segunda-feira, março 16, 2009

TERRA DO NUNCA



Placa da Nédia.


Gigantesca lastra, tombada numa vertente da Peneda, entre o Soajo e a Nossa Senhora da Peneda.

Antes da aldeia de Tibo, numa curva acentuada da estrada, desde um esplendido mirador é possível observar a maior parede de granito do nosso país.

Desde esse ponto, o acesso parece bastante razoável, básico até. No entanto, um erro de perspectiva não permite avaliar a real distância a que nos encontramos da parede. Quando nos metemos a caminho, apercebemo-nos dolorosamente que as inofensivas ervas que avistáramos desde o mirador se transformam em grandes arbustos, entrecortados pelas sempre simpáticas, silvas.

Dependendo do nível de orientação e capacidade de corta-mato, em duas ou três horas estaremos na base da parede.

Foi o que se passou no mês de Junho do ano de 1997 ao Ricardo Nogueira e a mim.

O nosso objectivo era abrir uma via nova na Nédia.

As características morfológicas obrigaram ao uso de uma técnica mista de escalada. As placas tombadas são a tónica geral na Nédia. O içar de petates tornar-se-ia muito penoso devido ao atrito e à possibilidade de estraçalhar os próprios sacos de içagem. Assim, o primeiro escalava sem a mochila e o segundo subia com os jumares transportando a mochila da cordada.

A “Terra do nunca”, sobe a torre que se ergue à direita da placa principal da Nédia.

Para aceder à sua base escalámos um primeiro lance de terceiro grau de elevado nível botânico, que nos colocou no inicio de uma fissura muito vertical.

Todas as protecções fixas existentes foram colocadas à mão e tratam-se sobretudo de spits de 8 mm.

Após cinco lances resolvemos instalar o bivaque, ou melhor... instalar-nos num bivaque.

Recordo-me de um nicho entre blocos muito apertado até para uma pessoa. Passámos a noite em posições opostas, bem torcidos. Até me lembro de ter dormido alguma coisa, despertando de vez em quando com os pontapés do meu companheiro.

No cimo da torre, abandonámos uma cinta à volta de uma árvore e rapelámos uns vinte metros, para o interior de um enorme canal de arbustos (e árvores). Queríamos aceder ás fissuras e lastras que formam uma evidente meia lua, visível desde a estrada.




Dois largos depois, encontrei-me numa posição de contorcionista tentando colocar um piton. Duas marteladas e este soltou-se, caindo vertente abaixo. Voltei a tentar colocar um novo piton e... este seguiu o anterior, saltitando pela parede. Finalmente, à terceira, lá consegui colocar a desejada protecção. Mas, ao me ajeitar para tomar uma posição mais cómoda encostei o arnés à rocha e, por acidente, soltou-se um mosquetão recheado de pitons. Não queria acreditar. De uma assentada perdera-mos uns 7 pitons de rocha.

Alguns metros mais acima descobri um artefacto. Uma plaquete caseira. Desilusão! Lá se fora a “via nova”. Apesar de não figurar nos croquis que possuíamos acabámos por descobrir que desde o corredor de arbustos alguém tinha acedido à linha onde nos encontrávamos. Pelo aspecto do buril, parecia que já se tinham passado muitos anos desde aquela misteriosa ascensão (anos 70, talvez). Mais tarde fomos encontrando ocasionalmente mais alguns buris, bastante corroídos.

O bivaque seguinte seria realizado já quase no final da via, em hamacas de rede, num diedro que precedia uma fenda larga em “off-width”.

Não sabíamos estar tão perto do final.

No dia seguinte, “conquistámos” a duras penas a ultima fissura da via, culminando a aventura. Ou quase, porque ainda nos faltava uma difícil tarefa... descer!





Nédia. Ficha técnica.


Aproximação: Desde a aldeia de Tibo, duas opções.

  1. Descer até ao rio, no sentido oposto ao da Nédia. Cruzar a ponte e tomar o trilho na margem esquerda do rio, do lado da parede. O trilho vai-se desvanecendo e a vegetação vai ganhando terreno. A partir daí, continuar de forma instintiva procurando o melhor percurso possível por entre o verde. Entre duas a três horas (ou mais!), consoante a via e o nível de orientação e... resistência!
  2. Desde Tibo, descer por bons trilhos por entre as culturas, na margem oposta à da Nédia. Chegando ao rio, cruzar a vau (quiçá saltitando pedras) e, procurar o melhor caminho em linha perpendicular ao rio e direito à parede. O mesmo horário que o anterior. Nível de vegetação mais reduzido que o anterior.

