que serve para aceder aos sectores de escalada, encontramos uma Volkswagen traffic atravessada no caminho e com um pneu totalmente em baixo.

“Es que esto esta roto!” Observamos a chave de rodas, partida e inútil.

“Vamos a ver.” Diz-lhe o Bruno, abrindo o porta bagagens da sua carrinha, deixando à vista um espaço amplo de bancos recostados e diverso material, entre mochilas, sacos de dormir, colchonetas, caixa de comida, mesas e cadeiras de campismo, etc.


Equipamento profissional para... acampar.


Estamos em El Chorro, mesmo a meio de mais um sonho de escalada, vivendo o processo de abertura de um novo itinerário, no epicentro de novas emoções e aventuras.

A chave de rodas emprestada afinal não funciona e o rapaz devolve-nos a ferramenta.

“Tu crees que aqui se puede dormir?” Com aparente despreocupação o jovem aponta para um pequeno prado, situado mesmo ao lado do estradão. Respondemos que em principio não deverá haver problema, desde que desmonte o aparato pela manhã.

Nós próprios, encontrámos o “spot” perfeito, mesmo no meio do bosque, onde passámos as noites.


No bosque, o local perfeito para dormir.


Nas duas manhãs seguintes, pouco depois do nascer do sol, ao nos dirigirmos para o nosso projecto, lá encontrámos o jovem rasta enfiado no saco-cama, deitado tranquilamente. Ao seu lado, dormiam também alguns amigos mais. Junto ao prado, ainda atravessada no caminho, aí estava a Volkswagen, com o pneu em baixo, à espera de uma simples chave de rodas, sem pressas para sair dali.


A aproximação ao mega-projecto.


Mais tarde, durante um passeio encontrámos de novo o grupo de rastas. O jovem reconheceu-nos e disse com ar divertido: “Dos dias de trabajo para arreglar la rueda!”

Naquele momento pensei que um simples pneu furado seria o suficiente para despoletar uma situação de stress para a maioria das pessoas, por alterar rotinas estabelecidas. Observando aquela malta tranquila, o Bruno e eu comentávamos que a vida não tem de ser necessariamente tão difícil.

A simplicidade é exactamente uma das razões que nos leva a lugares como este. “Uma das coisas que mais gosto na escalada é o facto de me abstrair de tudo.” Confessou o Bruno, num dos jantares à luz do frontal, na sua mesa de campismo.


Bruno, um cozinheiro e peras!


O nível de concentração durante o acto de escalar, a busca constante do equilíbrio para evitar a inexorável atracção da gravidade, o próprio direccionar da mente no sentido de enfrentar situações de risco ou perigo. São coisas que despertam os instintos mais recônditos, que nos reduzem ao estado mais simples, se quisermos mais puro e que, no fundo, nos limpam a alma (nem que seja por breves momentos) de entraves, frustrações e preocupações.


Flora e mineral de El Chorro.


Tinham passado apenas duas semanas desde que a Daniela e eu estivéramos em El Chorro a escalar uma nova via no sector “Escaleras suizas”.

O plano furado de tentar uma via no Douro levara-nos para sul.

Desta vez, com o Bruno Gaspar, repetia-se o processo.

De malas e bagagens (e muito friends!) apontados para o Douro Internacional consultamos de novo a internet, na esperança vã de que as previsões de chuva para o norte se alterassem da noite para o dia.

Os primeiros passos fáceis e fluidos em calcário de razoável qualidade inserem-nos definitivamente na escalada.

“Merda! Está aqui um piton antigo!” Logo na primeira parte da via a que nos propomos encontramos um sinal que prova a presença de antecessores. Pensando que podia ter sido apenas uma tentativa anterior, decido continuar.


"Então vamos lá!"


No final de um pilar sem historia mas de linha muito lógica, avisto outro sinal de passagem: uma cordeleta queimada pelo sol, a abraçar uma ponte de rocha.

Fixamos uma das cordas estáticas para retornar no dia seguinte, não sem antes reflectirmos sobre as possibilidades.



Dois momentos do Bruno no segundo lance (para nós o primeiro, uma vez que escalámos de seguida os primeiros 70 metros de via).


“A via mais lógica e óbvia é aquele pilar extra-prumado.” O Bruno aponta para a esquerda das nossas cabeças. Aceno em concordância.

“A existir uma via aberta, irá concerteza por ali!”

Olho para a direita e avisto uma espécie de diedro/chaminé igualmente óbvio.

Um rápido reconhecimento indica que a segunda hipótese implica equipar um curto muro com expansivos antes do diedro avistado.

“Estou indeciso!” Digo.

Pessoalmente não tenho muito interesse em repetir uma via estabelecida.

“Por mim, tentaria seguir a linha lógica. Se encontrarmos sinais de passagem descemos e tentamos outra coisa. Senão...”

Acabo por concordar com a sugestão do Bruno. No dia seguinte se veria.


Com ar de tó-tó a pensar no dia seguinte...


O dia seguinte viu-me suspenso num entalador precário sem saber muito bem se aquilo iria aguentar ou não.

“Bruno, atenção!” A chamada de atenção destinava-se no fundo, a mim próprio. Concentrei-me e ergui-me nos estribos com delicadeza até dar de caras com a pequena fissura onde tinha entalado o bicoin meio ás cegas. Este estava a ponto de saltar. Felizmente, mesmo por detrás daquela peça precária ali estava uma boa fissura prontinha a receber um novo entalador “à bomba”.


O pilar extra-prumado. O lance de artifo da via. Um bom objectivo para realizar em livre um dia.


Tentava conquistar o estético pilar extra-prumado que faria a ligação mais lógica com o muro superior. Cerca de uma hora e meia depois, lá atingi o nicho reservado para a reunião. Nem sinais de uma passagem anterior. Abaixo dos meus pés ficava o tecto soberbo onde abandonei um piton e uma plaquete.


Passado o local do pequeno entalador do medo.


Bruno a chegar à reunião do terceiro lance, após o grande extra-prumo.


O Bruno encarregou-se do lance seguinte constituído por uma fissura vertical e um novo esporão bonito.


A iniciar o quarto lance da via.


Alguns escaladores passavam no solo, mesmo por baixo da nossa posição. A possibilidade de soltar alguma pedra deixava-nos apreensivos.

O sector “Poema roca”, localizado numa das principais paredes de El Chorro, constitui também o muro mais alto da zona, com quase 300 metros de rocha vertical e extra-prumada. Este é também um dos sectores mais concorridos devido ao elevado numero de vias desportivas, a maioria com apenas um lance de escalada.


Sector "Poema roca". Espectacular e com historias para contar.


Os muros superiores ainda apresentam várias possibilidades para itinerários longos. No entanto, os candidatos à inauguração desses itinerários deverão ter bem presente que a atenção a rocha solta deverá ser uma constante.


Muros superiores.


Felizmente, o largo mais precário da nossa via tinha sido ultrapassado: o quinto lance que, apesar de não representar nada de muito escabroso, continha alguns blocos ameaçadores. “Numa situação de escalada sobre o mar, lá para os nossos lados, estes blocos já estavam a voar!” Comentei, ao mesmo tempo que tentava colocar os pés noutras presas mais saudáveis.

“Não mandes nada. Cuidado que agora anda gente lá embaixo!” A voz do Bruno denotava preocupação.

Mesmo a propósito, o lance reservou-nos um momento de emoção, quando ao içar o petate, soltei um bloco do tamanho de um micro-ondas que voou sob o olhar impotente do Bruno. “PIEDRAAA!” Gritámos em uníssono. A pedra estatelou-se no solo e rebolou alguns metros até se deter no meio de algumas arvores. Nem sinal de mazelas, queixumes ou vozes iradas de punho erguido com promessas de violência. O local retomou a calma habitual.

Fixámos a segunda corda estática e também a corda dinâmica. Rapelámos até à base da parede. Tentaríamos terminar a via no dia seguinte.


Bruno a rapelar o terceiro lance pela corda fixa. Na foto pode-se apreciar a inclinação do tecto.


A primeira parte da manhã seguinte foi passada a jumarear as cordas instaladas na parede. Um atrás do outro, vagarosamente, lá fomos ganhando o terreno vertiginoso conquistado nos dias anteriores até completarmos os 175 metros que nos separavam do solo.


A jumarear o tecto com muito ar debaixo dos pés.


Os planos originais para o Douro Internacional incluíam a realização da ascensão em técnica de Bigwall onde iríamos utilizar a hamaca que nos permitiria “viver” na parede durante a abertura da via.

Quando o mau tempo nos empurrou para o El Chorro, mudámos de estratégia. O facto de passarem pessoas com uma certa regularidade junto à base das paredes condicionou imediatamente o método de escalada. “Viver” na parede implicaria muito mais manobras e um incremento no peso a içar, o que aumentaria de forma substancial o risco de deslocar pedras.

Por outro lado, devido ás características da própria via, seria muito difícil concluir a escalada num único dia. Assim, a solução de compromisso foi fixar cordas suficientes para permitir um “ataque” final mais descontraído, sem pressões ao pôr do sol nem épicos nocturnos em território desconhecido.


E mais uma "jumareadela" tediosa antes de retomar a escalada "à séria"!


À esquerda da quinta reunião erguia-se uma enorme placa de calcário cinzento com um aspecto muito sugestivo.

O Bruno resolveu aquele que se transformou no lance mais estético e também o de maiores dimensões de toda a via: uma placa com uns 45 metros, excepcional, de boa rocha e aderência, com um “crux” no final constituído por alguns passos de bloco com os pés em presas indecentes (ou inexistentes?).


De novo em acção! Bruno a iniciar o lance mais espectacular da via.


"Párriba!"


“Atenção aí!” Com as energias a drenarem-se via antebraços o Bruno tentava proteger convenientemente os últimos movimentos. Finalmente, após um curto descanso num friend suspeito, conseguiu resolver o problema e alcançar uma plataforma exígua para montar a reunião.


A meio do sexto lance.


Bruno a aproximar-se do crux do largo. Os braços pedem descanso.


Escalei o lance com desfrute, admirando a estética do itinerário onde não foi necessário abandonar qualquer piton, cordeleta ou plaquete. O “crux” travou o ritmo e rapidamente fiquei sem saber onde colocar os pés. Sem mais nem menos, abaixo dos joelhos, pendiam agora dois apêndices inúteis que tentavam em vão recolocar-se na rocha. Incapaz de realizar o passo com algum brio, engoli o orgulho e toca de subir a coisa ao bom estilo de escalada livre... de preconceitos (!).


A sexta reunião.


“Roxo, por aí NÃO!” Fui proibido terminantemente de tentar sequer uma travessia para a esquerda da reunião, através de um edifício de grandes lastras que se mantinham em consola. Uma rápida inspecção concluiu que as lastras estavam de facto apoiadas em... nada! Com efeito, tinham sido as fissuras produzidas por essas mesmas lastras o que nos atraiu desde a reunião anterior. As fissuras convidativas prometiam uma saída rápida e lógica. Para o Bruno, o convite transformou-se em horror quando verificou o estado precário da estrutura. Nem se atreveu a tocar naquilo, quanto mais colocar ali alguma peça de material.

A alternativa mais viável parecia ser um muro compacto que se erguia directamente da reunião. A sua escalada implicava o uso da máquina para colocar alguns expansivos.


A preparar-me para colocar uma plaquete.


"Ok! Agora posso continuar!"


Optámos desde o inicio por utilizar a máquina porque imaginámos a possibilidade de encontrar lances mais compactos e sem fissuras. O uso moderado dessa “batota” permitiria ultrapassar as secções mais lisas com mais celeridade.

Tardei mais tempo que o desejado a resolver os passos em escalada artificial, onde abandonei três plaquetes e dois pitons. Para cima restavam uns vinte metros de escalada mais fácil e com estrutura.


Rocha mais compacta onde utilizei os estribos. Á esquerda avistam-se as fissuras convidativas mas, as lastras que as formam encontram-se apoiadas em... ar!


"Ei! O pé aí! Tira o pé!"


Assegurei o Bruno que rapidamente traduziu os passos mecânicos de artificial em movimentos mais elegantes de escalada livre.

A partir daquele ponto a parede perdia inclinação de forma evidente. Restavam uns 50 metros de trepada fácil por entre alguns blocos de aspecto instável até alcançarmos a aresta. O meu “chip” alpinista impelia-me a continuar. De alguma forma, à semelhança com o que se passa nas montanhas, parecia que esta aventura não estaria completa sem um pequeno cimo. Mas, as cordas fixas mais abaixo obrigavam-nos a descer para as desmontar. Rapelar desde o topo da falésia suponha uma probabilidade demasiado alta de deslocar pedras. Pesando prós e contras decidimos terminar a nossa via no final das dificuldades, ou seja, exactamente no ponto onde nos encontrávamos.


Restava equipar as reuniões para descer. "A ver se temos bateria!"


Fim... da via... falta a descida.


O ultimo rapel reservou-nos uma surpresa, digamos... espinhosa!

A linha de descida desde o grande tecto correspondente ao terceiro lance depositou-nos mesmo por cima de um imenso jardim de... cactos!

“E agora?”

“Agora, vamos sofrer um bocadinho!”

A perspectiva de rapelar directamente para o interior de um campo de cactos era tão “sui géneris”, tão original, que a única coisa que nos veio à cabeça foi rirmos da nossa própria situação.


!!!


Á medida que descia hesitante em direcção aos cactos, imagens de banda desenhada e cartoons enchiam-me o cérebro, nomeadamente aquelas em que o personagem mais desgraçado saía de uma situação semelhante, aos gritos, a correr desalvorado, com as nalgas pejadas de espinhos.


!!!!!!


Imaginava também a reacção das pessoas no solo, que naquele momento poderiam estar a observar: um campo enorme de cactos, folhas carnudas e espinhosas a voar 40 metros e a aterrarem com um som seco. De repente, do meio dos picos, um louco agarrado a uma corda, com um olhar esbugalhado pela dor...

Na segurança confortável do chão demos finalmente o abraço de celebração pela aventura terminada.

Agarrados a nós ainda estavam todas as cordas, mochilas e demais quinquilharia que fomos desmontando pelo caminho, qual “carro-vassoura” sobrecarregado.


"Carro-vassoura!"


Uma das testemunhas do ultimo rapel aparatoso aproximou-se. Um tipo alto e andrajoso, com uma pinta germânica, cuja cara transmitia o ar de quem acabava de confirmar a existência de seres extra-terrestres. Impunha-se a questão fundamental, talvez aquela que mais o inquietava:

“Why so many ropes?!”


Paulo Roxo


Topos da via: