PINHEIRINHOS SELVAGENS
A chuva no nosso caminho.
“Caramba! A chuva é toda para mim!” – gritei à terceira
molha, já no ultimo largo.
Sabíamos que o dia não ia estar solarengo, mas a fome
daquele calcário era tanta, que decidimos ainda assim tentar escalar na baía
dos Pinheirinhos.
Passou-se mais de ano e meio sem uma única visita, resultado
da recuperação do acidente do Paulo. Este local de beleza indescritível, indiscutível,
que carinhosamente chamamos do “nosso quintal”, não nos via desde... nem me
recordo de quando! Foi como se estivéssemos estado ali ontem mesmo, a mesma
grandeza, a mesma água límpida azul-turquesa, onde os cardumes de peixes se
avistam desde uma altura de noventa metros. Noventa metros acima do mar,
enquanto preparávamos o rapel para a base do “Esporão do pé descalço”, víamos
os cardumes de peixes lá em baixo, umas quantas medusas que dançavam ao sabor
da corrente, as gaivotas e os corvos marinhos, a fauna residente da baía à qual
naquele Domingo nos juntámos. Sentíamos que fazíamos parte de tudo aquilo,
creio mesmo que aquele pedaço de terra sentiu a nossa falta, por isso
acolheu-nos num dia que... dificilmente se imaginaria que seria um bom dia para
escalar uma nova via.
Arriscámos rapelar até á base da parede e, recuperadas as
cordas, caíram os primeiros pingos.
“Podia ter começado a chover à meia hora! Escusávamos de
descer!”. O comentário do Paulo era mais do que justificado. Já não havia
escape. Entre nós e as mochilas havia uma centena de metros para escalar, ou
seja, a perspectiva de o fazer com rocha molhada não era algo que nos
agradasse, mas... naquele momento não tínhamos outra opção senão
conformarmo-nos com a situação e desfrutar o que de bom ou mau os Pinheirinhos
tinham reservado para nós naquele dia.
A chuva parou e a rocha que ainda não estava encharcada
secou. Secou o suficiente para o Paulo escalar o primeiro largo de travessia
tranquilo. Aquele primeiro largo foi uma espécie de aproximação à via. Olhando
para o Cabo Espichel viam-se nuvens grossas e chuva, muita chuva que ainda não
tinha chegado até nós.
Lá ao fundo, vêm mais nuvens e... chuva! Entretanto ainda nos maravilhamos com a parede principal dos Pinheirinhos.
“Podes viiiiiir!”. Conheço bem este grito e quando o escutei
já tinha os pés de gato calçados, pronta para me fazer à rocha. De repente, o
branco do calcário sarapinta-se, sarapinta-se de gotas grossas, o calcário e o
meu impermeável que por sorte - ou não - já ia vestido. A primeira molha já
ninguém me tirava.
Chego à reunião, confortável por debaixo de um pequeno
tecto. Nessa altura a chuva já tinha parado e o calcário secava com rapidez, afagado
por um sol forte que dava ao dia um sabor de contrastes. As nuvens, essas
seguiam espessas no horizonte escondendo por vezes a luz do astro rei.
Com rapidez o Paulo inicia o segundo largo, este já com
menos sabor a travessia. Eu, na reunião avaliava a direcção do vento...das
nuvens...
A escalar o primeiro lance... à chuva!
“Reuniãããããooooo! Podes viiiiiir!”. Segundo largo. Inicio
novamente de impermeável bem fechado. “Já pinga... já chove!”. Gotas gordas
teimam em estragar-me o gozo da escalada. Mãos enlameadas, pés a patinar, tento
progredir com rapidez e para isso o preconceito deixa de existir. Um friend
significa apenas dois metros conquistados com mais rapidez. Chego à segunda
reunião algo encharcada. A chuva pára. Curiosamente parece respeitar o primeiro
de cordada... é justo! Quem vai à frente safa-se com rocha seca, as forças da
natureza conspiram a favor do Paulo e lá vai ele apressado no terceiro largo, a
meu ver, o mais bonito da via. Vejo-o ultrapassar uma sequencia de fissuras
ligeiramente extra-prumadas de presa boa. Venho depois a confirmar a excelência
da rocha, que até ao momento se revelou de muito melhor qualidade do que
esperávamos.
Desta tenho sorte, desfruto de um belíssimo largo, rocha
boa, fissuras atléticas de presa grande, um largo de deixar qualquer um
sorridente. Chamam os espanhóis a este tipo de escalada “desfrutona”,
confirma-se! E pela primeira vez no dia, escalo um largo seco. “YEAHHHH!” Desta
safei-me, chego à terceira reunião sem chuva. O Paulo segue outra vez... tudo
seco, sorte. Eu aproveito para apreciar aquela paisagem da qual tive tantas
saudades.
Uma breve trégua de céu azul, permite desfrutar do largo mais bonito da via.
O dia vai agora longo e falta apenas um largo para atingir o
topo da falésia. Três a quatro metros acima e... ”AHHHHHH!!!”. Conheço bem
aquele grito de pânico, é uma verbalização de medo que me deixa de imediato
tensa, na verdade, assustada. No segundo que durou o drama, olho para cima à
espera da queda do escalador e vejo sair um falcão, disparado em voo rasante à
cabeça do Paulo. O susto cedeu o lugar a um enorme sorriso e a umas quantas
gargalhadas.
- Está aqui um ninho!
- E tem ovos?
- Não, não tem nada.
- O bicho deve ter apanhado um susto ainda maior que o teu!
O Sol deixa-se cair no horizonte. Ambiente "National Geographic!"
Já comentávamos que o dia parecia saído de um qualquer
programa de “National Geographic”. Uns minutos depois, é a minha vez de gritar:
- Golfiiiinhoooooos!!! Golfiiiiiiiinhos! Paaaauuuuulo, olha
para a base do esporããããooo! Montes de golfiiiinhos!
- Espectáááááculo!!!! São buéééés!
Nada como um bando de golfinhos a saltitar, rebolar,
cambalhotar na água para tornar dois seres humanos ainda mais felizes. Naquele
regresso aos Pinheirinhos, a falésia recebeu-nos como se fossemos da casa. Aproveito
para continuar a apreciar aquela paisagem da qual tive tantas saudades. Algumas
gaivotas, certamente agradecidas pela abundância de peixe naquele dia,
alimentam-se, mergulham com elegância para aparecerem segundos mais tarde à
superfície. Delicio-me com o sabor da natureza selvagem do lugar, mas o azul do
céu volta a desaparecer e percebo que vou levar a terceira molha... a terceira
bátega de água. O Paulo, escala todo o largo com rocha seca.
Após o novo grito de reunião apresso-me. A escalada não é
difícil, ainda assim as mãos e pés-de-gato molhados tornam o largo menos
prazenteiro.
Algures pelas cinco da tarde estávamos os dois no topo da
“PINHEIRINHOS SELVAGENS”, húmidos e felizes com a forma com que os Pinheirinhos
nos acolheram neste regresso.
Mas o dia ainda não estava terminado! Sim, faltava ainda o
regresso ao carro, ao cair da noite, e claro, com uma grande bátega de água
para concluir em beleza! Desta, levámos os 2!
Daniela – 4 molhas!
Paulo – 1 molha!
Nota final: Entretanto retornámos ao sector para inaugurar
uma nova via. Escalámos a “DESENGANA-TE” durante um belo dia de aventura em que
sentimos a falta dos Golfinhos e… da chuva!
Daniela Teixeira
Foto-cume!
Claro, os topos: