segunda-feira, novembro 23, 2020

Solo

SOLO 


Vignemale, há 19 anos...


Há pouco tempo, ao vasculhar os meus canhandros - aquele caos de memórias de aventuras esquecidas - , descobri umas pequenas folhas amassadas, já meio descoloridas, mas de aspecto familiar. Tratava-se do único testemunho escrito que relata, de uma forma demasiado sucinta, aquela que considero como uma das minhas mais inspiradas escaladas: a ascensão em solo integral e à vista do corredor Arlaud-Soriac (700m, MD+), no maciço do mítico Vignemale, nos Pirinéus.

Não foi num passado demasiado distante, mas também não foi ontem!


As fotos que acompanham o texto são cópias de slides, obtidos em 2001.

 

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No Inverno de 2001, vivia naquele limbo existencial, entre as montanhas e uma Fiat Ducato - uma velharia com uns 20 anos - transformada em casa ambulante, que me servira de abrigo durante 18 meses de deambulações alpinas.

No mês de Abril, após uma aventura invernal no Vignemale, o meu companheiro, Nuno Soares (Larau), teve de retornar aos seus compromissos profissionais. No entanto, durante as horas da caminhada de regresso, enquanto apreciava as montanhas em redor, uma ideia germinava na minha cabeça.

O Larau abandonou o estacionamento e eu fiquei para ali, sozinho, a matutar…

“E se…?”

Por via das dúvidas, não fosse realmente decidir-me a concretizar o plano, preparei o equipamento. Comi qualquer coisa e, devia pensar em dormir um bocado, afinal, tinha acabado de descer do refúgio nem fazia uma hora.

Deitei-me e… não dormi!


O magnífico Vignemale!



Às 2h30 da madrugada, abandonei a carrinha no estacionamento de Pont d`Espagne e, mochila ligeira, mente focada, pus-me a caminho, refazendo o trilho nevado pelo qual havia passado poucas horas antes.

Tardei pouco mais de duas horas a chegar ao refúgio. Eram as 4h45 e, reinava o silêncio. O refúgio estava ocupado por mais alpinistas que dormiam nas camaratas. Muito em breve iriam começar a emergir dos casulos quentinhos dos sacos-cama e cobertores, para a dor momentânea da madrugada fria e negra. A maioria iria escalar o famoso Corredor de Gaube. Outros, iriam para outras vias, quiçá, para a “minha” via, a Arlaud-Soriac e, isso, constituía um problema para mim. Não queria ter ninguém por cima a lançar-me detritos de gelo mas, sobretudo, não queria que soubessem do meu plano, antes de o concretizar. Não queria que me fizessem perguntas sobre o que tencionava tentar. Planeava uma escalada em solo e, não me apetecia ser influenciado negativamente por nada, por opiniões, nem sequer por informações acerca do estado da via.

O Vignemale não é uma estranha para mim. Em 1992, conheci-a da forma mais profunda e visceral que alguém pode conhecer uma montanha. Na verdade, da forma mais dolorosa. Uma queda de 15 metros na última cascata do Corredor de Gaube, resultou nas duas pernas partidas e num longo processo de recuperação física. A reabilitação mental foi a mais penosa. No entanto, para me ajudar a superar os traumas, possuía a melhor arma secreta que alguém poderá ter jamais: a juventude! Com 22 anos, qualquer muralha, por mais alta que possa parecer, rapidamente se transforma numa pequena barreira, ultrapassável com algum treino. Porém, aquele acidente delapidou para sempre a certeza da imortalidade, tão comum, quando se é novo. Cresci!


O amigo "Toño", de Riglos, a escalar a última cascata do Corredor de Gaube. Nesta actividade, (2001), tentámos o Corredor Y, à esquerda do Gaube mas, as más condições daquela via, levaram-nos a realizar mais uma repetição do Corredor de Gaube. A fotografia mostra o local do meu acidente, em 1992.
Hoje em dia, devido à recessão do glaciar, na face sul, esta cascata quase não se forma. Era o glaciar que, "escorrendo" para norte, alimentava o gelo do Corredor de Gaube.



Depois do acidente, retornei algumas vezes ao Vignemale. A minha primeira ascensão (efectiva) ao Corredor de Gaube, resultou num processo “espanta-fantasmas”. Vários medos ressurgiram, durante a escalada daquela fatídica cascata final, vertical e com 40 metros. As assombrações do passado reapareciam a cada estocada de piolet. No entanto, o passar do tempo, a experiência acumulada e a familiaridade ao terreno de alta montanha, minorou de forma significativa as mazelas psicológicas do acidente, deixando algumas físicas, com as quais ainda convivo diariamente.

Voltei ao Vignemale para tentar outras vias e escalei o Corredor de Gaube mais três vezes, com diferentes companheiros, incluindo clientes. Os fantasmas do passado tinham-se evaporado definitivamente.


Uma secção fácil do Corredor de Gaube, onde não utilizámos a corda.



No interior da sala do refúgio, a luz tépida da chama do pequeno fogão amenizava a escuridão. Só e em silêncio aquecia um chá, antes de enfrentar de novo a fria madrugada.

Às 6h15, saí do refúgio. O fogão e o pouco equipamento supérfluo tinham ficado dentro de um dos cacifos. Também a mochila ficou para trás.

Os meus entusiasmos são muitas vezes alimentados por pequenos detalhes. Detalhes aparentemente insignificantes que funcionam como catalisadores. Uma ideia, uma peça de equipamento por estrear, uma determinada morfologia rochosa, um pensamento. Naquela noite, o pormenor que mantinha acesa a chama que impulsionava o espírito era uma frase que tinha lido num artigo sobre alpinismo, uma espécie de mantra, que o meu subconsciente repetia uma e outra vez: “Se tu pensas que PODES necessitar de alguma peça de equipamento, não a leves! Leva aquilo que EFECTIVAMENTE vais utilizar!”. Tinha decidido não levar sequer mochila, ou seja, seguindo o mantra, seria uma escalada levada a cabo da forma mais ligeira que me podia ocorrer… extremamente, radicalmente, ligeira! Posteriormente, apontei a lista de equipamento na pequena nota amassada:

“- Arnés

- 1 parafuso de gelo

- ½ litro de água numa garrafa preparada para suspensão ao arnês

- Frontal

- (Obviamente!) Piolets e Crampons (mono-ponta)”

Escrevinhei ainda:

“Ah!... Como não transportei mochila levei também uma pequena bolsa de cintura com:

- Algumas bolachas (Maria)

- Uma barra de Isostar (que não comi – não suporto!)

- Algumas pastilhas Isostar energéticas (isso sim, vale a pena!)

- E… caramelos (a minha fraqueza em guloseimas)”


O corredor de Gaube em 2001. O círculo marca dois alpinistas já acima da rimaya da entrada.



A neve recém-gelada quebrava debaixo dos crampons a cada passada, produzindo um ruído característico, o “crunch-crunch” ritmado e monótono, reconhecido por qualquer alpinista. Um céu impossivelmente estrelado iluminava a noite tranquila, congelada, como a própria temperatura.

Curiosamente, não me recordo de qualquer pensamento negativo. Nada! Caminhava em direcção a uma goullote de gelo com quase 700 metros que nunca tinha escalado, da qual não possuía qualquer informação e para a qual não levava sequer corda, ou qualquer equipamento de relevância, por forma a prevenir algum… incidente… no entanto, estranhamente, interiormente, sentia-me calmo, sereno, equilibrado. Todas a variáveis, equações, dúvidas ou medos, tinham-se diluído no exacto momento em que a decisão fora tomada. Ainda não o sabia, mas a decisão fora tomada ainda no estacionamento, logo a seguir ao abraço de adeus ao Larau, talvez até horas antes, enquanto descíamos do refúgio. O mesmo refúgio do qual partia agora, para cima, para a montanha. Todos os vectores convergiam numa só direcção: a certeza que tudo iria correr de feição.

Tardei pouco mais de uma hora em alcançar a base da Arlaud-Soriac. A claridade do amanhecer revelava um céu glorioso, pálido ainda, a caminho do azul intenso.


O Corredor Arlaud-Soriac está marcado pela linha vermelha. A seta marca o Corredor de Gaube, o mais famoso e repetido do Vignemale. O Corredor Y é o braço evidente que parte do Gaube para a esquerda.



De piolets em punho observo o cavalo que pretendo domar. As condições da via parecem-me perfeitas. “Vamos a isso!” – digo em voz alta.

A primeira parte do corredor com 60 graus de inclinação foi fácil e serviu como um aquecimento de motores. Pouco depois, surgiu a primeira cascata de gelo. Escalei-a num ápice. Sentia-me seguro e confiante… invencível.

A cascata seguinte mostrou-me os dentes. Uma pequena prancha de rocha vertical, quebrava a continuidade do gelo. Um ressalto inesperado. Observação, análise, decisão! Ainda no troço de gelo anterior, estiro o braço esquerdo o mais que posso, tentando que o piolet alcançasse o troço de gelo seguinte, evitando o passo impossível de rocha. Uma estocada… nada! Segunda estocada… nada! Terceira estocada… o piolet parece aguentar. “Parece aguentar” não é suficiente. O piolet TEM de aguentar! Quarta estocada… Quinta. O piolet vibra. Ok! O passo toma uma direcção ligeiramente em diagonal para a esquerda. Confiando que o piolet está solidamente cravado no gelo, coloco o piolet direito no ombro, levo a mão livre ao piolet cravado (durante alguns segundos agarro-me com as duas mãos à mesma ferramenta, a única que me agarra à cascata e… à vida), deixo balançar um pouco o corpo ao mesmo tempo que engancho a ponta do crampon esquerdo numa exígua saliência rochosa. Ergo o pé direito e desfiro um só golpe certeiro de crampon, procurando o eixo de equilíbrio. Volto a agarrar o piolet suspenso no ombro, desta vez com a mão esquerda. A troca de mãos no mesmo piolet permite-me tentar cravar ainda mais à esquerda, onde o gelo parece mais “saudável”. De novo, procedo ao ritual das estocadas até atingir o resultado ideal. Após três golpes o piolet vibra. Ok! Desta vez tenho de me erguer no crampon esquerdo que se aguenta precariamente na pequena saliência de rocha. Com cuidado, procuro o novo ponto de equilíbrio, desencravo o piolet direito, realizo um arco por cima do ombro e, num só golpe, cravo-o mais acima. Yes! – grito. Passo resolvido. Rapidamente escalo os metros seguintes com bom gelo. Naquele momento, soube que nunca iria poder destrepar aquela passagem. Pouco importava. A opção não me passava sequer pelo cérebro.


Uma das notas que escrevinhei, após a escalada da via. Uma miserável folha de papel, dobrada em quatro, é o único "documento" que possuo que testemunha a minha ascensão.



Um novo muro vertical apresentava o próximo desafio. Felizmente, o gelo encontrava-se em perfeitas condições e com quantidade suficiente para progredir sem sobressaltos. Acerca desse troço escrevi uma nota: “Gelo vertical (90 ͦ) em cerca de 6 metros, com ´ancragens` a ´explorar`.”

Alguns metros depois, a cascata reduziu um pouco a sua inclinação ao mesmo tempo que apertava a chaminé. Se pudesse soltar as mãos e abrir os braços conseguiria tocar em ambas paredes da garganta. Encontrava-me, literalmente, nas entranhas da montanha. Agora escalava com mais soltura, o terreno assim o permitia.

No final do corredor mais estreito, a uns 400 metros da base, deparei-me com um obstáculo. Um golpe psicológico! “E agora?” Analiso a situação. À minha esquerda erguia-se uma parede de rocha vertical, impossível de ultrapassar (mesmo com corda). À minha direita, uma estreita “escorrência” de gelo “trepava” até ao topo de um pequeno promontório que parecia terminar também em rocha. Ali, ocorreu o único momento de dúvida da ascensão. “E agora?” – repeti. Na verdade, não tinha alternativa senão optar pela “micro-goullote” da direita. Cravei o piolet. O gelo era de qualidade, escasso, mas de qualidade. Como não havia hipótese de colocar os pés lado a lado, tive de ir subindo um pé por cima do outro, cravando os crampons com bastante cuidado. Um escorregão estava fora de questão. Um pensamento ocupava-me o cérebro durante aqueles passos de escalada: “E se isto terminar efectivamente em rocha vertical?”


A "lista" de material que transportei. O parafuso de gelo servia apenas para me auto-segurar em caso de perigo extremo. Nunca o utilizei!



