quarta-feira, maio 28, 2014

A Parede das Damas

A PAREDE DAS DAMAS




Cerca de 250 metros de parede rochosa formada por um granito perfeito, percorrida por lances de escalada que englobam desde estéticas fissuras a placas técnicas de grande qualidade e um ambiente de montanha incontornável.

A anterior descrição suscita facilmente imagens de uma qualquer muralha situada nos Alpes ou nos Pirinéus.
Seguramente, muitos se irão surpreender se for dito que, na verdade, estas características correspondem a uma parede situada… na Serra da Estrela.
Refiro-me à fantástica Face sul do Cântaro Magro.


A Face Sul do Cântaro Magro alberga vias "Alpinas" de grande qualidade.


Alguns irão certamente pensar: “Pois. Mas é uma parede sem continuidade, quebrada por muitas plataformas.” Uma constatação que não deixa de ter a sua verdade. No entanto, na grande maioria das vias, a qualidade dos seus lances ultrapassa em muito a falta de continuidade geral.
Sem estar localizada num grande maciço montanhoso, a face sul do Cântaro Magro, pode bem ser considerada como a parede portuguesa mais “alpina”.
As primeiras vias documentadas, surgiram nos anos 80, do século XX.
Em 1985, o activo escalador Paulo Alves, em conjunto com Vasco Pedroso, abriram a “Via do Nascente” e a “Via Solar”. Seguindo a pauta da época, foram ascensões realizadas de baixo, sem grande preocupação com limpezas ou escovagens de algum do tão incómodo musgo. O espírito de “conquista” dominava naqueles tempos e as técnicas de assédio, equipamento e limpeza, desde o cimo, eram conceitos incipientes no país, ainda inexistentes, no maciço dos Hermínios. 


 O Paulo Alves, um dos pioneiros da escalada Portuguesa, com muitas vias abertas na Serra da Estrela.


Estas primeiras vias seguiam, sobretudo, linhas de fraqueza óbvias que a parede apresentava e - salvo algumas outras incursões mais ou menos aleatórias (sem registo) protagonizadas pelo Paulo Alves e companhia -, rapidamente foram votadas ao abandono.
Com efeito, passaram-se muitos anos sem que esta bela parede se fizesse notar. O mais estranho será talvez o facto de a Face Sul do Cântaro estar muito longe de poder ser considerada uma parede remota, uma vez que se vislumbra exuberante desde um dos miradouros da estrada que sobe à Torre. Muito dificilmente se poderia classificar esta parede como um “secretivo”.
Desde a minha “infância” de escalador da “Serrinha” que cada passagem de olhos pela Face Sul, fazia soar uma campainha de aviso no interior do cérebro. “Como será?” “Que surpresa revelará aquela placa? E aquela fissura? Que sensações?...” Estas questões inundavam-me o cérebro no instante fugaz em que o carro realizava a curva apertada, desde a qual é possível avistar toda a parede. Depois, retomava o meu caminho, em direcção a outras aventuras, outras surpresas. A imagem da Face Sul do Cântaro desvanecia-se uma vez mais numa mera recordação instalada num pequeno recanto da memória. A imagem diluía-se um pouco… mas não desaparecia por completo. 


 Auto-retrato com a Daniela a escalar um dos lances mais bonitos da via "Lucrécia".


Até que, em 2006 essa memória retornou com pujança. Uma pujança reforçada pelos entusiasmos da Daniela Teixeira e do Miguel Grillo.
Em Junho de 2006, surgiu a primeira via da “nova geração”.
A “Erika”, corresponde a uma linha muito lógica com sete lances e uma dificuldade máxima de 6b+ (embora a placa técnica do primeiro lance saiba sempre a algo mais, na escala de graduação).
O nome “Erika (Erica)” corresponde a um género de Urze existente na Serra e, ao mesmo tempo, referia-se ao nome de uma antiga conhecida do Miguel Grillo, recordada especialmente pelos seus atributos físicos.


 A Daniela, na "Érika".


A resolver o segundo lance de fissura da "Érika".


A segunda via da nova fornada, surgiria um ano depois. Desta feita, o Miguel faltou à chamada e, eu e a Daniela escalámos o belo alinhamento de fissuras que se passou a chamar “Lucrécia”.
Durante uma posterior repetição da Lucrécia acompanhados pelo Paulo Alves, este recordava-se de ter “andado por ali”, referindo-se a um ou outro lance da via. Tratava-se das tais “incursões mais ou menos aleatórias” protagonizadas por este prolífico escalador, no momento mais dinâmico da sua longa carreira. A bem da honestidade, a “Lucrécia” aproveita algumas variantes mais antigas e sem registo enlaçando-as com lances originais.
O nome “Lucrécia” está baseado no título de uma música (“Lucretia, my reflection”) pertencente à banda “Sisters of Merci”.


 A Daniela, a iniciar um dos lances intermédios da "Érika".


 O "famoso" lance em S da "Lucrécia", situado no pilar superior da Face Sul.


 A Daniela a iniciar o penultimo lance da "Lucrécia".


Em 2010, no decurso de uma pequena “climbing week” realizada por mim e pelo Timóteo Mendes, na Serra da Estrela, abrimos a “Helena”. A Daniela acompanhou-nos e o resultado foi a escalada de uma das vias mais difíceis da Face Sul e também uma das mais espectaculares.
Mais uma vez, o baptismo de “Helena” remete para uma música, desta vez do grupo Transmontano Galandum Galundaina, que cantam em Mirandês. 


A Daniela num dos lances da "Helena".


Após muitos anos de hibernação, a Face Sul parecia despertar uma vez mais.
Para os aspirantes a esta parede, as “must do” serão sem dúvida, as três descritas anteriormente. A “Erika” e a “Lucrécia”, podem constituir duas experiências memoráveis por si só e uma excelente introdução ao local. Para aqueles que desejem algo mais, aí está a “Helena” que, sem ser a via mais difícil da parede, poderá representar o marco catalisador de emoções e dificuldade. Aqui fica uma “Ménage à trois” altamente recomendável. Apontar a “Trilogia das meninas” no caderninho das realizações na Serra da Estrela é um projecto bonito e, com certeza, não fará má figura.
As restantes vias foram inauguradas entre os anos 2010 e 2013 e, os projectos e os planos já desenham o futuro próximo, ditando o passo seguinte.


 A escalar um dos fantásticos lances aéreos da "Dama de Ferro".


 A escalar uma bela fissura extra-prumada da "Dama de Ferro". Em cima e à esquerda é possivel avistar o tecto que constitui o lance de escalada artificial da via. Este lance foi forçado em livre pelo Francisco Ataíde e Nuno Pinheiro e constitui a maior dificuldade em livre da Face Sul (7a+).


As repetições são escassas e apenas muito raramente é possível avistar escaladores envolvidos na experiência de ascensão de alguma destas linhas de envergadura, por isso, a tranquilidade é mais uma das mais-valias a ter em conta e constitui uma garantia.
Para nós (pelo menos para mim e para a Daniela) a Face Sul do Cântaro Magro despertou para uma nova era, merecendo a alcunha carinhosa de “PAREDE DAS DAMAS”.


Paulo Roxo


 Momento "Happpyyy!", no cume do Cântaro Magro, após a escalada de uma das belas da "Parede das Damas".



 Os croquis e outras dicas:


Face Sul do Cântaro Magro. Perspectiva geral das vias.


 

Material necessário:

Para todas as vias serão necessários um conjunto completo de friends até ao camalot nº 4, repetindo os numeros médios (nºs 0,75, 1 e 2), micro-friends, umas 8 expresses e cintas.
Para as vias com algum lance em artificial é necessário um par de estribos.
Na generalidade, a rocha é excelente no entanto, é muito conveniente utilizar o capacete.
Uma escova de aço pode ser muito util para algumas das vias apresentadas.
Não são necessários os pitons de rocha.


