LIBERDADE 25
A história desta via começou há muitos anos, ainda eu não
era sequer um projecto...ou talvez já fosse na cabeça de um casal que ouvia os
concertos do Zeca Afonso, Sérgio Godinho, entre outros, nos anfiteatros das
universidades, na cabeça de um casal que de quando em vez era corrido das
cantinas universitárias pela PIDE.
A história desta via começou num tempo em que era difícil
escalar, muito menos em Espanha, já que sair do país era um privilégio ao
alcance de muito poucos.
Escalar. Um privilégio que podemos agradecer à "Revolução dos cravos".
A história desta via começou no seu nome, LIBERDADE 25.
Começou precisamente à 38 anos, quando um golpe de estado militar depôs o regime
ditatorial e iniciou um processo que levou à implantação da democracia com que
hoje vivemos. 25 de Abril de 1974, a “Revolução dos cravos”, a busca da
liberdade. Reza a nossa história bonita que uma florista em Lisboa, no dia da
revolução, começou a distribuir cravos vermelhos pelos populares, que os
ofereceram aos soldados. Estes colocaram-nos nos canos das suas espingardas.
Nessa altura, as forças do regime que se viram desprovidas
de apoios militares não resistiram. A adesão da população ao golpe de estado
foi maciça. O resultado foi uma revolução pacífica. Ainda assim, as balas da
DGS (Direcção Geral e Segurança – ex-PIDE) ceifaram quatro vidas em Lisboa.
Na sequência desta revolução foi instituído em Portugal o
feriado nacional 25 de Abril, "Dia da Liberdade".
Um céu expressivo.
Trinta e oito anos depois, pela manhã de 25 de Abril, debaixo de um sol
meigo, caminhámos pelo encaixado vale de El Chorro até à segunda garganta. Do
lado direito, estava a parede que tínhamos decidido explorar. Mais de 200
verticais metros de calcário sem qualquer via. Pelo menos a avaliar por todas
as investigações que fizemos, corroboradas pela falta de qualquer vestígio
humano tanto na parede como na sua base.
Sim, é difícil acreditar que uma parede daquela dimensão num
local tão conhecido como El Chorro, não tenha sido palco de qualquer escalada.
Por outro lado, se pensarmos em El Chorro essencialmente como um palanque de
desportiva e aproximações curtas, a coisa já se compreende.
Depois dos 40 minutos de aproximação, e após decidirmos que
direcção tomar naquele mar de rocha, lá nos metemos em trabalhos...trabalhos
bons, claro!!!
Optámos pelo caminho fácil, o que geralmente se chama “a
clássica da parede”.
Seguimos uma fissura/diedro que visto de baixo não parecia
mais que IV grau. De facto não nos enganamos muito, os 3 largos que escalamos
no primeiro dia variaram entre um V e um...6a+! A rocha? Absolutamente
excelente! Uma agradável surpresa.
Dois instantes no primeiro lance da via. "Estão abertas as hostilidades"!
Atinginda a plataforma a que nos propusemos chegar nesse
dia, decidimos fixar cordas e regressar no dia seguinte para completar a via.
Esperávamos já que o dia seguinte fosse bastante mais longo. Não só porque nos
faltava escalar cerca de 2/3 da parede, mas porque desta os largos já não se
pareciam com IV’s graus! Lá em cima, os tectos que avistávamos faziam supor
algo de...trabalhoso.
No inicio e final do segundo lance.
Para retemperar forças fomos jantar com toda a calma à nossa
cantina no El Chorro, o restaurante “El Kiosko”. Sim, este comedor merece toda
a publicidade que lhe fazemos. Comida boa, preços acessíveis (mesmo com vinho
incluído!), atendimento simpático e localização fantástica em frente à
albufeira da barragem de Guadalhorce. Vale a pena conhecer este local nas
traseiras das paredes.
A parte mais dura da escalada. Estes passos vão ser dificeis... de digerir!
No dia seguinte o levantar foi doloroso, o desperta-a-dor
tira-nos do sono pelas 5:30 mas a vontade de escalar apenas consegue vencer a
de dormir pelas 6:00. Tarefas matinais, 40 minutos de aproximação e lá
estávamos nós na grande jumareadela matinal!
Depois do vinhito da noite anterior nada como uma jumareadela para abrir o apetite matinal.
Tínhamos pela frente 5 largos para abrir.
O primeiro do dia, fácil e rápido. O segundo e o terceiro
começaram a puxar pelo cabedal. Ainda assim, a presença sempre constante de
fissuras e a fantástica qualidade da rocha, permitiu rápida progressão.
Um lance curioso para iniciar o segundo dia de abertura. Linha mais óbvia é dificil!
A Daniela a sair das sombras do quarto lance da via. Lá embaixo, a linha do comboio que atravessa os espantosos túneis da garganta de los Gaitanes.
A chegar à quinta reunião.
A sexta reunião, antes do parabolt!
Ao chegarmos ao fim do terceiro largo (sexta reunião da via), mesmo por cima das
nossas cabeças desenhava-se um enorme tecto que fazia supor mais dificuldades.
No entanto, ainda eram as 14:40, ou seja, tínhamos mais do que tempo para abrir
os dois largos que faltavam, por isso, até fizemos uma pausa para trincar a
“bela da sandocha”. Rapidamente nos apercebemos que podíamos contornar pela
direita aquele grandioso extraprumo. Uns passitos de 6b e a coisa estava
resolvida. Apenas um curto trecho neste largo apresentou rocha com “casquinha”,
de resto, nada a reclamar. Ainda assim, pela dificuldade, pela casquinha, pelo
investigar de que caminho seguir, este largo já foi mais demorado que os
restantes.
A caminho dos tectos.
"Abre-te Sésamo!" A porta secreta para transpôr os grandes tectos.
O Petate (o Porco!) a voar devagar, devagarinho em direcção ao cimo.
A Daniela a iniciar o fantástico sétimo largo. Aos pés... o solitário parabolt a marcar a sexta reunião.
Um pouco mais acima no sétimo lance. O ambiente é notável.
A um largo do fim, estávamos bastante animados. A certeza de
sair de dia, com tempo para celebrar ao sabor de uma cerveja na esplanada do
“El Kiosko” deixava-nos sorridentes.
Passito aéreo para chegar à sétima reunião.
Vistas sobre a parede adjacente. Dois dias depois estariamos ali encima a sacar umas fotografias fantásticas!
No entanto, com o passar dos minutos, das horas os sorrisos
foram dando lugar a palavras que não vou escrever, a resmunganços, à progressão
leeeentaaaaa. 30m de largo que nos levaram cerca de duas horas! Passos
difíceis, ausência de fissuras, uma figueira chata onde se prendeu o cordino de
içar a máquina de furar, tudo se conjugou para que o tempo passa-se e os metros
fossem palmilhados vagarosamente. Pelo caminho, 4 plaquetes seguidas, um verdadeiro
recorde ao longo de todos os largos!
Quase, quase, a começar a artificialada equipada.
Às 19:00 estávamos finalmente os dois no topo da parede a
saborear uma vista magnífica, mas...lá se foi a esperança da cerveja ao sol!
Havia no entanto esperança de alcançar o carro de dia e apanhar a cozinha do restaurante
aberta, a tempo de nos servir.
Cuuume!
Rapeis atrás de rapeis depositaram-nos no chão pelas 20:50.
10 minutos a arrumar e lá vamos nós a correr pesadíssimos vale fora para chegar
ao carro no lusco fusco, pelas 21:30. Sim, chegámos a tempo de jantar! Se no
dia anterior montámos a tenda pelas 21:45, desta chegámos ao “El Kiosko pela
mesma hora, agora sem pressas com a boa sensação de que podíamos jantar sem
pressas, pois no dia seguinte não havia hora para levantar...tãããoooo booommmm.
De novo, em "Terra Firma", a celebrar com os "amigos" inseparáveis!
A falta de stress do dia a seguir ainda nos deixou escalar
uma via desfrutona numa parede logo ali no início do vale. Aproximação? 10
minutos!
A Daniela a desfrutar de uma bonita via, no dia seguinte à grande aventura.
Seguiu-se um fim-de-semana turístico, a navegar pelas ruas
molhadas cidade de Sevilha (OK, é certo que também já não dava para escalar!!!)
e a sonhar com a próxima via em El Chorro...sim, porque os sonhos por ali ainda
não acabaram!
Sevilha!!
“Eles não sabem nem sonham...”
Daniela Teixeira
Descrição geral e topo:
A "Liberdade 25" é uma via de corte clássico e evidente.
Os primeiros lances seguem uma sucessão de diedros, fissuras e chaminés hiper-evidentes. Os lances seguintes seguem instintivamente a linha de maior fraqueza do extra-prumo pronunciado.
A rocha... perfeita!