Descida: A descida, tal como a aproximação, é um aspecto fundamental (até decisivo) a ter em conta, quando se planeia uma qualquer escalada na parede da Nédia.

Existem duas opções de descida, nenhuma delas rápida.

  1. Descer a vertente de vegetação da esquerda para quem está voltado para a parede. O caminho... não existe! Necessário buscar o melhor percurso “zigue-zagueando”, contemplando a possibilidade de ter de realizar algum curto rapel em árvores, de forma a saltar algum bloco mais alto. Esta foi a opção que adoptámos depois da abertura da “Terra do nunca”. É uma opção morosa que requer uma boa dose de aceitação e paciência.
  2. Chegando ao topo da Nédia, cruzar toda a linha de cumeada até encontrar um colo, desde o qual se avista a parede da Meadinha e a aldeia de Nossa Senhora da Peneda. Não cair no erro de tentar descer a linha de água que parte desse colo para a esquerda. Muita vegetação e forte possibilidade de um tipo se perder. Passar o dito colo e, pouco depois, encontrar o trilho que desce para a aldeia. Esta opção requer uma viatura em Nossa Senhora da Peneda ou, uma boleia para Tibo mas, é talvez a opção mais cómoda e com o atractivo de se obter umas vistas esplêndidas da Serra da Peneda.

Para qualquer das opções contar com um mínimo de duas horas.



Terra do nunca.



Estratégia de ascensão:

Para a “Terra do nunca” contar com dois dias (cordada normal!). Ou um dia muito longo, com a certeza de um final nocturno.

Uma boa estratégia pode ser, realizar a aproximação no inicio do primeiro dia, escalar o primeiro lance de III vegetal e instalar o bivaque numas plataformas situadas uns quarenta metros à direita da via. Escalar mais dois lances e fixar as duas cordas.

Na madrugada do dia seguinte, jumarear as cordas fixas e continuar a escalada com horas de luz suficientes para realizar a descida ainda de dia.

Esta opção implica transportar o material de bivaque ao longo da escalada e adicionar os jumares ao material necessário.

Futuro.

Uma bonita actividade pode ser a tentativa de ascensão “em livre” integral da “Terra do nunca”.

Sem uma única repetição, o grau de artificial da via tem a ver com o facto de termos sido obrigados a suspender-nos para colocar a maioria dos pontos fixos. Como o segundo de cordada subia pela corda com os jumares, para ser mais rápido, não chegámos a descobrir o grau “em livre” de muitos dos passos.

Há alguns anos voltei com o Ricardo Nogueira e abrimos três lances de uma nova via, que entra mais ou menos pelo centro da parede. Esta linha encontra-se em projecto e conto voltar para a completar.

A Nédia encerra possibilidades óbvias mas, a sua complicada logística de preparação, aproximação e retirada, em conjunto com o perfil de placa tombada, conspiram contra o apelo a novas aberturas ( e mesmo repetições!).

Todas as condicionantes fazem desta parede uma das mais remotas da nossa geografia.

No fundo, esses são os factores que transformam a escalada da Nédia numa memória indelével.


Paulo Roxo

3 Comments:

Anónimo said...

É sempre um gosto ler sobre estas aventuras, um hurra!!!!
Já agora numca fui á Nédia, falta minha, mas aqela marcha dá cabo do moral qualquer um.
Um abraço
João Animado

Anónimo said...

Ter que dar às pernas é o futuro. Mas pode valer a pena.

Unknown said...

É sempre bom saber que ainda existem verdadeiros escaladores, e que a paixão pela Nédia não morreu. Tanto é assim que no dia 9 de maio de 2009, o meu amigo Sérgio o espanhol e eu Pedro Vasconcelos (Botas) escalamos a narizes, numa corrida contra o tempo com inicio da escalada as nove da manha chegada ao topo as 19.00 e regresso à Peneda, onde nos aguardavam uns amigos,as 22horas. VIVA A NÉDIA e todos os que se aventuram a escalala.Um abraço do Botas