quinta-feira, novembro 24, 2011

El Chorro remake

Norte ou sul?
Via aberta ou ainda não?
Esquerda ou direita?
Arriscar ou equipar?
Tudo questões que se tornaram num...

DESNORTE TOTAL



Teneis una como esta?” Pergunta o jovem rasta, num sotaque que denuncia a sua nacionalidade não hispânica.

Na mão exibe uma chave de rodas, daquelas para trocar um pneu furado do carro.

Na berma do estradão de terra e pedras que serpenteia pelo meio da floresta e que serve para aceder aos sectores de escalada, encontramos uma Volkswagen traffic atravessada no caminho e com um pneu totalmente em baixo.

“Es que esto esta roto!” Observamos a chave de rodas, partida e inútil.

“Vamos a ver.” Diz-lhe o Bruno, abrindo o porta bagagens da sua carrinha, deixando à vista um espaço amplo de bancos recostados e diverso material, entre mochilas, sacos de dormir, colchonetas, caixa de comida, mesas e cadeiras de campismo, etc.


Equipamento profissional para... acampar.


Estamos em El Chorro, mesmo a meio de mais um sonho de escalada, vivendo o processo de abertura de um novo itinerário, no epicentro de novas emoções e aventuras.

A chave de rodas emprestada afinal não funciona e o rapaz devolve-nos a ferramenta.

“Tu crees que aqui se puede dormir?” Com aparente despreocupação o jovem aponta para um pequeno prado, situado mesmo ao lado do estradão. Respondemos que em principio não deverá haver problema, desde que desmonte o aparato pela manhã.

Nós próprios, encontrámos o “spot” perfeito, mesmo no meio do bosque, onde passámos as noites.


No bosque, o local perfeito para dormir.


Nas duas manhãs seguintes, pouco depois do nascer do sol, ao nos dirigirmos para o nosso projecto, lá encontrámos o jovem rasta enfiado no saco-cama, deitado tranquilamente. Ao seu lado, dormiam também alguns amigos mais. Junto ao prado, ainda atravessada no caminho, aí estava a Volkswagen, com o pneu em baixo, à espera de uma simples chave de rodas, sem pressas para sair dali.


A aproximação ao mega-projecto.


Mais tarde, durante um passeio encontrámos de novo o grupo de rastas. O jovem reconheceu-nos e disse com ar divertido: “Dos dias de trabajo para arreglar la rueda!”

Naquele momento pensei que um simples pneu furado seria o suficiente para despoletar uma situação de stress para a maioria das pessoas, por alterar rotinas estabelecidas. Observando aquela malta tranquila, o Bruno e eu comentávamos que a vida não tem de ser necessariamente tão difícil.

A simplicidade é exactamente uma das razões que nos leva a lugares como este. “Uma das coisas que mais gosto na escalada é o facto de me abstrair de tudo.” Confessou o Bruno, num dos jantares à luz do frontal, na sua mesa de campismo.


Bruno, um cozinheiro e peras!


O nível de concentração durante o acto de escalar, a busca constante do equilíbrio para evitar a inexorável atracção da gravidade, o próprio direccionar da mente no sentido de enfrentar situações de risco ou perigo. São coisas que despertam os instintos mais recônditos, que nos reduzem ao estado mais simples, se quisermos mais puro e que, no fundo, nos limpam a alma (nem que seja por breves momentos) de entraves, frustrações e preocupações.


Flora e mineral de El Chorro.


Tinham passado apenas duas semanas desde que a Daniela e eu estivéramos em El Chorro a escalar uma nova via no sector “Escaleras suizas”.

O plano furado de tentar uma via no Douro levara-nos para sul.

Desta vez, com o Bruno Gaspar, repetia-se o processo.

De malas e bagagens (e muito friends!) apontados para o Douro Internacional consultamos de novo a internet, na esperança vã de que as previsões de chuva para o norte se alterassem da noite para o dia.

Os primeiros passos fáceis e fluidos em calcário de razoável qualidade inserem-nos definitivamente na escalada.

“Merda! Está aqui um piton antigo!” Logo na primeira parte da via a que nos propomos encontramos um sinal que prova a presença de antecessores. Pensando que podia ter sido apenas uma tentativa anterior, decido continuar.


"Então vamos lá!"


No final de um pilar sem historia mas de linha muito lógica, avisto outro sinal de passagem: uma cordeleta queimada pelo sol, a abraçar uma ponte de rocha.

Fixamos uma das cordas estáticas para retornar no dia seguinte, não sem antes reflectirmos sobre as possibilidades.



Dois momentos do Bruno no segundo lance (para nós o primeiro, uma vez que escalámos de seguida os primeiros 70 metros de via).


“A via mais lógica e óbvia é aquele pilar extra-prumado.” O Bruno aponta para a esquerda das nossas cabeças. Aceno em concordância.

“A existir uma via aberta, irá concerteza por ali!”

Olho para a direita e avisto uma espécie de diedro/chaminé igualmente óbvio.

Um rápido reconhecimento indica que a segunda hipótese implica equipar um curto muro com expansivos antes do diedro avistado.

“Estou indeciso!” Digo.

Pessoalmente não tenho muito interesse em repetir uma via estabelecida.

“Por mim, tentaria seguir a linha lógica. Se encontrarmos sinais de passagem descemos e tentamos outra coisa. Senão...”

Acabo por concordar com a sugestão do Bruno. No dia seguinte se veria.


Com ar de tó-tó a pensar no dia seguinte...


O dia seguinte viu-me suspenso num entalador precário sem saber muito bem se aquilo iria aguentar ou não.

“Bruno, atenção!” A chamada de atenção destinava-se no fundo, a mim próprio. Concentrei-me e ergui-me nos estribos com delicadeza até dar de caras com a pequena fissura onde tinha entalado o bicoin meio ás cegas. Este estava a ponto de saltar. Felizmente, mesmo por detrás daquela peça precária ali estava uma boa fissura prontinha a receber um novo entalador “à bomba”.


O pilar extra-prumado. O lance de artifo da via. Um bom objectivo para realizar em livre um dia.


Tentava conquistar o estético pilar extra-prumado que faria a ligação mais lógica com o muro superior. Cerca de uma hora e meia depois, lá atingi o nicho reservado para a reunião. Nem sinais de uma passagem anterior. Abaixo dos meus pés ficava o tecto soberbo onde abandonei um piton e uma plaquete.


Passado o local do pequeno entalador do medo.


Bruno a chegar à reunião do terceiro lance, após o grande extra-prumo.


O Bruno encarregou-se do lance seguinte constituído por uma fissura vertical e um novo esporão bonito.


A iniciar o quarto lance da via.


Alguns escaladores passavam no solo, mesmo por baixo da nossa posição. A possibilidade de soltar alguma pedra deixava-nos apreensivos.

O sector “Poema roca”, localizado numa das principais paredes de El Chorro, constitui também o muro mais alto da zona, com quase 300 metros de rocha vertical e extra-prumada. Este é também um dos sectores mais concorridos devido ao elevado numero de vias desportivas, a maioria com apenas um lance de escalada.


Sector "Poema roca". Espectacular e com historias para contar.


Os muros superiores ainda apresentam várias possibilidades para itinerários longos. No entanto, os candidatos à inauguração desses itinerários deverão ter bem presente que a atenção a rocha solta deverá ser uma constante.


Muros superiores.


Felizmente, o largo mais precário da nossa via tinha sido ultrapassado: o quinto lance que, apesar de não representar nada de muito escabroso, continha alguns blocos ameaçadores. “Numa situação de escalada sobre o mar, lá para os nossos lados, estes blocos já estavam a voar!” Comentei, ao mesmo tempo que tentava colocar os pés noutras presas mais saudáveis.

“Não mandes nada. Cuidado que agora anda gente lá embaixo!” A voz do Bruno denotava preocupação.

Mesmo a propósito, o lance reservou-nos um momento de emoção, quando ao içar o petate, soltei um bloco do tamanho de um micro-ondas que voou sob o olhar impotente do Bruno. “PIEDRAAA!” Gritámos em uníssono. A pedra estatelou-se no solo e rebolou alguns metros até se deter no meio de algumas arvores. Nem sinal de mazelas, queixumes ou vozes iradas de punho erguido com promessas de violência. O local retomou a calma habitual.

Fixámos a segunda corda estática e também a corda dinâmica. Rapelámos até à base da parede. Tentaríamos terminar a via no dia seguinte.


Bruno a rapelar o terceiro lance pela corda fixa. Na foto pode-se apreciar a inclinação do tecto.


A primeira parte da manhã seguinte foi passada a jumarear as cordas instaladas na parede. Um atrás do outro, vagarosamente, lá fomos ganhando o terreno vertiginoso conquistado nos dias anteriores até completarmos os 175 metros que nos separavam do solo.


A jumarear o tecto com muito ar debaixo dos pés.


Os planos originais para o Douro Internacional incluíam a realização da ascensão em técnica de Bigwall onde iríamos utilizar a hamaca que nos permitiria “viver” na parede durante a abertura da via.

Quando o mau tempo nos empurrou para o El Chorro, mudámos de estratégia. O facto de passarem pessoas com uma certa regularidade junto à base das paredes condicionou imediatamente o método de escalada. “Viver” na parede implicaria muito mais manobras e um incremento no peso a içar, o que aumentaria de forma substancial o risco de deslocar pedras.

Por outro lado, devido ás características da própria via, seria muito difícil concluir a escalada num único dia. Assim, a solução de compromisso foi fixar cordas suficientes para permitir um “ataque” final mais descontraído, sem pressões ao pôr do sol nem épicos nocturnos em território desconhecido.


E mais uma "jumareadela" tediosa antes de retomar a escalada "à séria"!


À esquerda da quinta reunião erguia-se uma enorme placa de calcário cinzento com um aspecto muito sugestivo.

O Bruno resolveu aquele que se transformou no lance mais estético e também o de maiores dimensões de toda a via: uma placa com uns 45 metros, excepcional, de boa rocha e aderência, com um “crux” no final constituído por alguns passos de bloco com os pés em presas indecentes (ou inexistentes?).


De novo em acção! Bruno a iniciar o lance mais espectacular da via.


"Párriba!"


“Atenção aí!” Com as energias a drenarem-se via antebraços o Bruno tentava proteger convenientemente os últimos movimentos. Finalmente, após um curto descanso num friend suspeito, conseguiu resolver o problema e alcançar uma plataforma exígua para montar a reunião.


A meio do sexto lance.


Bruno a aproximar-se do crux do largo. Os braços pedem descanso.


Escalei o lance com desfrute, admirando a estética do itinerário onde não foi necessário abandonar qualquer piton, cordeleta ou plaquete. O “crux” travou o ritmo e rapidamente fiquei sem saber onde colocar os pés. Sem mais nem menos, abaixo dos joelhos, pendiam agora dois apêndices inúteis que tentavam em vão recolocar-se na rocha. Incapaz de realizar o passo com algum brio, engoli o orgulho e toca de subir a coisa ao bom estilo de escalada livre... de preconceitos (!).


A sexta reunião.


“Roxo, por aí NÃO!” Fui proibido terminantemente de tentar sequer uma travessia para a esquerda da reunião, através de um edifício de grandes lastras que se mantinham em consola. Uma rápida inspecção concluiu que as lastras estavam de facto apoiadas em... nada! Com efeito, tinham sido as fissuras produzidas por essas mesmas lastras o que nos atraiu desde a reunião anterior. As fissuras convidativas prometiam uma saída rápida e lógica. Para o Bruno, o convite transformou-se em horror quando verificou o estado precário da estrutura. Nem se atreveu a tocar naquilo, quanto mais colocar ali alguma peça de material.

