No passado mês de Junho a Daniela e eu concluímos um périplo
de aberturas que começou nos Alpes, percorreu alguns dos lugares mais bonitos
dos Pirinéus e terminou na emblemática parede de granito da Meadinha na serra
da Peneda.
Decidimos contar a historia em episódios pois o resultado
final de três semanas de acção traduziu-se em cinco novas vias, entre algumas
outras repetições com características bem diferenciadas entre si, quer ao nível
técnico, quer em vivências e emoções.
Os dois pontos em comum fundamentais a todas as aventuras: a
beleza natural e a tranquilidade dos locais.
Este é o primeiro relato da Daniela acerca da nossa pequena e muito particular "Climbing Trip".
ACLIMATAÇÃO
A caminho da Goulotte Modica-Noury. "Pas du condition!"
Tínhamos pressa de sair. Por razões
variadas o cérebro acusava cansaço e só uma boa tareia física a fazer tudo o
que gostamos poderia solucionar esta questão.
A decisão de partir foi tomada
quatro dias antes de nos enfiarmos no carro e rumarmos aos Alpes. O destino foi
escolhido em cima do joelho, o material para gelo e rocha (o que viesse!) foi
empacotado às pressas e dia 2 de Junho, o nosso carrito atolado de tralha já
rumava para terras mais frescas. Queríamos mexer nos piolets, passar frio, ter
dias de longas actividades, viver aventuras. Precisávamos de acção, de muita
acção!
Chegámos aos Alpes com visibilidade
zero de montanhas, debaixo de uma chuva intensa, daquelas que deixam qualquer
condutor absolutamente desgastado. Fomos obrigados a um dia de descanso pela
continuidade do excesso de humidade e com um prognóstico de... um dia de bom
tempo, decidimos ir a cotas mais altas e aproveitar para fazer a primeira
actividade, a aclimatação!
A Daniela no Vallée Blanche de neve recente e imaculada.
Escolhemos para isso escalar a
goullote Modica-Noury, uma super-clássica
situada no Mont Blanc du Tacul acedendo pela Aiguille du Midi. Já desabituados
das andanças mecanizadas, chegámos ao teleférico respectivo cerca de 10 minutos
antes da primeira cabine do dia, cerca da 8:10 (horários de época baixa!) e
perante as dezenas (centenas?) de alpinistas que já lá estavam, fui assaltada
por um pensamento: “Isto parece a fila de desempregados na Segurança Social!
Aqui também tem de se chegar horas mais cedo para marcar lugar?!”.
Em pouco tempo, fomos empacotados e
espremidos, como se estivéssemos no metro em hora de ponta! Todos os
pensamentos me atiravam para um sentimento puramente citadino... alpinismo
desportivo? Sem dúvida!
Para mim, que nunca tinha saído no
teleférico na Aiguille do Midi, tudo era estranho. Calçar os crampons num túnel
de betão e sair para a afiada aresta tendo de esperar em fila indiana... onde
estão as longas e solitárias aproximações a que estou habituada??
Ao fundo as Grand Jorasses, de cabeça coberta com um chapéu de nuvens de mau tempo.
Pouco depois deixávamos o material
de pernoita no plateu do colo du midi (fomos os únicos a acampar...onde anda a
crise?) e descemos pelo glaciar do Vallé Blanche até ao inicio da goullote que
tínhamos elegido.
Não foi com enorme surpresa que
percebemos que a via não estava em condições. Pequenos rios de neve húmida
passavam por nós, o gelo mostrava-se translúcido e troços gelados caiam
continuamente. Encolhemos os ombros e resolvemos espreitar uma delicada linha
na Point Lachenal mesmo à direita do Tacul. Também esta estava a desfazer-se.
Uma tentativa de entrada na "Modica-Noury". Pouco depois as condições impossiveis fizeram-nos retirar.
Para não voltarmos para trás pelo
mesmo tedioso caminho, já perto das 14:00 decidimos entrar pela face sul da
Point Lachenal, buscando um neveiro de aspecto fácil que víamos desde baixo... e assim começou a abertura de uma
nova via, assim mesmo por um acaso do destino.
A entrada de misto fácil na nova via.
Nas rampas iniciais.
Afinal o neveiro ficava mais longe
do que os nossos olhos faziam supor, a uns largos de escalada mista e outro de
pura rocha... rocha de excelente qualidade, porém... molhada. Fica na memória o
largo de V+/6a feito com os crampons pendurados no arnés, com uns entalamentos
numa fissura perfeita onde jorrava água que empapava as luvas, o verdadeiro
deleite!
A parte final do magnifico lance de rocha.
Após o neveiro sucederam-se ainda uns quantos largos empinados
(perfeito se fosse inverno e a neve estivesse dura!), do qual o mais bonito foi
um de escalada mista (“No Rules”) num diedro com uma entrada delicada e que
ofereceu gancheios de piolets que nos encheram a alma.
A entrada intensa do lance de "dry-tooling".
Mais acima no mesmo lance. "Gancheios a canhão!"
A Daniela a terminar os passinhos atléticos do lance de escalada mista.
Foi curioso a certa altura não
saber exactamente onde iríamos parar, não perceber quantos largos faltavam, nem
ter ideia das dificuldades que nos separavam do fim da via, já que íamos
avançando literalmente “à vista”. De baixo não tivemos a percepção da parede e
a coisa acabou por sair bem mais difícil e longa que o esperado. Ainda assim,
terminamos a via “Ai que Saralho, pas de condicion” no momento certo, ou seja,
com o tempo à justa para regressar e montar a tenda ainda com luz.
Os ultimos passitos técnicos.
Cume...
... e a foto-cume!
Nesta altura já o vento anunciado
começara a soprar, o mau tempo chegou um pouco mais cedo que o previsto.
Dormir? Noite dentro, as rajadas de vento (de cerca de 80 a 90km/h!) fustigaram
a tenda. Com um pouco de claridade, vi a parede da tenda ser empurrada várias
vezes até quase tocar na cara do Paulo que estava deitado.
A observar a entrada da frente de mau tempo.
O vento forte já se fazia sentir.
"Agarra a tenda!"
Começamos a pensar
que a tenda poderia não aguentar e decidimos equipar-nos. De repente, o vento
abrandou e começou a nevar. Vimos a nossa oportunidade para desmontar a tenda e
sair dali, o teleférico do Midi estava a “apenas” meia hora de distância...
estava, mas com o nevoeiro que se instalou e uma visibilidade de cerca de 5m, a
coisa foi mais demorada!
Sem trilho, sem bússola, apenas a
farejar, lá encontrámos a afiada aresta que desemboca na Aiguille do Midi.
Chegou a ser irritante ouvir o ruído das máquinas e não conseguir perceber
exactamente que rumo tomar. Ao fim de pouco mais de uma hora entrávamos
novamente no sorumbático túnel de betão de acesso ao teleférico.
O túnel "dos alpinistas" na Aiguille du midi. Um local sorumbático desde o qual se iniciaram muitas historias e aventuras épicas.
Pelas 11:30,
chegávamos a Chamonix numa cabine que levava apenas trabalhadores e carga,
debaixo de uma copiosa chuva que teimava em pôr à prova os nossos impermeáveis.
Estávamos aclimatados!
Daniela Teixeira
7 Comments:
Ola Daniela e Paulo
Parabens por esta magnifica partilha. É louvar as vossas actividades e amor a camisola.
O vosso blog é fenomenal.
Ate breve
Mountain4ever
Sempre em grandes aventuras e a desbravar caminhos. É assim mesmo! Parabéns e venham as restantes partes dessa Climbing Trip.
Parabéns!!!!
Mas de facto.."Pas e conditions" éh éh éh éh Fantásticos!!!
Bjinhos
Muito obrigados amigos.
Já a seguir (breve) o segundo episódio ;)
Paulo Roxo
É pá! Gandes malucos!!!He! He!
Magnífico! Grande aventura, é bem preciso de vez em quando uma adrenalina nas nossas vidas...até me deixou arrepiada toda aquela neve, mas estava lindo, e deve ser uma satisfação indescritível chegar a um cume :)
Adorei o texto, as imagens e a vossa felicidade é contagiante! Parabéns!
E venham daí mais capítulos!!!
Beijinhos aos dois
Muito bom, gosto particularmente da foto do cume, dá gosto vêr esses sorrisos.Boas Aventuras.
Sempre a dar!!!!
Cá esperamos o resto da historia!!!!
João Animado
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