Atingi o topo do promontório e… à minha direita ali estavam, os duzentos metros restantes do corredor, não em gelo mas, em neve dura, de muito mais fácil progressão. Para alcançar o Nirvana tinha apenas que destrepar para o lado oposto da pequena aresta onde me empoleirava, evitando assim a parede de rocha e, alcançando o corredor. À medida que subia, fabricando uma escadaria de degraus pouco profundos na neve transformada, um misto de sensações debatia-se no meu cérebro. Misto de alívio e regozijo. Felicidade pura? Talvez isso.

O ponto focal, bem apertado na concentração máxima, podia agora alargar o seu horizonte. A "Zona", aquele estado cerebral difícil de alcançar e que nos permite realizar coisas perigosas ou difíceis, sem que o ritmo cardíaco se altere, desaparecia, como que diluído por um qualquer mecanismo misterioso. Podia agora ceder ao luxo de me distrair com outros pormenores, outros pensamentos.


O rabisco do croquis que fiz após a escalada do Corredor Arlaud-Soriac, onde apontei as condições encontradas. Esta e as notas anteriores (fotos anteriores), são os únicos escritos que documentam aquela ascensão. Como não transportei qualquer camera (peso a mais!), as fotografias não existem!



O vento frio recebeu-me na aresta, entre o Petit Vignemale e a Punta Chausenque. Detrás, encontrava-se o cume do monarca, o Vignemale com 3298m. Observei a vertente sul do maciço, mais suave e amistosa, iluminada por um Sol intenso de alta montanha. O relógio marcava as 9h30. A minha aventura a solo tinha demorado duas horas. Não escondia a sensação de orgulho. Celebrei sozinho aquela realização pessoal.

Sentei-me e olhei para trás. O vale profundo, branco de neve, estendia-se até aos bosques verdejantes, muitos metros mais abaixo. O refúgio Des Oulettes surgia na paisagem como um pequeno ponto colorido. Era para ali que devia descer. Pensava que iria encontrar outros alpinistas. Desta vez já podiam perguntar-me o que tinha escalado. Aquele pensamento suscitou um certo sentimento precoce de vaidade. 

Descendo pela via normal, desta vez em ritmo de passeio, parei a poucos metros do refúgio. Voltei a cabeça para encarar a imponente face norte do Vignemale, com os seus emblemáticos corredores de gelo. Um penacho de neve em pó surgiu da aresta de cume, projectado pelo vento. A montanha apresentava-se bela e impassível, indiferente a todos os sucessos, fracassos ou tragédias, acontecidos durante a breve história das “conquistas” humanas. Afinal, correspondiam apenas a meras fracções de segundo da sua vida geológica milenar.  

A minha escalada era alheia à montanha…

Assim como tem de ser…


Paulo Roxo




domingo, novembro 08, 2020

Fecunda indecisão

FECUNDA INDECISÃO


Mundo de tranquilidade.


Ainda não via as nuvens num céu indeciso quando acordei pelas 5 da manhã.

- Paulo, estás a dormir?

- Não. Que horas são?

- Ainda não tocou o despertador, pouco passa das 5!... mas já não consigo dormir!

- Então vamos levantar!

Cerca de uma hora antes do previsto, quem sabe pela falta que a rocha já nos fazia nos dedos - porque a chuva tem abundado - pulámos do aconchego dos lençóis para as fardas de escalada.

Pouco depois, já a nossa Berlingota acelerava rumo a norte, direcção? "Terra Prometida".

Tínhamos em vista uma via, mas a aproximação por um lado diferente das paredes encheu-nos as medidas… e os olhares esbugalhados e sonhadores fixaram-se num estético pilar com um bico. Um estético bico cortado a meio por uma fissura ainda mais estética.

Começou assim mais um rol de frases indecisas:

- Xiiii, olha ali! Já tinhas reparado naquele bico? Espectacular! E os diedros? Esta deve dar quê… uns 3 largos?

- Iá! Por aí.

- Está mais perto do que a outra via. Pode ser mais rápida! Será de ir lá?

- Hummm, será que o primeiro diedro tem fenda? É tudo muito vertical!

É assim que geralmente se instalam as dúvidas e os dias ganham contornos diferentes… muitas vezes, terminam sem via!

Dúvidas, dúvidas, muitos metros de dúvidas…

- Danielocas, se calhar é melhor seguirmos o plano original.

- OK!


Aqui já não havia indecisão. Era para cima!


E assim continuámos a aproximação à via previamente escolhida para aquele dia.

Mas as surpresas teimavam em não terminar. Já bem perto da parede, uma cerca de arame farpado impedia-nos de chegar à tão almejada parede e os minutos não deixavam de passar e o dia tornava-se a cada dúvida mais curto.

Entre trepar até uma árvore que poderia dar acesso à parede escolhida (ou não!) ou… ou… ou olhar para o lado e ver outra via num esporão que estava mesmo à mão de se escalar, ou ou… ou ir para o pilar do bico, decidimos pelo que nos parecia oferecer um dia de escalada… mais garantido, neste caso, mais fácil, em jeito de reconhecimento a um novo sector… e aos pés de gato por estrear que a mochila escondia – tenho medo da combinação pés de gato por estrear com via grande e nova!

Na base de um pilar com ar de não ser o mais interessante do sector, esvaziámos a mochila, protegemos as mãos com as mais que úteis luvas para fissuras e acomodámos no bandulho umas sandochas bem abonadas. Vendo bem as coisas, já era quase hora de almoço!

Por volta do meio-dia, demos início ao bailado na parede. O primeiro largo foi amável, próprio para quem já não tocava naquele quartzito há muitos meses e para quem já não fruía em aventuras verticais há umas semanas.

- Sinto-me perro! Estou todo atrapalhado e isto é uma cagada!

Sentimo-nos os dois perros durante cerca de 30m.

Para o aspecto inicial, pelo qual não daria boa nota à estética daquela via, a coisa até não saiu feiosa.

Já na primeira reunião, a coisa mudou de figura, a fissura vertical desenhada na parede já aumentava a nota atribuída à estética da via.


Após um pequeno tecto, o crux!


- Reuniããããoooo!

- Não precisas medir! Trinta meeeeetros! – gritei de uma cómoda plataforma.

30 magníficos metros, não me senti burlada pelo que o olhar abarcou da agradável primeira reunião.

Da segunda reunião, dois pares de olhos esbugalhados pousaram em mais uma “daquelas” fissuras… mais um largo com qualidade bem superior ao que esperava quando calcei os pés de gato na base da via.

 - Reuniããããoooo!

- Não precisas medir! Mais trinta meeeeetros! – gritei de outra cómoda plataforma.

A escalada regalou-nos com verticalidade, fissuras estéticas, boas presas, tudo o que povoa o imaginário de um par de escaladores ávidos por um dia bem preenchido.

- Reuniããããoooo!

- Não precisas medir! Mais trinta meeeeetros! – berrei novamente – Agora só faltava o último largo também ter… 30 metros!

Na última reunião debatíamos por onde seguir: pelo estético diedro ou arriscar pela placa vertical, esperando que por baixo da capa de musgo surgissem boas presas e fissuras nos sítios certos para proteger?

A placa não era clara e decidimos…pela placa!


O último lance mais fácil mas, de desfrute.


- Reuniããããoooo! Termina aquiiiiiiiii!

- 30 meeeetros! – gritei ainda com um largo sorriso estampado nos lábios, na cara, no corpo todo!

Contrariamente ao que tantas vezes acontece, a escolha pela placa revelou-se acertada. Por entre o musgo que nunca foi em demasia (bem nos enganou!), surgiam sequências de presas e apoios para os gatos, sempre em abundancia e nos sítios certos.

Eram as cinco da tarde quando nos encontrámos no topo da parede. A via que me tinha parecido “pouco estética”, na verdade meio “mastronça” vista de baixo, revelou-se muito, mas muuuuuuiiiito mais bonita do que a impressão que o meu primeiro olhar transmitiu ao meu encéfalo.


A sempre-clássica "foto-cume".


Pouco mais de meia hora demorámos a chegar novamente à Berlingota e poucos minutos depois, a noite tornou-se tão escura como quando acordei.

A pergunta “do costume” já tinha sido respondida no topo da parede: “E nome para a via?”


Daniela Teixeira


Os Topos