quinta-feira, fevereiro 19, 2009

O que é afinal o "Estilo Alpino"??

"Estilo alpino" é começar na base da via e terminar lá em cima, sem nunca voltar para trás?

NÃO!


Após as ultimas palestras, percebemos que anda aí uma grande confusão sobre o que é o "estilo alpino".

Se este estilo incluísse todas as ideias que nos foram transmitidas em diferentes comentários, podíamos concluir que "estilo alpino" é..."o que um homem quiser"!

MAS, quando eu e o Paulo no ano passado dissemos que gostaríamos de escalar um 8000 em "estilo alpino" estávamos a assumir determinadas regras/padrões éticos para fazer a ascensão.

Mas vamos por partes.

FAQS:

1 – Estilo alpino é escalar uma montanha, começando cá em baixo e terminando lá em cima? Sem nunca voltar para trás? Tudo de seguida?

Sim e não. Isso não chega para se considerar "estilo alpino"

2 – Podem usar-se cordas fixas no estilo alpino?

Não.

3 – Pode aclimatar-se na própria via de ascensão?

Não.

4 – Pode recorrer-se a oxigénio?

Não.

5 – Podem ter-se acampamentos de altitude já instalados?

Não.

6 – Podem levar-se carregadores de altitude?

Não.

7 – Faz sentido falar em estilo alpino nos Alpes, ou montanhas de semelhante altitude?

Não.

7a) – Porquê?

Porque em montanhas de pequena altitude não faz sentido montar previamente campos de altitude, como consequência, escala-se sempre em "estilo alpino", por isso não faz sentido apelidar desta forma a escalada (ver resposta do alpinsta Valery Babanov à segunda pergunta http://www.mountain.ru/article/article_display1.php?article_id=933).

Este nome, "estilo alpino", ganhou valor quando se começaram a aplicar as técnicas de escalada de montanhas de pequena altitude, às grandes montanhas, ou seja, quando em montanhas em que o mais vulgar é recorrer ao "estilo de expedição" (também conhecido como "estilo himalaiano"), se começou a optar por escalar com as técnicas utilizadas nos Alpes,de uma forma bastante mais ligeira. Este "estilo alpino" torna a escalada das grandes montanhas bastante mais dura e comprometida.

No "estilo de expedição", é tradicional aclimatar na via de ascensão. Durante este período, os alpinistas montam e abastecem os campos de altitude intermédios e muitas vezes instalam cordas fixas para se auto-assegurarem, diminuindo consideravelmente desta maneira o risco intrínseco à escalada. Seguindo esta forma de escalar, no período de ascensão (no ataque ao cume), já existe um conhecimento prévio da via e das suas dificuldades. O alpinista sobe também mais ligeiro (porque já não transporta tenda e viveres) o que lhe permite poupar energia durante a ascensão e consequentemente escalar mais depressa, aumentando assim as possibilidades de sucesso.

Se para além do referido a escalada for por uma "via normal", por múltiplos factores, a dificuldade da ascensão é ainda mais atenuada. A presença de um trilho já feito, por exemplo, faz com que o alpinista poupe também muitas energias.

E no "estilo alpino"?

Seguindo a ética considerada nos dias de hoje, para que uma escalada possa ser considerada em "estilo alpino" , o alpinista não pode aclimatar na via de ascensão, para não tomar conhecimento das condições em que a via se encontra. Para além das surpresas que tal pode trazer, isto faz com que, no período de ascensão, o alpinista tenha de transportar consigo todo o material que considera necessário para a escalada (tenda, comida, material de pernoita e material técnico). Claro que com isso a escalada vai tornar-se obrigatoriamente mais dura, é necessário despender mais energia!

Então se o alpinista leva tudo às costas, porque se apelida este estilo também de "light style"(estilo ligeiro)?

Porque tendo a necessidade de levar TUDO, a selecção do material é criteriosa. Para que a ascensão seja o mais rápida possível, o alpinista tenta de todas as forma aligeirar o peso que terá de carregar.

Posso dizer-vos que eu e o Paulo para o GII, para aligeirar o peso, em material de escalada levamos apenas um cordino de 50m de 7mm (em vez de corda dinâmica dupla de 8,5mm), 2 estacas de neve, 5 parafusos de gelo e 3 pitons de rocha...para cerca de 2000m de via!

Decidimos dormir vestidos com toda a roupa que levávamos no corpo para poder levar um saco cama de 700g em vez do típico de quase 2kg para temperaturas extremas.

Todas as gramas são ponderadas para aligeira a mochila e despender o mínimo de energia. Pretende-se desta forma que o tempo de escalada seja o mínimo possível, já que quanto mais tempo estamos na via de ascensão, menores são as possibilidades de sucesso (não só porque o grau de cansaço que aumenta, mas também porque as janelas de bom tempo são curtas).

Na ascensão em "estilo alpino" prevalece o espírito da aventura e da descoberta, e é por isso que o recurso a cordas fixas ou mesmo a simples presença de pegadas desclassifica a escalada em "estilo alpino" (ver 4º parágrafo do tema "Batura II-Korean Surprise", "…But I would look stupid climbing alpine style, following the fix ropes and tracks of a huge expedition." http://www.k2climb.net/news.php?id=17425).

Tendo cordas fixas ou pegadas, não se está a descobrir a linha de ascensão, está a seguir-se uma linha óbvia, pelo que não há tomada de decisão nos momentos cruciais "vamos pela esquerda ou pela direita?" foi com a resposta "errada" a esta pergunta que eu e o Paulo nos metemos numa bela alhada no GII! Se tivéssemos cordas fixas ou pegadas, tinha sido fácil seguir o melhor caminho, pois estaria diante dos nossos olhos).

Mesmo não utilizando cordas fixas, caso estas estejam já instaladas, a escalada não é nos dias de hoje considerada em "estilo alpino", porquê?

Porque estando as cordas ao nosso lado, para além de nos indicarem o caminho, servem como segurança. No caso de algo correr mal, tendo uma corda ao lado, quem não se agarra?

Havendo cordas fixas, caso haja algum contratempo, o regresso é também muito mais fácil e seguro. Numa retirada em caso de emergência, a ausência de cordas fixas no “estilo alpino” torna a coisa muito mais complicada/arriscada.

É por estes motivos que em "vias normais", é quase impossível escalar no apelidado "estilo alpino" claro que há quem diga que o faça, mas geralmente é mais..."estilo alparvo"!). Ou temos cordas fixas, ou gente, ou pegadas...o que desclassifica este estilo de escalada. Podemos aqui falar de uma escalada em autonomia, mas não em "estilo alpino". Claro que se formos aclimatados e no inverno ou inicio de época, poderemos com sorte encontrar as condições para escalar uma "via normal" em "estilo alpino".

Se ao seguir outras opções de ascensão - "vias normais," "estilo de expedição"... - o que mais interessa é atingir o cume, no "estilo alpino", a valorização da actividade está muito mais na forma de escalar a via, no processo do "como fazer? Como conseguir?" do que no atingir do cume. O que mais interessa não é o cume (claro que a satisfação é plena se o atingirmos desta forma), mas sim a forma de lá chegar.

Então "estilo alpino" é começar na base da via e terminar lá em cima, sem nunca voltar para trás?

NÃO! É muito mais do que isso!


Daniela


[Fonte: Wikipedia]

Alpine style refers to mountaineering in a self-sufficient manner, thereby carrying all of one's food, shelter, equipment etc. as one climbs, as opposed to expedition style (or siege style) mountaineering which involves setting up a fixed line of stocked camps on the mountain which can be accessed at one's leisure. Additionally, alpine style means the refusal of fixed ropes, high altitude porters and the use of supplemental oxygen.

Many consider Alpine style to be the purest form of mountaineering, setting a standard to which all mountaineers should aspire. This style became well-known and popular with Reinhold Messner, when he and Peter Habeler climbed Gasherbrum I without oxygen equipment in 1975. It was Hermann Buhl's idea to demonstrate Alpine style in the Karakoram at the successful Austrian Broad Peak expedition in 1957; in pure Alpine style the members of this expedition later climbed Skil Brum (Marcus Schmuck and Fritz Wintersteller) and approached Chogolisa (Hermann Buhl and Kurt Diemberger).

The benefits of alpine style are that, generally, much less time is spent on the route, reducing objective dangers such as avalanches or blizzards. This can be a major factor on routes with ice fields full of blocks of ice hundreds of feet tall which could fall at any time. Snow and ice conditions often change over the course of a day forcing climbing parties to climb in the early hours before the sun melts the snow or ice making it unsuitable and more susceptible to avalanche. This tendency to climb in the morning has led to the term "Alpine Start". An "Alpine Start" is a start that happens in the early morning ranging from 11:00 PM on long routes to not long before sunrise for shorter routes or faster parties. An "Alpine Start" must begin in the dark.

The problems encountered while alpine style climbing are related to lack of support. Without fixed ropes to retreat down in case of emergency, or a lower camp to return to, the commitment of alpine style is greater than expedition style in terms of the choice to ascend or descend. A climbing group caught at a point where conditions do not allow further ascent must consider other options such as an unplanned bivouac (perhaps without the appropriate gear), rappels (leaving multiple pieces of protection behind), or moving to another route from their current position (perhaps without adequate knowledge of the alternative route). However, alpine style often is cheaper and faster for those on a budget.


sexta-feira, fevereiro 06, 2009

A TOCA DO RATO


Vista desde a parede. O "Mamarracho" pode ser visto no meio da neve, qual símbolo vitoriano!

A noite foi descansada até que pelas 7:30 da manhã o despertador soou. Na verdade, a noite foi descansada até um pouco mais tarde, pois ao primeiro estrondear electrónico, a minha mão instintivamente adiou o despertador para horas mais tardias. A minha mão teve vontade própria para calar o pequeno aparelho umas quantas vezes, até que a horas impróprias (diga-se, impróprias para quem quer fazer uma actividade invernal!)...talvez quase às nove da manhã(?), nos decidimos a abandonar o calor do edredão que nos embrulhava.

As primeiras imagens que o nosso cérebro recolheu foram animadoras. Pela noite não tinha nevado tanto como o previsto e nas nuvens, surgiam aqui e ali pequenos buracos azuis. O vento soprava mas não à velocidade esperada. Mesmo com um mau tempo bem melhor do que o expectável, o frio mordia-nos o corpo já habituado a temperaturas mediterrâneas.



Aproximação...


Foi com algum esforço que saímos dos Piornos a pé (como já vem sendo normal este ano...o que até é bom sinal!) e como quase meio dia estava perdido (começamos a caminhar a horas vergonhosas...11 da madrugada!), decidimos tentar a nossa sorte no Covão do Ferro, já que o entusiasmo para “passear” até à zona do Cântaro Magro era inexistente.


O Covão do Ferro.


Devido às altas temperaturas da semana (qualquer coisa entre os 2 e 4/5º), não esperávamos escalar gelo...e não escalamos!

O nosso imaginário estava já formatado para uma qualquer linha de escalada mista, onde as pontas dos piolets bem afiados ganhassem um carácter algo arredondado de tantas “cóquinadas” nas pedras.

Mais uma vez (pelo menos para mim!), a entrada no Covão do Ferro pelas suas cotas mais baixas revelou-se trabalhosa. Sou constantemente tentada a seguir o caminho que parece mais curto! Como resultado, fizemos uma limpeza a 50% da neve que cobria os ramos das giestas, antes de atingirmos o primeiro esporão de rocha do Covão.

Como a vontade de caminhar era (muito) pouca, rapidamente visualizamos uma linha que nos possibilitaria enferrujar os piolets. Depois desta, mais outra e outra ainda mais ao lado. Aquele pequeno esporão coberto com uma fina camada de neve, oferecia várias possibilidades para os apreciadores do tipo de escalada mais elegante do planeta, a tradicional escalada ao velho e muuuuuuiiiito apreciado estilo Escocês.


O potencial da parede em condições "Scottish".


Neste...famosíssimo estilo, as primeiras escaladas da época sofrem sempre do mesmo mal: escolhem-se vias que parecendo razoavelmente acessíveis...não o são!

Algures pelo meio-dia, quem sabe se um pouco mais tarde, estávamos equipados para iniciar a actividade.

A primeira fissura parecia estar logo ali, mas o “logo ali” implicava um gancheio que não era absolutamente confiável de piolets, em fissuras que ficavam um pouco acima da cabeça. Os crampons também não agarravam grande coisa e o único recanto para colocar um pequeno friend, oferecia uma daquelas protecções que não prevêem a elasticidade das cordas.


Inicio do primeiro lance.


MAS...depois de umas quantas investidas, o Paulo lá conseguiu superar a sua mente...e aquele passo.

Vi-o progredir a bom ritmo...como quem diz, lentamente, caçando fissuras e tentando por diversas vezes recorrer à também já conhecida dos leitores “erva tracção”. Mas as altas temperaturas dos dias anteriores, não permitiram o congelamento dos vegetais que coloriam a via, pelo que a “erva tracção” deu origem à limpeza da terra de umas quantas fissuras...nããããão, não estragámos desta forma a toca do rato!



Daniela no primeiro largo.


Como o material disponível para proteger era pouco e a escalada exigente, os largos foram obrigatoriamente curtos.

Ainda assim, quando o Paulo montou a primeira reunião, o meu corpo já tinha eliminado todos os vestígios de calor.

“Podes vir” disse o Paulo de uma pequena plataforma 20m mais acima.


Ainda no primeiro lance,


Gancheei os piolets nas tais fendas, tentei que os crampons se fixassem em pequenos gratons de rocha e upa, perna arremessada para uma estreita plataforma. Entre escalada e reptansso, facilmente percebi o porque da demora do Paulo.



Na saída do primeiro lance.


O largo seguinte, mais vertical, tornou-se mais trabalhoso, pois as possibilidades de reptar estavam francamente diminuídas. O recurso aos piolets e crampons nas fissuras foi uma constante (para os mais fortes, este largo está ainda por encadear, já que “azeramos” um passo...quem se atreve à FFA? Fica aqui o desafio...).


Primeira tentativa de abertura do primeiro largo.


Já na linha, depois do passo de A0.


Nos restantes dois largos, a escalada mista revelou todo o seu potencial. Da minha parte, excepção feita a alguns excelentes gancheios, poucas vezes recorri aos piolets. Entre o encostar de joelhos, aos entalamentos de ombros e mãos...e de outras partes do corpo, oposições aqui e ali, valeu tudo...esta é a parte divertida deste tipo de escalada “NO RULES”!


Terceiro lance. M6, com ante-braço!


Quando pouco tempo faltava para cair a noite, demos por terminada a via, saiu um M6 de 80m repartidos por 4 fantásticos larguinhos (porque como já referi, são pequeniiiiiinos).



A Daniela no segundo lance.


E o rato?

Ou melhor, e o nome?

A primeira coisa que nos ocorreu foi “Reptovia”, mas esse nome pertence já a uma linha aberta em 2007. “Arrastadeira” também nos pareceu...algo deselegante!

Assim, sem nome para a via, abandonamos o esporão no Covão, com ideias de brevemente voltar para tentar abrir as linhas que por ali permanecessem inexploradas.

Quando o azul escuro pintou o céu, chegamos nós à toca do rato! Logo abaixo da barragem, existem umas construções que comentámos serem excelentes para bivacar, pois para além de tecto, uma delas tem uma plataforma que pode bem servir de mesa para organizar o material e inclusivamente cozinhar. MAS CUIDADO COM O QUEIJO!

O bivaque tem de ser obrigatoriamente partilhado com o Sr. Rato, cuja toca fica mesmo por baixo da mesa.

Este rato descarado saltitava entre a porta do bivaque e a entrada da sua toca, passeando ao nosso lado (à distância de 2 palmos!) para cá e para lá sem nos dar grande importância...”NO RULES”.

5/02/2009

Daniela





ESCALADA MISTA


Encontrar a Serra da Estrela com boas condições de gelo depende muito do factor sorte, ou seja, estar no local certo no dia certo.

No entanto, uma disciplina aparentemente esquecida tem aqui lugar e bastantes possibilidades: a escalada mista.

As melhores condições encontram-se logo após uma tempestade de neve puxada a vento, quando as paredes ficam revestidas com uma densa “colagem” de neve. Geralmente, nessas circunstâncias, o gelo, recém coberto pela neve, apodrece e a rocha torna-se impraticável para os pés de gato. Mas, esses são precisamente os momentos chave para a escalada mista ao bom e velho estilo “Scottish”.

Como é evidente, este tipo de escalada requer alguma prática e habituação ás ferramentas. Os gancheios de piolets são frequentes e os espessos tufos de ervas e musgo, tão incómodos no Verão, tornam-se aliados imprescindíveis, permitindo bons apoios de crampons e o recurso à técnica do piolet tracção.

As protecções são compostas pelos friends e entaladores e ocasionais pitons de rocha. Os parafusos de gelo são peças de rarrissima utilização.



Daniela no final do segundo lance.


O Covão do Ferro é um dos locais com mais potencial para este tipo de escalada exigente e específica.

A sua orientação geral leste significa a presença do Sol em toda a manhã o que, em condições normais não permite a colagem de neve durante muito tempo. No entanto, são vários os flancos virados a norte e de incidência solar mais reduzida. Aí, as condições invernais duram muito mais e, é nessas circunstâncias que existem as maiores hipóteses.

“A toca do Rato”, encontra-se numa dessas paredes viradas a norte.

Os seus lances são curtos mas de considerável dificuldade. Um passo ficou por fazer por causa do factor... medinho! As protecções são geralmente excelentes permitindo uma confiança adicional nos passos mais atléticos.

Em vias difíceis, os largos curtos trazem duas grandes vantagens: evitam que o primeiro de cordada carregue demasiados friends no seu arnês e evitam que o segundo de cordada congele demasiado na reunião, enquanto o líder trabalha determinado lance mais difícil.

A parede em questão encerra muitas possibilidades de aberturas para todas as dificuldades.

A Serra da Estrela pode não ser o melhor local do mundo para as actividades invernais mas, adoptando a necessária atitude, eliminando preconceitos, encontramos um terreno de jogo muito mais vasto do que à primeira vista possa parecer.

Paulo Roxo

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A TOCA DO RATO. M6.



Foi no Sábado, 31 de janeiro...

Numa serra perto de si...

Em breve, a história...


Paulo Roxo