FALTA DE CIVISMO E CRIME NA SERRA
Durante anos aquele tecto perseguiu-me.
Desde que imaginei a linha, todos os Invernos fazia o reconhecimento obrigatório, na esperança de encontrar a via em condições para ser escalada.
Trata-se de um tecto evidente, que domina o inicio do “Corredor do Inferno”.
Em meados dos 90, nos primórdios da estranha disciplina conhecida como “Dry-tooling”, semi-equipei uma via, que prometia dar luta aos piolets e crampons. A ideia era cruzar o tecto através de uma coluna de gelo, de rarissíma formação e, continuar por uma estreita cascata congelada num diedro de musgo.
O tempo foi passando e, a via aparecia por vezes em aparentes boas condições, justamente nos dias em que nunca me encontrei disponível para a realizar.
Continuo na peugada desta ascensão Invernal.
Este tecto fugidio , acabou por sucumbir sob o pó do magnésio, em lugar dos piolets.
O Bruno Gaspar, sempre ávido buscador de emoções graníticas, não teve quaisquer dificuldades em aceitar o repto de abrir uma via nesta secção de rocha da Serra da Estrela.
O Rui Rosado e a Ana também andavam pela serra. Aqui, podemos apreciar o Rui, perdido num mar de granito, a descortinar os passos da delicada "Desportex total", um 6c equipado na Parede do Inferno.
O dia 27 de Agosto, terminou com um mergulho nas águas da Lagoa Comprida que limparam o musgo transferido pela intensa escovagem, da parede para o interior das nossas roupas.
No dia seguinte, dirigimo-nos ao nosso objectivo, agora devidamente escovado e equipado com algumas plaquetes imprescindíveis, sobretudo em reuniões.
Desde o cimo, tínhamos topado com uma linha lógica situada à direita do velho projecto de “Dry-tooling” cruzando o mesmo tecto que desafiara a minha imaginação durante tantos anos.
Escalei o primeiro largo e, ao chegar aos passos do tecto nem sequer me preocupei em verificar a sua possibilidade em livre. Isso seria a tarefa do Bruno que, em segundo de cordada tentou descortinar os passos de bloco (mantel incluído!) que culminavam na reunião.
O Bruno a aproximar-se do "crux" do primeiro largo.
No segundo lance, o Bruno fez um bom trabalho ao ultrapassar uma secção muito difícil utilizando o seu técnico repertório de pés e... mental, dada a importante componente de “run-out” no “crux” obrigatório.
Dois momentos do segundo lance da "O crime do Palaçoulo".
Ainda não rendidos e, de volta á base da parede, lançámo-nos á segunda via do dia, desta vez atacando uma linha que partilha a saída do tecto e primeira reunião com o projecto de “dry-tooling”.
A escova, essa, ficou estacionada e, apenas limpámos sumariamente os pontos específicos para colocar os pés. A ideia é manter o musgo na saída do tecto, de forma a preservar a base para a “primeira camada” de gelo que, de resto, vai sendo cada vez mais raro na nossa serra.
Eu, a caminho do grande guarda-chuva de granito.
No entanto, a via está perfeitamente comestível com o grau de limpeza actual, por isso, não existem grandes desculpas para não realizar uma futura ascensão integral em livre, que promete... grau!
O nome: “O crime do Palaçoulo”, tem a sua origem num fantástico corte profundo que o Bruno infligiu à sua própria mochila, quando tentava cortar uns velhos cordões de suporte, utilizando uma opinel Lusitana: a navalha Palaçoulo.
O nome: “Civismo zero” é uma singela homenagem ao civismo social muito natural do povinho Português.
Atenção: É possível utilizar apenas a corda simples de 60 metros para estas vias mas, é obrigatório confirmar que a corda possui efectivamente 60 metros, e não menos! O primeiro rapel desde o cimo das vias (através da “O crime do Palaçoulo”) será no limite (muito limite!) das pontas da corda.
O melhor mesmo é utilizar cordas duplas.
Paulo Roxo