EXPEDIÇÃO NANGMA VALLEY 2013
Primeira parte
ATÉ AO CAMPO BASE
O nosso campo base. Impossivel pensar num local melhor!
Ao contrário do que nos é normal, desta arrumámos tudo um pouco à pressa e no último fim-de-semana antes da partida.
Com o cérebro inundado de insegurança por alguns
acontecimentos recentes no Paquistão, na última semana antes do dia em que
estava marcado o voo para Islamabad, 15 de Agosto, decidimos ir!
Tudo parecia estar contra nós, até a transferência bancária
que tinha feito à última da hora deu buraco!
-Sim? Queria apenas saber acerca da transferência bancária
efectuada no dia 9, já que até hoje (dia 14 de Agosto) o dinheiro não saiu da
minha conta.
- Não temos registo de qualquer transferência! Para onde
foi?
- Paquistão.
- E para que serve a transferência?
- Para pagar uma agencia relativa a uma expedição de
alpinismo.
(Ouvi os pensamento do outro lado do telefone...”Paquistão? Terrorismo?
Alpinismo? Cheira aqui a esturro!!!”)
- E pode enviar-me comprovativos de que é mesmo para esse
fim?
Após muitas chatices e algumas trocas de galhardetes
infantis do tipo “A culpa é tua! Vou fazer queixa!...” (mas de uma forma mais
elegante), às 16:30, já o banco estava fechado, quando lá passei para levantar
em mão o dinheiro que serviria para pagar a agência que contratámos para
assegurar toda a logística até ao campo base...mais uma preocupação para os
nossos neurónios stressados, em vez de pilim transferido, tínhamos de levar
durante a viagem, todo o dinheiro do pagamento connosco!
Para não dar descanso ao nosso cérebro, a internet
enfiou-nos mais uma notícia pelos olhos dentro: para o dia da partida, haveria
greve da Groundforce! Ou seja, será que iríamos conseguir voar? E se voássemos,
será que toda a bagagem voaria connosco?
Assim passámos a noite de dia 14 para 15 de Agosto, ansiosos
e quase sem dormir.
No aeroporto, pelas três da tarde não parecia haver muita
confusão. O placard indicava que o voo estava atrasado apenas 20 minutos e as
indicações do check-in tranquilizaram-nos. À partida não se esperava qualquer
problema.
Despedimo-nos dos meus pais e do Presidente e secretário da
Fundação do Desporto (Luis Santos e Artur Madeira), que fizeram questão de nos
ir desejar boa sorte, e encaminhámo-nos para o McDonald do aeroporto. Queríamos
degustar um último gelado com topping de amêndoas antes de passarmos as
próximas semanas sem este tipo de petiscos.
No Aeroporto, com (da esquerda para a direita), a mãe da Daniela (bem entretida à conversa), Luis Santos e Artur Madeira, respectivos presidente e secretário da Fundação do desporto, uma das entidades que apoiou monetáriamente a expedição. A segunda entidade que apoiou monetáriamente, está representada nas t-shirts que envergamos: o Clube de Montanhismo da Figueira da Foz.
Só sentimos algum alívio quando as rodas do avião se
separaram em definitivo da cidade de Lisboa e vimos, a cada minuto, mais pequenas,
as modernas habitações da velha Europa.
Na hora das refeições optei por vinho branco, despedindo-me
também deste néctar, proibido em terras islâmicas. Grau a partir dali só mesmo
o das escaladas!
Horas depois descansávamos 17 longas horas no riquíssimo
aeroporto do Dubai, com aquela mesma sensação de quem passa por um aeroporto na
Suíça...tudo caro!
No Aeroporto do Dubai, 17 horas de espera para o voo que nos levaria a Islamabad!
Dia 17 perto das duas da manhã, as rodas do avião colaram-se
ao chão quente de Islamabad e assim começou uma das maiores aventuras das
nossas vidas.
