OS ESCALÕES E AS ESCALADAS
Uma reunião com estilo... antes das plaquetes!
Algumas pedras mais periclitantes foram atiradas ao vazio e
um par de horas depois aterrei na varanda intermédia, na parte alta da parede,
que permite escapar (ou aceder) comodamente. Uma oportuna criação da Natureza.
Na futura linha, reconhecida desde o cimo, deixei uma
reunião e umas poucas plaquetes disseminadas em pontos mais expostos e difíceis
de proteger.
O plano inicial era continuar por ali abaixo até à linha do
mar. Mas, na plataforma, reconsiderei. Será que me apetecia manter o estilo
“batota”, ao longo de toda a parede?
A paisagem incansável desde a falésia dos Pinheirinhos.
Nos Pinheirinhos, até à data, convivem vários estilos de
aberturas. As poucas vias desportivas, por definição, foram equipadas desde o
cimo. Existem também algumas “clássicas” que foram semi-equipadas desde o cimo
e posteriormente inauguradas mas, a maioria, foram abertas desde baixo, à vista
e muitas das plaquetes foram colocadas à mão, recorrendo à energia “braçal”.
Após alguns minutos de reflexão, cheguei à conclusão que o
melhor seria mesmo voltar para casa e retornar noutra altura, com a motivação
para escalar a nova via desde baixo. Eticamente, indiscutivelmente, seria o
caminho mais correcto.
Assim, num dia adequadamente fresco, a Daniela e eu
arrumámos a “trouxa” e, lá fomos à conquista de uma nova linha.
Como noutras tantas vezes, descemos o trilho principal dos
Pinheirinhos para nos posicionar por baixo da estética parede vertical do
sector “Flanco esquerdo”.
Com os olhos e a imaginação traçámos um risco ao longo da
falésia através do espaço aberto ainda existente entre a “Humidade relativa” e
a “Quem vem aí?!”. Parecia uma linha tecnicamente exigente pois seguia por
placas sem fissuras aparentes. Mais acima, avistava-se uma secção de calcário
amarelo e extra-prumado, que adivinhámos complicado. Certamente um “osso duro
de roer”.
No primeiro lance da futura via.
A iniciar o excelente segundo lance da via.
A Daniela a sair do segundo lance de desfrute.
O segundo lance com o mar por baixo dos pés.
Sentia-me satisfeito por não ter sucumbido à preguiça de
reconhecer aquele troço de parede desde o cimo. Sendo perfeitamente honesto,
considero que reconhecer, limpar e equipar desde o topo, constitui uma forma
deselegante de escalada. Algo a ser relativamente menos valorizado. Se existisse
uma escala de valores para o “estilo de abertura” – como as escalas que
utilizamos para valorizar o grau de dificuldade – uma via reconhecida desde o
cimo mereceria um valor muito inferior quando comparada com uma abertura
realizada integralmente desde baixo.
A iniciar o terceiro lance e o crux da via, uma placa intensa aberta de baixo com o apoio dos estribos. Mais tarde voltámos para a respectiva "liberação".
No seguimento do espectacular terceiro lance da escalada, no dia da abertura.
Uma proposta para matizar o estilo adoptado aquando da
preparação e primeira ascensão poderia ser, por exemplo: “Escalão A”, para vias
inauguradas desde baixo “à vista” e “Escalão B”, para vias reconhecidas e equipadas
desde o cimo. Seria no mínimo estranho mas, pelo menos, teríamos mais um
elemento informativo acerca da história de uma escalada.
Exposto este palavreado sobre estilos perfeitos e
imperfeitos devo dizer que, em algumas das aberturas nas quais participei ou
realizei, adoptei o tal estilo preguiçoso de “Escalão B”. No entanto, também
reconheço facilmente que me deu algum gozo suplementar escalar posteriormente essas
vias, sem o stress habitual do desconhecido, dos blocos soltos e com o
equipamento light e optimizado, calculado em antemão, graças às estratégias
“pobres” da preparação prévia em rapel.
Na primeira intentona a Daniela e eu abrimos os dois
primeiros lances da via. Passados alguns dias, retornámos para a terminar e,
foi o terceiro lance que apresentou as dificuldades máximas. Utilizando a
máquina e recorrendo ao artificial, ultrapassámos a secção mais dura da
escalada, deixando para trás um muro compacto, equipado com o mínimo de
expansivos.
O petate e a escaladora, no terceiro lance da via.
O ultimo largo para relaxar e apreciar a exposição e o ambiente.
A Daniela a terminar a via. "Check!"
Mais tarde retornámos, pois meti na cabeça que iria tentar
forçar a nova via em livre (a Daniela dispensou o esforço e reduziu os passos
de artificial com estribos a alguns puxões em A0) e lá saiu uma bonita sucessão
de movimentos duros, com o crux obrigatório em travessia, protegido por um
piton solitário – para dar ambiente à coisa!
Durante a repetição da via, a Daniela desfruta no ultimo lance.
Baptizámos a nova criação de “Invera”, que consiste na fusão
entre as palavras Inverno e Primavera.
Nesse dia, aproveitámos ainda para sair pela nova via que
esperava uma escalada, na parede superior, à esquerda das desportivas da “Cova
das ovelhas”, depois da plataforma da “Varanda”, a tal com a qual comecei esta
historia, a tal preparada desde o cimo… a tal de “Escalão B”.
Após algumas horas de luta, inaugurámos a "V.A.n.N." (nome de
código **) que percorre um primeiro lance longo de formações grotescas e
intimidativas e um segundo largo para escapar, muito menos intenso e mais
curto.
Dois momentos na abertura da "V.A.n.N."
Ficam assim explanadas as considerações e reflexões relacionadas
com as duas ultimas vias acrescentadas à colecção dos Pinheirinhos.
Vias de “Escalão A e B”.
Paulo Roxo
Summit again! E a respectiva foto-cume.
** "V.A.n.N.": iniciais para "Vão Apanhar nas… (!)".
Os topos: