segunda-feira, novembro 10, 2008

Mais um cheirinho a Gasherbrum

Não resisto em coloca-las no blog!
Recebi estas fotos sexta-feira passada. Foram tiradas desde a zona do campo 1 para o "Esporão dos Franceses" no Gasherbrum II.
Os pequenos pontinhos na aresta (identificam-se se abrirem a foto!) somos nós! Eu e o Paulo.
As imagens reportaram-me imediatamente àquela montanha, àquela via com que ainda hoje continuamos a sonhar...





segunda-feira, novembro 03, 2008

EDELWEISS



Nos meus princípios na escalada, a palavra “Meadinha” suscitava imagens tenebrosas de longas distâncias entre pitons, chaminés horríveis impossíveis de proteger e placas infinitas em tamanho e exposição.

Há uns vinte anos a Meadinha era ainda uma parede remota, encaixada num vale perdido da Peneda, apenas acessível por um velho estradão de terra que conduzia a uma pequena aldeia nascida em redor de um magnifico templo de granito, destinado a adorar um qualquer Deus, desde tempos imemoriais.



Era uma parede envolta por uma aura de mistério impenetrável. A mera invocação do seu nome produzia suores frios e das palmas das mãos brotavam imediatamente goticulas de húmidade.

O “Escalador da Meadinha” entrava para um panteão de heróis venerados, detentores dos maiores pares de tomates da época.

Os mestres da Meadinha eram os Galegos.

Os irmãos Novás, José Carlos Iglesias (guia de montanha, ex-monitor da escola de Benasque) entre outros, abriram vias nesta parede, seguindo um estilo muito puro, ainda hoje impressionante.

Calçando os “transatlânticos” disponíveis no mercado nos anos 80, estes tipos escalavam com mestria as temíveis placas entre fissuras, colocando muito raramente algum que outro buril à mão (as máquinas não existiam!), equilibrados em precários cristais.

Do lado de cá da fronteira surge um nome incontornável da escalada nortenha: o Pedro Pacheco. Este especialista no granito e membro da velha guarda numa altura em que –e cito- “o sexo era seguro e a escalada perigosa”, abriu algumas linhas na Meadinha, adoptando o mesmo grau de compromisso que os colegas espanhóis.

Infelizmente, a “Outsiders”, uma das suas obras, foi hoje em dia conspurcada com algumas inúteis plaquetes... mas, já lá vamos ao assunto dos equipamentos actuais.



Daniela na via "Meadinha".


A característica mais particular da Meadinha talvez sejam os cristais que afloram do granito. Estes pedacinhos de mineral reluzente, variam de formas e tamanhos e aqui, mais que em qualquer outro ponto do país, possibilitam a realização destas incriveis vias ou, por outro lado, á constatação perturbante de que, em caso de queda, é muito possível que sejamos premiados com um esfoliante... de corpo inteiro.

Quando finalmente amadureci o suficiente as minhas experiências no mundo vertical, resolvi aventurar-me na parede das paredes.


Daniela no artifo de saída da via "Medinha"


Vêem-me à memória os redundantes fracassos iniciais. Primeiros lances de perna a tremer, à beira de uma morte certa e dolorosa.

Após sobreviver sem saber como, aos épicos auto-infligidos, nos quarto-graus mais duros do mundo, recordo-me descer de uma qualquer reunião manhosa, a jurar nunca mais voltar.

Convêm referir que foi esta a parede que –há bastantes anos e, após muitas horas sobre placas atemorizantes- fez o Paulo Gorjão fugir a sete pés deste lugar e, desistir pura e simplesmente de escalar. Felizmente, as reconfortantes falésias aquecidas pelo sol do Atlântico, reduziram-lhe o nível de trauma e, passado algum tempo, voltou a calçar as suas “EB`s”.


"Larau" na "Come-cocos"


Uma das historias (quase lenda) mais caricatas que me vem à cabeça é a de um ilustre conhecido da nossa “família” ter ido escalar a via “Come-cocos” com outros dois companheiros (também ilustres viventes escaladores) e, após ter chegado à primeira reunião, agarrar-se a um piton, debruçar-se sobre o abismo e... despencar de cabeça para baixo, desamparado para o precipício, ainda a gritar: “REUNIÃÃÃÃOOO!!...”