A alternativa mais viável parecia ser um muro compacto que se erguia directamente da reunião. A sua escalada implicava o uso da máquina para colocar alguns expansivos.


A preparar-me para colocar uma plaquete.


"Ok! Agora posso continuar!"


Optámos desde o inicio por utilizar a máquina porque imaginámos a possibilidade de encontrar lances mais compactos e sem fissuras. O uso moderado dessa “batota” permitiria ultrapassar as secções mais lisas com mais celeridade.

Tardei mais tempo que o desejado a resolver os passos em escalada artificial, onde abandonei três plaquetes e dois pitons. Para cima restavam uns vinte metros de escalada mais fácil e com estrutura.


Rocha mais compacta onde utilizei os estribos. Á esquerda avistam-se as fissuras convidativas mas, as lastras que as formam encontram-se apoiadas em... ar!


"Ei! O pé aí! Tira o pé!"


Assegurei o Bruno que rapidamente traduziu os passos mecânicos de artificial em movimentos mais elegantes de escalada livre.

A partir daquele ponto a parede perdia inclinação de forma evidente. Restavam uns 50 metros de trepada fácil por entre alguns blocos de aspecto instável até alcançarmos a aresta. O meu “chip” alpinista impelia-me a continuar. De alguma forma, à semelhança com o que se passa nas montanhas, parecia que esta aventura não estaria completa sem um pequeno cimo. Mas, as cordas fixas mais abaixo obrigavam-nos a descer para as desmontar. Rapelar desde o topo da falésia suponha uma probabilidade demasiado alta de deslocar pedras. Pesando prós e contras decidimos terminar a nossa via no final das dificuldades, ou seja, exactamente no ponto onde nos encontrávamos.


Restava equipar as reuniões para descer. "A ver se temos bateria!"


Fim... da via... falta a descida.


O ultimo rapel reservou-nos uma surpresa, digamos... espinhosa!

A linha de descida desde o grande tecto correspondente ao terceiro lance depositou-nos mesmo por cima de um imenso jardim de... cactos!

“E agora?”

“Agora, vamos sofrer um bocadinho!”

A perspectiva de rapelar directamente para o interior de um campo de cactos era tão “sui géneris”, tão original, que a única coisa que nos veio à cabeça foi rirmos da nossa própria situação.


!!!


Á medida que descia hesitante em direcção aos cactos, imagens de banda desenhada e cartoons enchiam-me o cérebro, nomeadamente aquelas em que o personagem mais desgraçado saía de uma situação semelhante, aos gritos, a correr desalvorado, com as nalgas pejadas de espinhos.


!!!!!!


Imaginava também a reacção das pessoas no solo, que naquele momento poderiam estar a observar: um campo enorme de cactos, folhas carnudas e espinhosas a voar 40 metros e a aterrarem com um som seco. De repente, do meio dos picos, um louco agarrado a uma corda, com um olhar esbugalhado pela dor...

Na segurança confortável do chão demos finalmente o abraço de celebração pela aventura terminada.

Agarrados a nós ainda estavam todas as cordas, mochilas e demais quinquilharia que fomos desmontando pelo caminho, qual “carro-vassoura” sobrecarregado.


"Carro-vassoura!"


Uma das testemunhas do ultimo rapel aparatoso aproximou-se. Um tipo alto e andrajoso, com uma pinta germânica, cuja cara transmitia o ar de quem acabava de confirmar a existência de seres extra-terrestres. Impunha-se a questão fundamental, talvez aquela que mais o inquietava:

“Why so many ropes?!”


Paulo Roxo


Topos da via:








quarta-feira, novembro 16, 2011

A.A.J.

AMERICAN ALPINE JOURNAL


E
nquanto a historia (e fotos) da ultima escalada em El Chorro se encontra em fase de criação aqui fica entretanto a partilha da ultima edição do The American Alpine Journal, onde são reportadas bastantes aberturas e novas ascensões ao nível mundial.
Nesta edição de 2010, que nos foi enviada nos ultimos dias, a nossa expedição na India mereceu a referência em algumas páginas.






segunda-feira, novembro 14, 2011

El!

DOURO INTER... Opss!!


Uma aventura em agenda...
A cordada formada entre o Bruno Gaspar e eu (Paulo)...
Mente e equipamento apontados directamente para o Douro Internacional...
Os dias da acção aproximam-se...
A bussola aponta o norte...
Os motores aquecem...
O clima está de feição... não existe sinal de chuva...

para sul!



El Chorro. 255 metros de exploração!



"Why so many ropes?!" Interpelados no final da aventura por um "Rasta" alemão em El Chorro.


Aqui e a seguir...

terça-feira, novembro 08, 2011

El Chorro. Via nova.

ANDANÇAS VERTICAIS POR ANDALUZIA



Sombras com cordas.


E aquela parede, têm alguma via?”

Olhei para cima, observando o pilar de calcário que se erguia por entre as placas e pequenas torres vizinhas.

“Bem, deve haver algo. Aquilo é tão evidente...”

Na minha resposta à questão da Daniela, sobressaía a dúvida.

“Já viste aquelas fissuras? Será que vai por ali qualquer coisa?” Continuou a Daniela.

As questões formuladas levaram a um novo interesse. Íamos a caminho de um sector atractivo mas, mais longínquo e, assim de repente, eis que surgia uma nova ideia.

O El Chorro é um velho conhecido e as minhas antigas visitas estiveram sempre centradas na escalada desportiva.


El Chorro natural.


Há vários anos atrás, quando o El Chorro era uma escola “da moda”, era costume realizar algumas peregrinações desde Portugal. A época favorita era, sem duvida, o final do ano. Nesta data festiva organizavam-se verdadeiras farras alcoólicas, com bastante erva e haxixe à mistura, num refugio apinhado de gadelhudos e gadelhudas desgrenhados. Normalmente, a meio da noite e, já bastante intoxicados pela nuvem de fumaça, causávamos sensação quando retirávamos do bolso uma ameaçadora navalha afiada... para a espetar num grande pão alentejano. Os variados dialectos confundiam-se mas, isso pouco importava porque a ordem do dia era a diversão pura em comunidade estreita com os “nuestros hermanos”.


Um dos sectores principais e decerto o mais mítico: Frontales medias e Poema Roca.


No dia seguinte à “fiesta brava”, lá nos íamos arrastando como podíamos pelas paredes, “chapando” plaquetes e enchendo a cabeça, já de si a transbordar, com o som agudo dos mosquetões a fechar.

O equipamento era organizado em dez minutos e isso incutiu no meu cérebro uma imagem precisa acerca do El Chorro. Para mim esta era uma escola de escalada desportiva. Uma mega-escola, apesar de tudo. Não desfazendo das suas vias desportivas, algumas excelentes e de qualidade inquestionável, algo escapava à minha percepção.


Paredes e mais paredes.


Com o passar dos anos sem retornar, esqueci-me basicamente que o El Chorro têm um bom leque de paredes grandes. Algumas relegadas para a ignorância. Até que um dia, o mau tempo geral na península empurrou-nos, à Daniela e a mim, para sul.


Vista geral de algumas das paredes de El Chorro. A via "Gula" foi aberta nas ultimas grandes placas visiveis, conhecidas como: "Escaleras Suizas".


Uma primeira incursão levou-nos a escalar uma via tão emblemática como esquecida, a “Rayito de Luna”. Essa visita terminou com uma tentativa de abertura no interior da garganta de contornos míticos, por onde se desenvolve o “Caminito del Rey”, um passadiço decrépito e espectacular que contorna os meandros do desfiladeiro de Los Gaitanes, a uma altura de vertigem.


A atractiva parede da "Rayito de Luna".


Uma nova investida, noutra ocasião, munidos do material pesado adequado possibilitou a abertura de uma nova via: a Via-Zita, escalada no dia 1 de Janeiro de 2010, no interregno de algumas chuvadas inconvenientes.


Vistas para o vale, desde as "Escaleras Suizas".


Outubro de 2011.

De baterias apontadas para o Douro, com todo o equipamento de Bigwall preparado, esperávamos a decisão final. E, hoje em dia, a decisão final está intrinsecamente ligada ás previsões meteorológicas cibernáuticas. É quase triste decidir o rumo das nossas vidas (mesmo que seja por um curto período de tempo) em função de um ecrã de computador. Rendidos enfim ás novas tecnologias, queríamos potenciar ao máximo as nossas possibilidades de escalada por isso, acabámos por rumar de novo para sul.


Bosque.


“Que tal? Não parece muito difícil. Pode até ser uma boa via de aquecimento para amanhã!” Com o “amanhã” a Daniela referia-se ao projecto abandonado há dois anos nas paredes da garganta dos Gaitanes, o motivo principal do nosso retorno a estas paragens.

“Está bem, vamos lá!”

Ás vezes ainda me surpreendo com a facilidade com que mudamos de ideias. Tínhamos combinado escalar noutro sector. De repente, um vislumbre, um olhar de esguelha e, plás! Mudança de azimute e alteração radical de planos. Por certo, também contribuiu a gula de escalar coisa novas. “Gula?! Olha, um bom nome para a via!” O baptismo estava feito e ainda nem sequer tínhamos pisado a base da parede.


O pilar "virgem" por cima das nossas cabeças.


O “fácil” cedo se tornou “menos fácil” e, alguns metros volvidos chegaram para nos convencer que aquilo afinal era “dificil”. Para quem almejava uma via mais relaxada, já se estavam a complicar as coisas.


No primeiro lance, no momento em que a escalada ainda era fácil.


No primeiro largo no momento em que a escalada se tornava... dificil!


O primeiro lance foi aberto. A Daniela veio ter comigo e, após rápida reunião resolvemos terminar a linha no dia seguinte. Tínhamos começado a escalada bastante tarde e o erro de previsão de dificuldades era óbvio. Olhando para cima adivinhava-se que a nossa via de aquecimento iria concerteza “aquecer” muito mais que o imaginado desde o solo.

“Ok! Terminamos isto amanhã e no dia seguinte atacamos o outro projecto!”

A ideia era bonita mas, os meus calcanhares estranhamente doridos pela nefasta combinação sol intenso/pés inchados, tinham uma palavrinha a dizer relativamente ao plano...


A Daniela a jumarear no segundo dia para continuar a abertura.


Inicio do segundo lance, espectacular e looongo (55 m).


A Daniela a curtir as placas compactas.


“Uau!” A escalada é espectacular!”

Á medida que ia descobrindo as presas francas que se adivinhavam ao longo das placas de aparência lisa, ia lançando ao ar palavras de regozijo. Contudo, havia algo que me incomodava e impedia a satisfação total destes passos fantásticos em rocha virgem: os meus pés. Nas secções mais desprotegidas demorava sempre mais algum tempo. Hesitações sobre a ponta dos pés que desagradavam a parte traseira dos mesmos. O sol não dava tréguas e cada passo a mais incrementava mais um nível na escala de dor imposta pelos calcanhares apertados.


Cool!



Dois momentos da chegada à segunda reunião após um longo e bonito segundo lance.


A escalada mantinha-se exigente, lógica e brilhante. Pensava na sorte de descobrir linhas deste gabarito nos dias que correm. “El Chorro esgotado? Não me parece!”

A verticalidade mantinha-se e, com ela, a dificuldade com alguns “run-outs” controlados. Atrás das costas, a floresta antecedia uma paisagem a perder de vista. Estávamos num verdadeiro miradouro de vistas largas.


Inicio do terceiro lance.


"Tens aí uns presões de mão cheia!" Terceiro largo.


“Parece que só nos falta um lance curto para terminar a via!” Anunciei, após uma inspecção de pescoço esticado, desde a terceira reunião.

O “lance curto” finalizou após cerca de 50 metros de corda, recordando que ás vezes -leia-se: quase sempre- as aparências iludem.


O ultimo lance curtinho (50 metros!).


A terminar a via. Missão cumprida (ou comprida?).


Com o sol a cair no horizonte alcançamos os últimos metros da nova via.

Sob a luz dirigida dos frontais aterrámos na base da parede satisfeitos. “Mais uma!”


"Aí vem o esparguete!!"


No dia seguinte, a bolha que espreitava orgulhosa no meu calcanhar direito, estragou o plano inicial. Dia de passeio e desfrute local.


El Chorro selvagem.


Um sector magnifico de fissuras absolutamente entregue ás moscas. As vias mais óbvias estão abertas e são linhas de escalada artificial. Esquecido!!


Decididos a aproveitar a nossa estada ao máximo (e quanto a mim ignorando totalmente as mazelas) lançámo-nos a uma nova escalada, no ultimo dia na Andaluzia.

Uma bela fissura encaixada entre duas vias desportivas prometia uma boa sessão de entalamentos de mãos, de resto uma técnica nem por isso reservada unicamente ao granito. Para aceder a esta linha óbvia mas, sem qualquer referência nos guias de escalada, tivemos de subir a ferrata que antecede o “Caminito del Rey”. A perspectiva não era de todo desagradável. Aceder a uma bela via de escalada através de um espantoso pedaço de historia.


Ferrata de acesso.


O “Caminito del Rey”, hoje transformado num arriscado percurso lúdico, data de 1905 e foi feito quando a barragem estava a ser construída. Servia como meio de passagem para os trabalhadores da altura poderem transportar materiais de construção. Durante a inauguração da represa Conde del Guadalhorce, o rei Afonso XIII teve de cruzar o “caminito” e foi então que este incrível passadiço recebeu o seu nome .


Um dos aspectos do "Caminito del Rey". A foto é de uma visita anterior.


Iniciamos a escalada com vistas directas para as fissuras perfeitas da parede oposta da garganta o que ambientava toda a situação de uma forma mágica.

Pouco depois, a Daniela divertia-se a realizar entalamentos a duas mãos, inspirada pelo relato de uma ascensão recente realizada no outro lado do mundo.


O inicio da espectacular fissura.


Continua...


Apesar de não existir qualquer referência nos guias e de não encontrarmos qualquer vestígio de uma ascensão prévia, é bastante razoável que a fissura já estivesse inaugurada. Por cima da reunião, montada a 40 metros do inicio, lá vimos uma burilada metida num improvável esporão. Alguém tinha destruído todos os buris e apenas surgiam os pequenos cotos que outrora haviam sustentado o peso de algum escalador. “O resultado de um antigo contencioso?”

“E será que acederam através da fissura?”

De qualquer modo, saber quem teria sido o primeiro era um detalhe sem importância quando comparado com a beleza e desfrute da linha.


Os diedros de saída "divertidos".


Um segundo lance bem mais fácil e deveras divertido, constituído por uma sucessão de diedros depositou-nos no topo da via. Mais uma vez, nem sinal de uma qualquer ascensão anterior. Nem uma plaquete oxidada, um qualquer piton rústico ou uma cordeleta passada de prazo.


A terminar a escalada.


Mudança de sapatinhos e... pabaixo!


Felizmente, subimos prevenidos e, meia hora depois voltámos a pisar o passadiço instável do “Caminito del Rey”.


O curioso rapel de saída do "Caminito del Rey".


Embora não tenhamos concretizado a ideia inicial, o resultado final foi bastante positivo, sobretudo com a abertura da via “Gula” que nos ofereceu uma escalada de qualidade, podendo vir a ser melhorada com uma limpeza mais a fundo de alguns blocos mais suspeitos.

“El Chorro esgotado?! Mmmm... deixem lá pensar um bocado."



Paulo Roxo


As vias:

- Gula. 175m, 6c/A0.


O sector "Escaleras Suizas" com a via "Gula" marcada.






- Fissura de Hierro (desconhecemos se teremos sido os primeiros!). 65m, 6b.