Pequena descrição e croquis pormenorizados.

 
1. Caprichos do vento. 110m, 6c/A0. Esta foi a penúltima via a ser aberta na Face Sul. Foi escalada num único ataque e não possui qualquer equipamento fixo. Inicia imediatamente à direita da “Super-Hiper-Mega-Guide”, no sector “Placa dos Mercadores”. Espera uma realização integral em livre.




2. Lara. 205m, 6c/A1. A última via aberta na Face Sul. Foi escalada numa única jornada. Foram        colocadas (à mão) duas plaquetes no diedro do penúltimo lance, o mais difícil. Via suja de musgo,  por isso, escova obrigatória. Espera uma realização integral em livre.
  




3. Alzira. 205m, 6c. O primeiro lance possui a dificuldade máxima da via. Algum equipamento fixo em reuniões e nos passos sem possibilidade para auto-protecção.




4. Helena. 270m, 6c+. Bela via muito recomendada. Termina no cimo do Cântaro e os seus lances são variados e englobam todo o leque possível, desde as placas técnicas, às fissuras estéticas, incluindo uma curta chaminé “off-widht”. Algum equipamento fixo em placas e alguma reunião.



5. Via do Nascente. 255m, 6a/6a+. Via histórica. A primeira via registada da Face Sul, aberta em Março de 1985 pelos Paulo Alves e Vasco Pedroso. Foi repetida em Setembro de 2010 pelos Nelson Cunha e Rafa, que terminaram com uma possível nova variante de saída (via 12). Via bastante musgosa que merecia ser escovada e… ressuscitada.



6. Erika. 265m, 6b+. Uma das “clássicas” incontornáveis. Foi a primeira via da “nova geração”. Aberta desde baixo numa única jornada onde foram colocadas (à mão) algumas plaquetes. Posteriormente, foi “rapelada” de forma a escovar as secções mais musgosas. Todas as reuniões reforçadas com pelo menos, um expansivo.




7. Maria da Luz. 270m, 6c/A1. Via aberta em dois dias. Os 5º e 6º lances, constituem os mais difíceis. As plaquetes existentes foram colocadas à mão. Espera uma realização integral em livre.




8. Felizbela. 260m, 6b/A0. Bonita via que apresenta algumas passagens extremas em placa (equipadas à mão) e bonitas fissuras. No final, une com a “Lucrécia”. Espera uma realização integral em livre.




9. Via Solar. Uns 260m. IV ao 6b+. Antiga via, aberta por Paulo Alves e Vasco Pedroso em Outubro de 1985. Via bastante musgosa que espera uma repetição e limpeza. Alguns lances coincidentes com outras vias inauguradas posteriormente. Sem croquis detalhado.

10. Dama de Ferro. 250m, 6c/A1 (7a+). Espectacular via muito recomendável. Via aberta em dois dias. Aberta e equipada desde baixo (com máquina) após uma curta escovagem em rapel desde a reunião 5 (acesso pelo escape da varanda do Cântaro). Vai buscando um alinhamento mais “desportivo” e mais exigente, escapando um pouco à lógica da “linha de fraqueza”. Integralmente realizada em livre por Francisco Ataíde e Nuno Pinheiro.




11. Lucrécia. 265m, 6b+. Tal como a “Erika”, esta via constitui uma “super-clássica” muito recomendada. Via aberta num único dia. Posteriormente, foi “rapelada” de forma a escovar as secções mais musgosas. Todas as reuniões encontram-se reforçadas com um expansivo.




12. Variante da Nascente. 35m, 6a+. Variante de saída com dois lances da “Via do Nascente”, após o escape das “Escadas da Via Normal”. Via bastante musgosa.



13. Fissura do vento. 20m, 6c+. Uma variante alternativa à chaminé de saída da “Helena”.



2 Comments:

Zé Pataleno said...

Como sou da Margem Sul , mesmo sem proposito a parede que eu adoro é a parede das " Damas " Yô!

Berserker said...

Muito agradecido pela excelente partilha!!