EL CHORRO E O UNIVERSO... PEQUENINO!
Vistas de El Chorro.
Avizinhavam-se 2 fins-de-semana de 3 dias com dois únicos objectivos:
abrir uma via e... escalar muito!
Onde?
Algures por Espanha, onde a meteorologia o proporcionasse.
No nosso íntimo, queríamos abrir uma via em El Chorro e
tínhamos por lá duas possibilidades.
Uma que queríamos abrir em 2 dias, outra com mais de 300m
que talvez desse para abrir num único dia, daqueles longos, até porque há uns
anos atrás já tínhamos inaugurado um largo e meio deste alinhamento.
Com perspectiva de 2 dias de bom tempo e um de chuva rumámos
ao sul de Espanha, depois de mentalmente optar pela tal via de 2 dias.
Já há 2 anos que não andávamos por ali, mas tudo permanecia
igual, agradável, bonito e as pessoas sempre afáveis. No restaurante “El Kiosko”
ainda se lembravam de nós, sentimo-nos de imediato em casa, com tratamento VIP!
Climbing life e o café da manhã obrigatório.
No primeiro dia o ritual foi recuperado: pequeno-almoço
campestre seguido de arrumações. O Paulo arruma o material de escalada, eu
encarrego-me da comida para o dia. Rumámos depois ao “El Kiosko” para uma
“tostada con tomate y café con leche” e depois encaminhámo-nos para a parede.
Já a manhã ia avançada quando pousámos as mochilas na base da
futura via.
O famoso "Caminito del Rey". Entrámos pelo segundo canhão e maravilhamo-nos com a singularidade desta obra de outros tempos.
Estavam uns 30 graus de temperatura e a parede exposta ao
Sol não fazia antever propriamente um dia agradável. Era uma bonita muralha
para grandes escaladas… Invernais!
- Ui ui, não sei se com este calor vamos aguentar! Vamos
fritar na parede! E amanhã o dia todo assim? Achas que dá?
O Paulo ficou com um olhar que já lhe conheço... desapontado.
Receei que dissesse: “Vai dar!”
Uma das passagens do "Caminito del Rey", pouco antes de sair dali para lugares mais frescos!
Já estava a imaginar os pés a assar dentro dos pés-de-gato,
a t-shirt encharcada em suor, o sol a torrar-me o pescoço... quando veio a
resposta... estávamos desta vez com o pensamento em sintonia. Com tristeza,
virámos as costas e decidimo-nos por outra alternativa muito menos desafiante
mas, muito mais interessante, dadas as circunstâncias: uma banhoca no “Embalse
de Guadallorce”, assim, de cueca e sem vergonha nenhuma!
Vista das águas da barragem. Belas banhocas já tomamos por aqui.
No dia seguinte, decidimo-nos por um plano menos ambicioso e
mais relaxado. Atirámo-nos a uma “desportex total” chamada “Apocalipsis” com
mais de 200 metros. Uma via mais ou menos recente, no sector “Frontales Bajas”,
seis lances desde o 6a ao 6c, um verdadeiro desfrute de boa rocha (a via foi
limpa - e equipada - desde o cimo, até à exaustão!). E o melhor, para
contrariar a norma das desportivas de El Chorro, nem sinal de polimento nem tão
pouco marcas de magnésio.
O dia esteve perfeito, sol tapado por nuvens e uma
temperatura agradável.
A entrar na "Apocalipsis". Bela via desportiva com seis lances para desfrutar.
Dois momentos na "Apocalipsis".
Ao terceiro dia, o do regresso, ainda queríamos cansar os
bracinhos antes de rumarmos a “Poor”tugal, mas a chuvada que começou a cair
quando o Paulo iniciava a primeira via do dia frustrou-nos os planos.
Passámos literalmente de 31 graus no primeiro dia, para 13
graus no último... brrrrr!!!!
Voltámos para casa com a sensação de que faltava algo. Esse “algo”
fez-nos regressar no fim-de-semana do 25 de Abril.
No dia 24, “dejavu”. Sair de Portugal por volta das 15:00
rumo ao jantar, no “El Kiosko”.
Desta estávamos determinados a abrir a linha que ficara
incompleta em 2009. Assim, levámos o material preparado ao pormenor para uma
escalada rápida e ligeira... afinal tínhamos em mente escalar mais de 300 metros num
só dia! Isso também implicava despertar com as galinhas. Nada como um acordar
alpino e realizar a curta aproximação com o nascer do dia... sem o “café con
leche”, ao qual já nos tínhamos acostumado.
Material ordenado e preparado para o ataque! Vamos lá!
Entre a última tentativa de 2009 e o 25 de Abril do presente
ano, 2 escaladores espanhóis tinham já aberto uma via com o alinhamento que havíamos
antes imaginado. A primeira reunião era comum com a do nosso primeiro lance.
Tínhamos na lembrança um largo com uma escalada meia
estranha, em rocha polida pelas águas do rio e algo delicada, descrevendo de
outra forma, uma escalada nervosa!
Como a sentimos desta vez?
O primeiro lance da nova via, delicado e um pouco exposto.
“Na altura dei IV+ a isto? Devia estar doido! É um bom V+...
e exposto!” – concluiu o Paulo, já na segurança da reunião.
“Na altura pareceu-me bem mais difícil e muito mais
decomposto! Afinal não é assim tão mau!” – rematei.
A escalar o primeiro lance do dia.
-Vamos lá! Up!
Assim se fez o Paulo à parede. Seguiu-se uma escalada de
movimentos atípicos para a zona, entalamentos de mãos e presas laterais que
obrigavam a algum repertório de equilibrismo. Acabou por sair um lance bonito
totalmente protegido com friends e entaladores. Tínhamos mais dois lances pela
frente que, pelo aspecto, não se iam deixar escalar com facilidade.
Dois momentos no segundo lance. Um 6b+ intenso. Check!
A Daniela a escalar o segundo lance. Check!
Next: lá foi ele, determinado e mais forte do que na nossa
primeira tentativa.
- Já se vê os resultados dos treinos! – berrava eu cá de
baixo em jeito de incentivo.
Entretanto, o meu estômago avisou-me das horas. O sinal de
fome não era bom presságio pois queria dizer que estávamos a demorar mais que o
previsto. Talvez o perne colocado à mão na reunião, tivesse tardado mais tempo
do que eu tinha imaginado.
A bela fissura do terceiro lance. Entalamentos "a canhão"!
Chegada a minha vez, tentei progredir o mais depressa que
pude, usufruindo de algumas protecções para ganhar metros “speedados” à via.
Nesta fase, o “livre” queria dizer pouco, interessava sim manter o espírito do
“despacha-te e acelera!”. Em menos de nada estávamos novamente cara a cara numa
reunião mais acima.
A terminar o terceiro lance. A escalada mantêm o seu ambiente aéreo.
Faltava apenas um largo para atingir a plataforma.
Este lance teria um final comum com a “Andrés Ortega” (uma
clássica antiga - e esquecida), constituído por uma espectacular fissura de
mãos.
Lá foi o Paulo e desta... guinchou, berrou, praguejou... mas
não colocou uma tão desejada plaquete antes de entrar na fissura, porque
naquele calcário já não era o primeiro a passar! E se outros já tinham passado...
respeita-se o equipamento presente... ou a falta dele! E com mais uns berros lá
resolveu o passo e enfiou as mãos na fissura salvadora.
A iniciar o quarto lance da via, um pouco antes de colocar (à mão) uma plaquete tranquilizadora. Mais acima a via une com outra clássica já estabelecida. A partir daquele momento à que lidar com o equipamento original, não cedendo à tentação de acrescentar alguma coisa permanente. Felizmente o grau mantêm-se estável. Exigentemente estável!
A reunião da antiga e esquecida "Andrés Ortega". Dois spits M8, com duas "caricas" penduradas. Yô!
A saída da extraordinária fissura da "Andrés Ortega". Uma fissura de antologia e... "arranha mãos"!
- Bem! Grande fissurote! Devíamos ter trazido as luvas! As
costas das mãos tem de ficar sempre viradas para a direita!!!!
Pouco depois eu confirmei! Num dos lados da fissura o
calcário era amável, no outro... simplesmente cruel!
A Daniela a tentar a todo custo evitar arranhar as mãos. O ambiente é de passarinho!
Restava-nos a trepada final até encontrar a reunião
equipada, comum com a via “Cuatro estaciones”.
Eram quase as quatro da tarde e já tinham decorrido sete
horas de escalada. O tempo passara mais depressa do que o sentimos. Parecia que
o relógio do mundo tinha desatado a correr.
O nosso plano inicial (e bonito) de terminarmos a linha no
cimo de toda a formação rochosa acabava de ir por água abaixo.
Ainda ficámos ali um bocado na dúvida, a olhar para o ar sem
saber muito bem o que decidir: “Para cima? Para baixo?”
Vistas para o interior do canhão e para o "Caminito del Rey", neste momento em fase de reconstrução, portanto proibido.
Concluímos que seria impossível sair da secção superior da
parede ainda de dia. Não possuíamos cordas (nem vontade) para fixar, descer e
voltar no dia seguinte. Desta feita, a aventura terminava ali.
Embora fosse um local lógico para concluir uma via – afinal
a clássica da esquerda terminava por ali também – ficou-nos uma espécie de
sabor agri-doce.
No entanto, deixámos uma proposta constituída por uma via de
fissuras, bastante mantida e lógica, com a possibilidade de ser combinada com a
sua vizinha “Cuatro estaciones”.
Três rapeis colocaram-nos no interior do túnel do comboio, o
que por si só, não deixava de ser um final com um toque de surrealismo. Assim
de repente, ainda agarrados às cordas, saímos do mundo natural e selvagem para
o ambiente artificial e, de certa forma… metropolitano.
Daniela Teixeira
UNIVERSO PEQUENINO - O TOPO:
2 Comments:
Muito boa pinta! parabéns pela aventura.
Muito bom ! :))
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