Confesso que sentia já uma certa saudade, em enfiar-me numa linha de rocha por escalar, mas os chuviscos do último período de 2006, misturados com as tradicionais comezainas de Natal e fim-de-ano e talvez com a conjugação das estrelas, foram factores determinantes para uma longa paragem na escalada dita rochosa.
Ainda assim, sabia que os estímulos eléctricos que pululam por entre os neurónios do Paulo Rocho…perdão…Roxo, transportavam à muito a ideia da abertura de uma nova via na falésia dos Pinheirinhos.
“Cucu! Cucu!”, num Sábado de 2007, resolvemos madrugar “à séria”. Assim, pelas 7:30 da manhã…perdão, da madrugada, o modernasso Cuco electrónico afugentou-nos o sono levando-nos a abandonar o quentinho dos lençóis.
Pelas 8:30, íamos já a caminho dos Pinheirinhos. Claro que foi obrigatória a paragem para o já tradicional cafézinho em Santana, onde nos encontramos com o Paulo Alves. Também ele sentia saudades de se agarrar às pedras (é que esta coisa da “escalagem” é um vicio que muito dificilmente nos larga!).
Após deixarmos as 4 rodas que nos facilitaram a aproximação (que isto de ir a pé do Seixal até aos Pinheirinhos já não é para a minha idade), demos inicio à looooongaaaa caminhada que nos levou à falésia.
Isto do “looooongaaaa” não é brincadeira nenhuma! Como achamos que o carro já tinha feito muito por nós, nada como enfiarmo-nos no caminho errado só para aumentar um pouco a dificuldade da coisa! Será que o fenómeno do esquecimento do caminho certo é provocado pelo avançar da idade? Ou será puro destrambelhanço?
Seja como for, o engano custou-nos uma bela meia hora, mais meia árdua hora a lutar contra o excesso de oxigénio que teimava em aumentar, com o decréscimo de cotas imposto pela aproximação à falésia.
Pelas tantas da manhã, preparamos o material, a já conhecida panóplia de frienduscos, entalecos, uns pitonzitos e a fantástica “furadeira mecânica”, para equipar as reuniões e enfiar uns pernicos extra, caso houvesse necessidade. A acompanha-la, um cordino para a subir quando fosse indispensável! Com todos aqueles quilos de peso repartidos entre os 3, dirigimo-nos ao rappel da via “Elite do Medo” por onde descemos até à base da linha que pretendíamos estrear.
O Paulo Roxo foi primeiro, limpando a nova linha aqui e ali, tendo em mente que eu e o Paulo Alves escalaríamos de segundo muito juntinhos, um atrás do outro. Aproveitou o “rappelanço” para equipar as reuniões.
Já a sentir o cheiro do mar, os dois penduras (quero com isto dizer, eu e o Paulo Alves) passaram os quilos de material ao Roxo. Quase equipado, pede-me o cordino necessário para içar a “furadeira”…”Ops!”, exclamo “Esqueci-me, ficou lá em cima!”. Ao perceber o sorriso do Paulo Alves, suspirei de alivio “trouxeste-o tu”, mas estava redondamente enganada!...mais um “olvidanço”…será da idade, ou da falta de prática nos últimos tempos?
Ainda antes de começar a escalar, como já se fazia hora de almoço, resolvemos pic-nicar e mais uma vez constatamos que algo tinha ficado para trás! As duas únicas maçanzitas que eu e o Roxo devíamos ter trazido para alimentar este intenso dia de escalada, ficaram também a cotas mais elevadas, como quem diz, no cucuruto da falésia! Valeu-nos o Paulo Alves, que na sua pequenina mochila de 40 litros vem sempre precavido com 2 quilos de comida.
Não sendo por isso que a via não se faz, pelas 12:20 (ainda bem que madrugamos!), lá se deu inicio a mais uma bela escalada numa das mais belas paredes ibéricas banhadas pelo Atlântico.
A via teve direito a que 6 mãozitas (e 6 pézitos) se arrastassem por ali durante 4 preciosos largos.
O 1º, inicia-se numa placa fácil ao que se segue um passito mais duro e extraprumado protegido por um piton. Desde aí, a coisa é facilita até à primeira reunião.
O 2º largo, entra por um pequeno e delicado diedro (devidamente protegido com uma plaquete), que termina numa bonita fissura. Esta, vai até uma cova de onde se sai pela parede de buracos da esquerda.
O 3º largo, segue um diedro evidente, cujo final termina numa pequena travessia à direita, até encontrar a via “Elite do medo”.
Finalmente, o 4º largo começa imediatamente à esquerda da reunião da “Elite do medo”, ultrapassa umas pequenas placas e entra em terreno muito fácil até encontrar um pequeno e relativamente fácil diedro, mas com alguns blocos suspeitos à saída.
No geral, a rocha está num “estado de conservação” bastante bom.
Por entre aquelas pedras deixamos algumas cordeletas em pontes de rocha, escassos pernitos, 2 pitonecos…e pronto!
Se por acaso passarem por lá, por favor não se assustem com o aspecto de algumas das cordeletas fixas…somos a favor da reciclagem na escalada e consideramos que a descoloração não é sinónimo de decomposição.
Não se “olvidem” de levar um completo conjunto de amigos e alguns entaladores.
Ficha Técnica
A primeira via na falésia dos Pinheirinhos, foi aberta em 2003 por Carlos Pereira e José Carlos. A “Elite do medo” trata-se de uma via “desportiva” equipada desde o cimo e para a qual serão necessárias umas 10 cintas Express e corda simples de 60 m. No entanto, o seu segundo lance é relativamente exposto (V+, 20 m, 3 protecções fixas!) e por esse facto, é bastante aconselhável que os pretendentes a esta via tenham o 6c+ (3º largo) bem assimilado e confirmado.
Em 2005, o Miguel Grillo e eu, escalamos em 2 dias e meio a “Viagem sem Rumo”. Esta via surgiu como mote para a abertura das restantes linhas que, de forma mais ou menos encadeada, foram aparecendo.
Hoje existem na falésia dos Pinheirinhos 22 vias, das quais 5 estão totalmente equipadas e as restantes semi-equipadas.
Este artigo pretende divulgar as 5 vias existentes no flanco direito da parede. Exceptuando a “Elite do Medo”, estas foram as últimas linhas abertas nesta bela falésia.
O acesso mais prático consiste em “rappelar” a própria “Elite do medo” (corda simples de 60m suficiente) e da sua base aceder a qualquer das vias apresentadas.
Todas as vias têm mais ou menos 100 m.
Da esquerda para a direita encontramos em primeiro lugar a “Amargo inicio, doce final”. Esta talvez seja a mais exigente. Foi pré-equipada desde cima e o seu “crux” encontra-se no curto segundo lance. Passos intensos e “bloqueiros”.
De seguida temos a “Olvidanço e elegância”, aberta na companhia da Daniela e de um “clássico” da escalada portuguesa, o Paulo Alves. Esta via é muita bonita, mais fácil que a anterior e possui todas as reuniões equipadas. No final do terceiro largo, toca a “Elite do medo”, para logo sair pela esquerda, em comum com a “Amargo inicio, doce final”.
À direita da referida “Elite do medo”, ergue-se um evidente diedro, que constitui o primeiro largo da “Caracol saltitante”. Esta foi também uma via equipada e limpa de alguns blocos desde cima, antes da sua abertura oficial. O último lance exige alguma precaução devido ao estado da rocha.
Finalmente, após uma curta travessia, deparamos com um diedro oculto e vertical, trata-se da “Pipocas indigestas”, aberta em solitário num quente dia de Janeiro (!). É uma bela via com 3 longos lances.
Paulo Roxo