Queríamos naquele mesmo dia de manhã voar para a pequena
cidade de Skardu, capital do Baltistão que fica “a centímetros” da cordilheira
do Karakorum.
Voar, porque de avião levaríamos pouco mais de uma hora
entre as duas localidades, contra 25horas sem parar, no caso de irmos por
terra.
Mas a sorte não estava do nosso lado e nesse dia não voámos.
Nem nesse dia, nem no seguinte, pois os voos para Skardu foram cancelados. Os
aviões para aquele povoado só levantam quando estão garantidas condições de bom
tempo (isto é, céu sem nuvens), já que a aterragem no vale de “Skardu” é
literalmente feita “à vista” (pois é, o aeroporto -ainda- não tem radares!) e o
bom tempo, esse sim fez greve!
À saída do hotel em Islamabad, numa das duas viagens de táxi até ao aeroporto, na esperança de apanhar o avião para Skardu.
Muito, muito reticentes, lá nos resignámos a ir por terra,
percorrendo mais uma vez os longos e penosos 600km da Karakorum Highway, antiga
Rota da Seda. Mas destas, entrámos na Van que nos estava destinada mais
nervosos que da última vez (há alguns anos). Para além de termos um só condutor
para todo o percurso, sabíamos da tensão que se vivia entre Besham e Chilas,
terras que se encontram sob domínio não oficial de Talibans. No final, a
situação mais nervosa prendeu-se mesmo foi com o condutor! Imagina-se que após
23h seguidas de condução, o cérebro já não esteja nas suas melhores condições,
e assim foi! Algures pelas 3 da manhã, já perto de Skardu, os neurónios do
condutor começaram a bater castanholas, ou melhor, as castanholas deixaram de
bater e o tipo seguia meio a dormir num trecho de estrada cheio de curvas e
precipícios. O rio, seguia bem acordado lá em baixo. A carrinha andava agora
mais devagar do que era normal, por vezes quase a parar, por vezes com
solavancos de velocidade. O Paulo, não tirava os seus olhos (àquela hora bem
esbugalhados) do condutor, e após lhe dizer váááriiias vezes que seria melhor
parar para descansar um bocado (não fossemos todos nós fazer uma visita às
trutas lá em baixo!), o tipo lá parou de lutar contra o sono, e ali, no meio da
escuridão, adormecemos todos uma hora.
Dois momentos na Karakorum Highway.
Algures pelas 5 da manhã chegávamos, absolutamente desfeitos
(mas vivos!), a Skardu.
Depois de poucas horas de sono no hotel, insistiam connosco
que tínhamos de ir almoçar. E ai daquele que não corresponda à primeira
chamada! Primeiro é o telefone a dizer que o almoço está pronto, depois é outra
vez o telefone a dizer que o almoço está na mesa, depois ainda, estão a
bater-nos à porta com se fossemos crianças “Please sir, come to luch, lunch is
getting cold”...que chatos!
Só depois percebemos que a mesa não era só para nós!
Esperava-nos uma simpática pandilha. Altaf, o cozinheiro que conhecemos de
longa data e que nos recebeu alegre, sorridente e de braços estendidos. Tahir,
um dos 3 irmãos donos da agência que contratámos, o mais novo, afável e
simpático.
O dia passou demasiado depressa, entre as ultimas compras e
as ultimas arrumações, não nos deu tempo para descansar.
Skardu e o hotel Masherbrum... todo um luxo!
No dia seguinte de manhã bem cedo, estávamos novamente
enfiados na estrada, desta numa muito mais pequena viagem, 5 horas de jipe
entre Skardu e a ultima aldeia, Kande, mesmo na boca do vale do Nangma, de onde
são tanto o Altaf, como o trio de irmãos da agência.
E como são dali, ainda naquele dia tivemos um resto de dia
familiar, partilhando chás e bolachas com a família do Altaf.
A aldeia de Kande mesmo às portas do vale do Nangma.
Montámos "campo base" no pátio da escola de Kande, sob o olhar curioso da miudagem local (e não só, pois na verdade, a chegada de estrangeiros é sempre um motivo de animação na aldeia). No dia seguinte iriamos iniciar a aproximação às montanhas.
No dia 22 de Agosto calçávamos pela primeira vez as botas de
trekking para iniciarmos a caminhada de aproximação, que partimos em dois
tranquilos dias. No primeiro, pernoitámos no “Mingulu Camp”, um prado relvado e
com boas sombras, regado por regatinhos de água límpida e imaculada... um
deleite para o nosso corpo cansado e para a nossa mente exausta. As vistas já
nos permitiam sonhar. Já aqui percorríamos com o olhar, possíveis linhas nas
enormes paredes de granito, possíveis aberturas, pequenos grandes sonhos que
ficariam por concretizar (precisaríamos de pelo menos 6 meses...de bom tempo,
para fazermos metade do que imaginámos). Vimos pela primeira vez a “Great
Tower” um gigantesco massacote que nos levou a pensar “Esta é para os russos!”,
a “Chingu Charpa” e outros enormes penedos graníticos.
A caminho. Uma das pontes que atravessam o rio furioso. Mais acima estas desaparecem e algumas passagens "a vau" são obrigatórias.
O "Mingulo camp", a poucas horas de Kande. Os carregadores gostam de parar nestes prados paradisíacos. Na verdade é um local agradável para passar o dia.
A Daniela a engordar a cabra, dias antes do inevitável desfecho...
Os prados verdes deste e de outros vales são os locais perfeitos para alimentar o gado pertencente à população de Kande.
Acompanham-nos as vistas sobre torres e paredes impressionantes, muitas completamente virgens.
No segundo dia, o campo base deliciou-nos. Montámos as
tendas numa espécie de areal. A oeste, uma verdejante vertente de onde escorria
abundante água de nascente, levava a uma parede granítica com cerca de 1000m. A
leste, uma imensa parede com os seus 700 ou 800m. Mais abaixo, para além de
mais e mais paredes, chamavam a nossa atenção quatro agulhas de granito, quatro
irmãs, quatro torres que se erguiam, como que nascidas de repente do chão
glaciar, cada uma delas com cerca de 250 a 350m.
A torre mais pequena em primeiro plano chama-se "Zang Brakk" e já possui algumas vias. A maior atrás, continua por escalar. O famoso vale do "Amin Brakk", está à direita, fora da foto.
Os colossos de granito, "Great tower" e "Chingu Charpa".
Os cinco pilares de granito (sem nome) que nos maravilharam durante os nossos dias de campo base. Um mundo interminável de escaladas. Lá atrás, à direita da Daniela, a "Great tower".
O campo base. Eramos a única expedição no vale, num local perfeito e de vistas largas. Lá ao fundo, o maciço do K6 (7200m) e à esquerda, junto à base da montanha pode-se observar o inicio do glaciar sem nome que conduz ao Kapura (6544m), a montanha para a qual dirigimos os nossos sonhos.
Estas paredes sem nome, com uns 700m, erguiam-se mesmo à direita do nosso campo base, a 1h30 de distância...
... e estas, a 0h45 de caminhada, à esquerda do campo base. 1000 metros de granito. Duas vias! À direita, ali estava a "Parede das fissuras", baptizada por nós e caracterizada por dezenas de fissuras verticais de todos os tipos. Zero vias!
Um verdadeiro mundo de rocha
por explorar, intocado por pés-de-gato. Mas, o nosso olhar e os nossos sonhos
apontavam noutra direcção, para o fundo do vale, para os monumentais portadores
das neves eternas. Ali passaríamos alguns dias das nossas vidas.
Daniela Teixeira
A expedição Nangma Valley 2013, foi patrocinada pela FUNDAÇÃO DO DESPORTO, pelo CLUBE DE MONTANHISMO DA FIGUEIRA DA FOZ e pelas marcas RAB, DMM e STERLING.
Mapa do Baltistão (capturado na net).