Conta a historia que o pobre saiu ileso, salvo as múltiplas escoriações e a despesa no guarda-roupa.

Não posso jurar que a historia anterior se tenha passado exactamente da forma descrita mas, pelo menos foi assim que ma contaram. No entanto, a veracidade total e exacta pouco importa. O que de facto interessa é que estas eram historias de uma altura em que a Meadinha era considerada um local de culto, não só para os peregrinos que acorriam ao santuário em busca da salvação do espirito, como para os escaladores que, em paralelo, buscavam o seu momento Zen.


"Larau na "Come-cocos"


Eu, no primeiro lance da via "Meadinha"


Relativamente ignorada pelos Portugueses, esquecida pelos Espanhóis eis que de repente (nos últimos três ou quatro anos) uma nova vaga invadiu a Meadinha. Novas vias foram abertas e as antigas super-clássicas reequipadas e limpas por entusiastas de Vigo.


Daniela na "Come-cocos"


Embora o seu trabalho titânico seja memorável, não deixa de haver algum exagero. Os maus exemplos embora reduzidos, são um bocado assinaláveis, como o incompreensível equipamento de algumas fissuras clássicas, as excessivas escovadas e os aberrantes picados com os nomes das vias gravados no granito, na base das mesmas.



Picados!!!!


Os aspectos positivos passam pelo levantamento de todas as vias existentes, a divulgação dos topos e a consequente facilidade actual de acesso a todos os que desejem desfrutar deste lugar único.

A publicação dos croquis revelou as vias existentes e também... o terreno ainda por explorar.

Sempre tive o fetiche de abrir uma via de escalada na Meadinha. No entanto, a falta de informação anterior desmotivava uma visita para o efeito. Depois, com a “nova vaga” começaram a surgir plaquetes por todos os recantos da parede. De tal forma que dava a impressão que as vias se empacotavam.

Desistimos da ideia de abrir algo novo.


Daniela numa das melhores fissuras da Meadinha. A "Tia Mucha"


A fotografia publicada na net, com as linha marcadas, revelaram um estético esporão onde, aparentemente não existia qualquer itinerário.

A luzinha exploradora reacendeu-se!

A perspectiva de abrir uma via independente e lógica, sem cruzar com nenhuma outra, na emblemática Meadinha era demasiado apelativa.

A Daniela e eu resolvemos tentar a nossa sorte e, munidos de uma máquina para acelerar o processo (batota!), escovas, friends e entalecos, lançámo-nos à empreitada.

Desde baixo, abrimos a “Edelweiss”, colocando um mínimo, muito mínimo de plaquetes.


Primeiro lance de fissura da "Edelweiss"

Ainda no primeiro lance


Trata-se de uma via de quatro lances, com um grau mediano, uma placa “à la Peneda” equipada (três pernes) por realizar em livre e um certo grau de exposição e compromisso. As reuniões encontram-se equipadas para o rapel (terceira reunião com um perno –pode-se complementar com um troço de cordeleta num grande arbusto à esquerda).


Inicio do segundo lance da "Edelweiss". Só precisa de uma escovadita!


Na saída do segundo largo. Chaminé fácil

Protecção "à bomba!"... num cristal!

Placa de saída do terceiro largo da "Edelweiss"


Quem desejar repetir esta via e quiser sair por cima pode evitar o ultimo lance (últimos metros florestais!), enlaçar com a via “Aplaudeme nena” a partir da terceira reunião e colocar-se no topo da magnifica Meadinha.

A Edelweiss pode não ser a via mais chamativa da parede. Até porque lhe falta uma valente limpeza de musgo (apesar de ser perfeitamente realizável tal como está). No entanto, trata-se de mais uma adição óbvia ao conjunto de vias.







Na Meadinha as escaladas mais lógicas há muito foram abertas. A “Escaleras al cielo”, “Come-cocos”, via “S”, “Autopista”, “Outsiders”, entre outros, são verdadeiros ex-libris intuitivos. Excelentes representantes de inquestionável qualidade, na nossa terra e... em qualquer ponto do universo!


Aurora boreal na Peneda!


Paulo Roxo