terça-feira, abril 01, 2008

Cuiação Palpitante


Desde há algum tempo que os nossos dedos (agora) de pele suave, não sentiam a deliciosa rugosidade da rocha.

Há algumas...há muitas semanas atrás, ainda eu sonhava com o Evereste para este ano, a azáfama relacionada com a suposta expedição, consumia-nos os fins-de-semana. Entre dias de chuva, de compras, de arrumações, de pressas, víamos o tempo passar e aclimatávamos à ideia de que rocha...só após o regresso da expedição.

Entretanto, os chineses trataram de alterar-nos os planos, cancelaram a minha licença de ascensão o que levou a...”ligeiríssimas” mudanças no roteiro de viagem (a seu tempo, este tema há-de merecer mais um post!) e claro, mal pudemos, atiramo-nos às paredes de imediato, ansiosos por enrijecer a pele das mãos.

O resultado do primeiro fim-de-semana não foi o desejado. Com um bafejo de frio a saber a Páscoa, fomos direitinhos à Serra da Estrela, na esperança de sermos surpreendidos pelo último sopro do Inverno. O resultado não foi o esperado, os piolets mantém até hoje a ferrugem que esta escassa época invernal lhes atribuiu. Ainda assim, a sexta-feira foi Santa e o nosso coelho da Páscoa trouxe mais um sector para escalar na serrinha, apesar do escasso frio se entranhar nas nossas já pouco resistentes mão nuas (mas isto também há-de dar direito a outro post!).

Sábado abandonamos o semi-frio, para Domingo desfrutarmos do calor nas belas falésias da Arrábida.

Na Parede Amarela, existia já uma linha que há muito tínhamos tentado. Nesse “há muito”, eu não estava nos meus dias e após 2 largos escalados, consegui arruinar o cérebro do Paulo de modo a abandonarmos a parede de mãos...de pés de gato a abanar.



Essa linha permaneceu escondida nos recantos das nossa memória até à abertura da “Bio-(H)Azard”.

Para Domingo de Páscoa, pareceu-nos um bom objectivo, mas o coelho do Paulo, achou que aquele ovo havia de se partir logo ao primeiro largo.

Resultado, após cerca de duas horas, apenas 20m tinham sido conquistados...a ferros! A coisa terminou com uma martelada no lábio do Paulo, quando tentava colocar um piton. Foi a gota de água...ou de sangue, que o fez abandonar...a juntar ao meu conselho “espeta aí uma plaquete e vem já imediatamente para baixo!”. Não era decididamente o dia certo, a ferrugem que se nos instalara nos ossos, não permitiu uma Páscoa feliz. Pouco depois, encontramo-nos a afogar as mágoas numas “amêndoas” de marisco, bem regadas com uma fresquíssima sangria. Os comentários eram redundantes “É normal, já não escalamos à pelo menos 5 semanas”, “Estamos tão enferrujados”, “Precisamos de rodar”, “Isto com uns fins-de-semana vai ao sitio”...

No Domingo passado (30 de Março), achamos que aquela linha merecia...mais um pegue.

(Não digam a ninguém, mas o dia anterior ali para os lados do Cabo da Roca, também não nos correu nada bem!)


Animados por termos mais uma hora com a chegada do horário de Verão (já estão a ver o que nos passava pela cabeça!), dirigimo-nos novamente à Parede Amarela.

A via, já tinha nome, “Cuiação Palpitante”...creio que dispensa qualquer comentário sobre o porquê!

O dia não começou da melhor forma, ao contrário do que indicava a meteorologia, a manhã estava cinzenta e pingona. Durante todo o caminho, não conseguimos evitar as gotas que teimavam em abandonar nuvens cinzentas que pairavam acima de nós.

Somente quando saímos do carro, na povoação dos Pinheirinhos, uma pequena aberta surgiu mesmo por cima das nossas cabeças.


O Paulo chamou-lhe “uma boa aberta”, a minha fé, não dava para tanto. No meu íntimo, aquela era a aberta que nos levaria à base da parede, onde seríamos enxovalhados por uma repentina chuvada...ainda bem que me enganei!

A “boa aberta” abriu mesmo e o dia cinzento transformou-se em céu quase limpo com uma surpreendente amena temperatura.

O Paulo, inspirado pela mudança climática, ou por outra coisa qualquer, fez desta feita o primeiro largo em grande estilo! Encadiadíssimo, um 6c atlético, com matreiras fissuras onde os menos habituados poderão ter alguma dificuldade em proteger. Eu, acabei por me safar muito melhor do que o dia anterior no Cabo da Roca fazia supor!




Sobrava um largo para atingir o topo da falésia, com um diedro diagonal, daqueles em que todas as posições parecem pouco adequadas.

Da solarenga reunião, pude apreciar o Paulo a resolver todo o largo (para os mais afoitos, ainda não está encadeado, mas os movimentos, são todos exequíveis...eu vi!).



Euzinha, lá tive de estribar numa (das duas) plaquetes do largo, mas não fiquei muito desanimada...para o que escalo!

Chegando lá acima, com um sorrisinho feliz só consigo dizer “Está quebrado o feitiço, Paulo estás de volta!”.



Assim surge mais uma bonita via na Parede Amarela.

A rocha?

Para alguns é de boa qualidade, para outros nem por isso!

Vai lá, experimenta e descobre...que tipo de escalador és tu?

Daniela Teixeira



Ficha técnica da coisa:


O material necessário será o habitual para estas pequenas aventuras ou seja, um conjunto de friends, repetindo o camalot 1 e 2, incluindo o camalot 4 e alguns entaladores (bastante úteis no primeiro lance).

As reuniões estão equipadas para rapelar. Aconselhável corda simples de 65 metros (ou cordas duplas). Embora os lances tenham uns 35 metros de linha creio ser possível descer com uma corda simples de 60 metros (será à justa, por isso muita atenção ao final da corda!).

Como referiu a Daniela no seu texto, a qualidade da rocha é uma questão de perspectiva. Diria que tem uma base muito boa, com alguns blocos disseminados aqui e ali. Como é evidente, serão as muuuuitas repetições que acabarão por limpar a via.

O primeiro largo é de protecção algo difícil o que lhe confere um relativo grau de compromisso. A plaquete no final só é visível quando estiveres em cima dela.

O segundo lance é mais evidente e mais fácil de proteger. Segue a fissura diagonal que pede a gritos para ser escalada.