OLHA! TOMA LÁ BOLACHAS!
Um espectáculo inusitado. Vários ribeiros de ocasião caíam
em cascatas varrendo as linhas de fraqueza da parede de granito.
Encostados ao carro - de motor ainda quente devido à longa
viagem – de braços cruzados, apreciávamos o fenómeno.
À esquerda na foto pode-se apreciar uma cascata de água improvisada pelas chuvas recentes.
Cruzámos toda a Espanha sob intermitentes pancadas de chuva.
Comentámos que o timing das actividades tinha sido perfeito, dadas as
circunstâncias. De facto, desde a nossa partida de Portugal tínhamos
aproveitado todos os dias de bom tempo para concretizar as escaladas. O mau
tempo esteve reservado para os períodos de descanso e viagem, normalmente
coincidentes.
As previsões ditavam que a chuva iria começar a cair ao fim
do dia em que esperávamos terminar a nossa abertura em Ordesa. As previsões
revelaram-se acertadas.
No dia seguinte, apontámos a viatura de novo para Portugal.
Ainda com dias disponíveis iríamos re-visitar a parede da Meadinha, uma
verdadeira jóia de granito em plena serra da Peneda.
O raios de sol abriam caminho por entre as nuvens e a parede
negra pela húmidade começou a secar.
A Meadinha a secar.
Estávamos decididos a culminar a nossa viagem de escalada
com uma nova via na Meadinha. Existiam no entanto algumas reservas. Em primeiro
lugar havia que formatar de novo o cérebro para o granito especial da Peneda.
Tinham sido vários dias a lutar contra a verticalidade exigente de Peña
Montañesa e contra os cubos de calcário vertiginoso de Ordesa. Agora, a
intenção era enfrentar de novo as fissuras de granito, confrontar as infames
protuberâncias de cristal tão características da Peneda.
Antes de nos lançarmos a uma nova linha, resolvemos “aquecer”
numa via estabelecida. A via escolhida revelou-se um belo “aquecimento”. A “CaravelaRoxa” foi aberta por Natália Pereira, Sergio Sá e Marco Cunha em Outubro de
2011. Era a mais recente aquisição da parede da Meadinha. O alinhamento tinha
sido muito bem visto e a coisa prometia dar luta. E deu luta!
A Daniela a iniciar a "Caravela Roxa".
A Daniela na "Caravela Roxa". Passos bonitos em granito excepcional.
Todos os lances
da via revelaram-se muito estéticos e o “crux” possuía alguns passos de placa
ultra-técnica, seguidos de uma fissura de entalamento de mãos terminando numa
escalada de cristal e aderência, tão típicos por estas bandas.
Dois momentos no "crux" intenso da "Caravela Roxa".
Chegámos ao
cimo da parede com a sensação de ter
escalado uma clássica na verdadeira acepção da palavra. Uma linha lógica que bem
merece ser colocada no panteão das melhores vias, a par com as hiper-clássicas
locais.
De novo no solo, escolhemos a futura linha à qual nos
iríamos dedicar nos dois dias seguintes.
Duas atractivas fissuras gémeas realçavam acima de toda a
restante morfologia no topo do flanco direito da Meadinha. O problema seria
interligar a metade inferior sem nos perdermos num mar de vegetação.
“Mas, olha! Ali, aquilo é uma fissura!” – anunciou efusiva a
Daniela.
“Onde?!” – perguntei céptico.
“Naquele esporão, ali!”
As fissuras gémeas no centro da foto, tirada após a abertura da via. Abaixo das fissuras e ligeiramente à esquerda pode-se apreciar uma linha ténue escovada. Por aí segue a "nossa" nova via na Meadinha.
Por mais que olhasse não conseguia identificar nenhuma
fissura no local que a Daniela apontava. Uma observação mais atenta denunciou,
finalmente, a dita fenda. Uma fina estria de ervas cortava verticalmente o
compacto esporão.
“E, onde há erva há buraco!” Neste caso: fissura.
A Daniela acabara de descobrir o elo de ligação entre os lances inferiores e as chaminés superiores.
A Daniela acabara de descobrir o elo de ligação entre os lances inferiores e as chaminés superiores.
“Limpar aquilo, vai dar trabalho!” – concluí desalentado.
A receita para se abrir novas vias na Meadinha incluí:
escova de aço, espigão de metal (um saca-entaladores também serve), piolet (não
o usámos mas... na próxima vez...), muita paciência e um completo desleixo pelo
vestuário.
A iniciar o primeiro lance da via.
A curtir as vistas no incio do segundo lance, antes de me entalar!
Os primeiros lances foram escalados com relativa facilidade
e a dita fenda foi literalmente conquistada. No entanto, o sacrifício foi
recompensado com a revelação de uma fissura de antologia, perfeita para entalar
as mãos e proteger convenientemente.
Um descanso de pés depois dos passos de artificial baptizados com o nome: "Passo Alvarinho". Segue a oferta de uma garrafa de Alvarinho a quem conseguir realizar em livre pela primeira vez o referido passo.
Depois de umas limpezas, surgirá uma excelente fissura.
A Daniela no processo de escalada...
...e limpeza!
O lance seguinte também reservou uma agradável surpresa.
Desde o solo, o que parecia uma penosa chaminé de “arrastamento” de baixo
acima, transformou-se numa escalada variada entre oposições, fissura de mãos e
chaminé fácil.
A entrada do espectacular penultimo lance. Uma das fissuras gémeas.
Dois momentos da Daniela a sair da chaminé.
E a chegar à reunião. Yô!
No final, ainda inspirados e com vontade de fazer mais,
resolvemos evitar a trepada fácil comum com a via “Esperança”, concluindo a
nova linha com mais uns 40 metros de
ressaltos interessantes.
Foram dois sorrisos de orelha a orelha que emergiram no topo
da Meadinha.
Um ultimo largo só para terminar em beleza.
No topo, a dar-lhe nas sandochas!
Na descida ainda podemos apreciar o Marco Cunha a trabalhar num novo projecto da autoria do próprio, do Sergio Sá e da Natália Pereira. Uma futura via para repetir!
Rumo a casa, reflectíamos sobre as ultimas três semanas. O
plano inicial passava por escalar apenas nos Alpes mas, os humores da atmosfera
condicionaram a viagem transformando-a num corrupio de escaladas e emoções
variadas. Os resultados foram cinco aventuras de intensa exploração vertical,
cinco novas vias distribuídas pelos Alpes, Pirinéus e Portugal.
No final, não queríamos que terminasse. Com a alma a
transbordar resignamo-nos...
OVER!
Over!
Paulo Roxo
Os Topos: