sexta-feira, dezembro 14, 2012

Abertura da época balnear -parte II


REMEMBER, REMEMBER, THESE DAYS OF DECEMBER...
(Parte II) 




De manhã o frio não era intenso, mas bastavam-nos uns poucos negativos lá para cima para que o nosso plano se concretizasse. Assim foi, com um esplendoroso céu azul e temperaturas pouco extremas (-1/-2ºC) dirigimo-nos à face oeste do Cântaro Magro, onde todo um mundo de vias invernais nos acenava.


"Colagem" excelente para a arte da escalada mista.


Ainda hesitámos...mas pouco, e decidimos retomar um projecto inacabado já com dois anos de espera.
Pois é, há dois anos atrás, um passo tramado de misto misturado com 9 graus positivos de temperatura fizeram-nos abandonar uma bonita linha que até hoje esperou a nossa visita.
Assim, com a certeza de encontrar desta vez toda a ervanária do Cântaro tão congelada como as ervilhas que habitam no congelador lá de casa, algures pela manhã de dia 2 de Dezembro, entramos no primeiro largo do que viria a tornar-se na “Unfinished Business”.


A entrar no primeiro lance, com algum gelo fino.


 A relembrar as passagens de há dois anos.


 Quase a terminar o diedro dificil do primeiro lance. Gancheios perfeitos.


"Reuniãããoo!"


O primeiro largo, que há dois anos me tinha saído a ferros e com muita ajuda da corda, com penduranços pelo caminho, desta saiu bonitinho! O diedro que tanto me tinha feito penar, foi desta vez um desfrute divertido, entre razoáveis gancheios e monopontas em sítios improváveis... que aguentaram todo o peso do meu corpo. Estava visto que os passos delicados do dia anterior tinham surtido o seu efeito de aclimatação a este tipo de... progressão vertical.


Após o troço de gelo, quase a chegar ás dificuldades mais elevadas do primeiro lance.


 Em busca dos melhores gancheios.


 Na saída, uns passos excelentes de piolet tracção... em erva congelada!


 A Daniela na primeira reunião.

Seguiram-se dois largos feitos em velocidade acelerada, simplesmente porque... eram fáceis!
De repente, estávamos ali, frente a frente com o largo que há dois anos atrás nos tinha recusado o sucesso.


 A sair da primeira reunião em busca de mais...


Passos divertidos no segundo lance.


 No segundo lance.


 A Daniela a iniciar o terceiro lance.


 No final do terceiro largo da via.



“Será que o entalador ainda lá está?” disse o Paulo recordando o ponto de abandono. E pouco depois, estava imbuído, concentrado nos delicados movimentos que a rocha colada de gelo obrigava.


A saira da reunião, a caminho do "crux" da via.



Passos excelentes de dificuldade moderada.


Era uma sequência algo complexa. Havia que ultrapassar um tecto gancheando em... nem sei bem o quê, com os pés não sei bem onde! Após um curto descanso o Paulo lá passou! Seguiu-se uma sequência de movimentos mais aprazíveis, ainda assim delicados, com os crampons sempre a rangerem na rocha, mas desta com gancheios mais evidentes. Pouco depois o entalador encontrou o Paulo... perdão, o Paulo encontrou o entalador e constatou que aquela passagem que em tempos lhe tinha toldado o cérebro, era bem mais fácil do que o que já estava para trás... ainda bem! 


"Agora pia mais fino!" Depois de uma curta travessia desequilibrante aí está o "crux", um pequeno tecto intenso de gancheios complicados.


 "Ufa! Já cá canta!"



Pouco depois, após um troço divertido em chaminé com saída para um molho de zimbros, montava a reunião. Estava feito o largo “dureza”. A certeza de que naquele dia a dita via não ficaria sem terminar, reinou na face oeste do Cântaro.


 Dois momentos na saída do espectacular quarto lance da via.


Chegou então a minha vez. Depois de diversas tentativas de ultrapassar o tecto gancheando... nem sei bem o quê, com os pés não sei bem onde, agarrei o friend que a certa altura inundava já o meu olhar esbugalhado e fui para cima! Também para mim o que se seguiu foi mais fácil. A sequência de movimentos seguintes era delicada mas exequível. A chaminé? Uma “curte”! Oposições com crampons e piolets e o zimbro a tentar entrar-me para a boca, mesmo perto da saída do largo conseguiram deixar-me com um sorrisinho nos lábios!

A Daniela a iniciar o quarto lance.



 Dois momentos na secção mais dificil e aérea do quarto largo.


 Piolets bem cravados nos tufos congelados e... "párriba!"


 Mono-ponta bem apoiada numa pequena fissura. Nestas lides, crampons mono-ponta são essenciais.



Depois deste, faltava apenas um lance para conquistar o cucuruto do Cântaro. Em vez de tomar o caminho mais fácil, decidimos inventar!
- Agora a saída é a mesma que a da “Scottish Way”.
- Achas? E porque não saímos por ali? Parece giro! 


"Parece giro?! Então vamos lá!"


 Nos passos "mais giros" do ultimo lance. Uns gancheios artísticos ajudaram a transpôr as ultimas dificuldades, mesmo no final da via.



Por vezes os olhos são traiçoeiros a adivinhar as dificuldades mas, o Paulo lá me fez a vontade quando lhe sugeri que esta devia ser uma via totalmente independente.
Mais erva-tracção, mais crampons a ranger, mais gancheios e... faltavam apenas dois metros para terminar! Dois duros metros para apimentar uma via já de si bem temperada desde o início.


 A Daniela divertida a terminar a via.

"Joelhos, para que te quero!"


Pelas 16:30 estávamos os dois naquele ponto onde a progressão tem apenas o sentido descendente. No topo do Cântaro, um céu azul brindava-nos com uma bonita luz e o sol tímido tratava de não nos deixar passar frio. No topo do Cântaro sentimos aquela felicidade que só os dias especiais de Inverno nos fazem sentir.

"Summit!"


"Sim, Summit!"


“Unfinished Business” estava finalmente terminada.
E como é apanágio nestas lides (a)mistosas... NO RULES!!!

Daniela Teixeira





E... claro... os topos!



Foto de 2008.




Fotos de Dezembro de 2012

segunda-feira, dezembro 10, 2012

Abertura da época balnear

  REMEMBER, REMEMBER, THESE DAYS OF DECEMBER

(PARTE UM)


 


Entre as pressas da semana mirávamos ávidos vários sites de meteorologia, com a alma sôfrega, desejosa de descobrir temperaturas negativas para as cotas mais altas da Serra da Estrela. Quando percebemos que às baixas temperaturas da semana se juntavam uns farrapitos de neve, o ânimo acendeu e o Paulo entregou-se à labuta, entre crampons e piolets era preciso afiar 8 bicos!
Já com a trouxa arrumada lê-mos no Facebook do Vítor Baía que para os amantes da neve a dita ia ser escassa. Os neurónios deram mais algumas voltas e com muitas dúvidas mas com a mente muito aberta (aberta o suficiente para curtirmos um fim de semana fora de casa sem fazermos absolutamente nada!) rumámos ao maciço central.
A subir a estrada da serra no Sábado de manhã, não sabíamos muito bem o que pensar. O termómetro do carro marcava -1, à beira da estrada viam-se uns cachos de gelo (o que era bom sinal!), mas a visão à séria...essa era inexistente. Queríamos ver a Cascata Encaixada, mas as nuvens baixas teimaram em mantê-la longe dos nossos olhares. Para onde ir? 


 O túnel da estrada da Torre, gelado,como "manda a sapatilha!"


Decidimos como primeira tentativa descer ao sector “Loriga Ice”. Os primeiros passitos fora do carro foram...gélidos! Pois é, a falta de hábito dá nisto! O vento teimava em enregelar-nos os ossos e a nuvem baixa que cobria o cucuruto da serra não queria dar tréguas, mas à medida que descemos em direcção aos Covões de Loriga o relevo começou a proteger-nos da intempérie. Com o passar do tempo, também a teimosa nuvem nos foi dando mais visibilidade, visibilidade essa que foi suficiente para perceber de longe que o gelo em Loriga Ice era insuficiente para abrir a época de Inverno. Ainda assim o cenário que a serra nos oferecia já nos fazia pensar que a visita valia a pena.


 "Loriga, is that way!"


 O vale de Loriga em toda a sua glória!


 Resignados, retomámos a caminhada até ao carro decidindo pelo caminho dar uma espreitadela ao corredor onde se encontra a cascata das couves. A aproximação foi feita com desconforto, já que a neve que caiu não foi suficiente para criar um tapete liso para uma progressão fácil. Com alguns escorregões nas pedras soltas e deslizantes aproximámos à Cascata das Couves, que não era mais do que...uma folhinha mirrada de Couve?! Apesar de dar para escalar, a dita estava tão pequena que não nos entusiasmou o suficiente para tirarmos as cordas das mochilas. Por esta altura já tínhamos avistado a face oeste do Cântaro, branca e imponente, com aquele aspecto “Scottish” que nos aquece a alma...e nos gela as mãos.
Que fazer?


 A Cascata das Couves... mirrada!


O Cântaro a surgir por entre as nuvens... prometedor!


O dia já ia avançado quando decidimos, na nossa democracia a dois, fazermos um reconhecimento na zona da face oeste do Cântaro, para quem sabe, no Domingo, tentarmos uma “mistalhada”. Deixámos o carro na famosíssima curva do Cântaro e descemos para espreitar com seriedade a face oeste, o dia parecia destinado aos reconhecimentos. Logo ali à direita do corredor da ponte, umas fendas no maciço granítico que estava também pintado de branco começaram a atrair-nos. “E se fossemos por ali?”, “Se calhar ali dava uma via gira!”. Numa troca de blá-blás decidimos tentar algo na dita parede, uma via pequena para algumas horas de luz que ainda tínhamos pela frente.


 A tentar enfiar as cordas duras no descensor.


 Mais dificil do que aparentava, o primeiro lance do novo projecto foi conquistado...


 ... a duras penas!


E de repente, assim sem grandes esperanças, estávamos a abrir uma via! As fendas convidativas que pareciam boas para aquecer deixaram-nos...a escaldar (por vezes as aparências iludem!!!).


"Uf! O crux do primeiro lance já cá mora!"

 A Daniela a passar o crux do novo largo.


 Os ultimos movimentos "durillos" do primeiro lance do projecto.


Não foi rápido o tempo que demorámos para nos reunirmos 35m acima do solo, prontos para o segundo largo. Esse segundo largo que ficará para um próximo assédio. O Paulo ainda tentou, mas a fina fissura que se erguia acima da reunião ia levar o seu tempo (pois é, vai sair mais um largo escaldante!), tempo esse que não tínhamos, pois o dia estava já a ficar sem cor.


 "Venga aí!!!"


 Bom foi perceber que os tufos de erva já se encontravam gelados e as condições para o misto estavam ao rubro, muito melhores do que poderíamos supor. Ou seja, percebemos que o Domingo ia ser O DIA!


 Piolet bem cravado em... erva sólida e está feito!


 A iniciar o segundo lance antes de abandonar dois pitons numa reunião improvisada. De joelhos porque no misto vale (quase) tudo!


Felizes com a nova linha, com uma abertura da época invernal em grande e com a lembrança de um filme que revimos há uns dias, decidimos apelidar o projecto de “Remember remember the first of December”.
Como não podia deixar de ser, para recompensar o esforço terminámos no restaurante Varanda da Estrela, no aconchego de um tinto, uma chouriça assada e um troço de queijo serrano!


Daniela Teixeira




 O topo:




A SEGUIR... A SEGUNDA PARTE DA ABERTURA DA ÉPOCA BALNEAR!