DESACLIMATAÇÃO E A AGULHA
Uma vez aclimatados, estávamos preparados para tentar o
verdadeiro objectivo da nossa viagem aos Alpes.
Entre chuvadas, realizámos eternas idas e vindas à famosa
montra da farmácia no centro de Chamonix, onde tradicionalmente surge o folheto
com as previsões actualizadas. Para contrastar e, na esperança de um milagre
qualquer, consultávamos vários sites da internet, de uma forma quase obsessiva.
Todas as informações convergiam num único sentido: mau tempo generalizado até
ao final da semana.
Chamonix não é propriamente o local mais adequado para
carteiras modestas. Cada “café au lait” custava-nos um olho da cara apenas
porque a versão mais barata, o “café expresso”, era simplesmente intragável.
Tantos dias sem subir à montanha constituía uma perspectiva economicamente...
insustentável, utilizando o termo da moda. Para além disso, o nosso projecto
principal (de cariz privado!), mais ambicioso e fonte das nossas motivações
para os Alpes, necessitaria pelo menos de três dias estáveis.
Compreendemos que zarpar dali, rumo a outro porto, seria o
mais sensato.
Um tecto ameaçador de nuvens atirou-nos para outras montanhas.
Assim, aclimatados para altitudes superiores eis que...
baixámos de cota!
Servia-nos de consolo a nova via que escalámos ao “tropeçar”
na face sul da Point Lachenal, com os bónus anexos de uma tempestade de vento e
neve nocturnos e algumas horas muito mal dormidas no interior de uma tenda
prestes a desintegrar-se.
Deixámos temporariamente o Alpinismo para nos convertermos em
Pirineístas.
Pirineístas a secar!
O nosso novo objectivo, a bela torre de Perramó.
Um belo dia de Primavera viu-nos subir o Vale de Estós em
direcção ao Pico Perramó, nas montanhas sobranceiras a Benasque. A paisagem
imaculada atraía-nos de uma forma poderosa. A cada curva do caminho, depois de
cada árvore mais frondosa, as exclamações de maravilha sucediam-se.
O Vale de Estós, famoso e concorrido mas, uma saída para a esquerda e...
... entramos num vale bem mais isolado...
... onde se avistam belas montanhas agrestes e...
... prados como estes!
À direita a Torre de Perramó.
A primeira tarde terminou após hora e meia de caminhada,
numa pequena lata de sardinhas apontada no mapa do livro de escalada da região
e apelidada de “refugio”. Não fossem os mosquitos, sob a forma de praga (os
inconvenientes da estação das flores), teríamos optado de bom grado por um
bivaque à luz das estrelas.
Pontes naturais.
O "refugio" claustrofobico.
Um bivaque (Tupek da Ortik), ideal para situações de fortuna em alta montanha... e também como resguardo anti-mosquitos... dentro do refugio claustrofobico!
Perramó visto da janela (!) da cabana.
No dia seguinte retomámos a direcção da bela agulha de
granito de Perramó, subindo um trilho sinuoso de uma beleza extraordinária.
Desde as montanhas que dominam a linha do horizonte,
passando pelos prados verdejantes que as ladeiam, escorregando até à floresta
densa e fresca, a paisagem era simplesmente magnífica.
Vistas magnificas desde o trilho de aproximação.
A Daniela numa passagem da aproximação.
A torre de Perramó sempre presente.
A dado momento deparamo-nos com a cascata de Perramó.
Ficamos ali um bom bocado a admirar as toneladas de água debitadas desde uma
altura de mais de 100 metros. Imediatamente me veio à memória a escalada desta
cascata, já lá vão mais de dez anos, levada a cabo naquela temporada em que o
general Inverno toma o poder e consegue lenta e inexoravelmente congelar cada
gota de agua do cachão imenso.
A bela cascata de Perramó. No inverno uma boa escalada.
Quadro.
Ganhando desnível continuamos a subir, ora por trilho
evidente e cómodo, ora por troços de cascalheira e blocos.
As vistas alargavam cada vez mais e, quanto mais subíamos
mais lagos e pequenas lagoas de montanha iam surgindo.
As vistas alargam à medida que subimos.
As lagoas sucedem-se. Idílico!
Passo a passo íamos adentrando num mundo cada vez mais rude
e selvagem. De súbito, surgiu de novo a “nossa” torre altiva e orgulhosa,
defendida por muralhas de granito e circos minerais alpinos de aspecto austero.
Olhando para baixo, em direcção ao vale desde o qual subíramos até ali,
conseguíamos verificar que cada covão albergava uma pequena lagoa de agua
límpida e cristalina.
Contrafortes de granito.
"Mais perto!"
Pequenas lagoas no paraíso.
Um caos de grandes blocos de transposição penosa precedeu a
parede escolhida para a nossa escalada.
Um bonito diedro estimulava a nossa imaginação desde o
inicio. Cedo concluímos que, apesar de não vir representada no guia da região,
essa linha já tinha sido escalada. Uma cordeleta e um piton abandonados
denunciavam os predecessores.
- A linha parece gira. Continuamos? – perguntei sem muita
convicção.
- Depois de toda a caminhada para chegar até aqui?! Por mim
tentaria abrir uma nova via! – rematou a Daniela.
Ok, stick
to the plan!
A primeira tentativa. Um diedro estético.
Mesmo à esquerda de um outro diedro evidente dissimulava-se uma
tímida fissura que cortava uma grande placa a direito. A “nossa” linha!
A "nossa" via!
A Daniela no primeiro lance.
Uma caminhada de hora e meia, um bivaque numa cabana
metálica claustrofobica e cercada por mosquitos, um despertar madrugador, uma
segunda marcha de duas horas, acabaram por se resumir numa escalada técnica de
pézinhos com três singelos lances e um comprimento total relativamente modesto,
não chegando aos 80 metros.
No inicio do segundo lance.
Já no final do segundo lance. Passinhos técnicos.
A Daniela a escalar o segundo lance.
Vistas!
A iniciar o terceiro lance da nova via.
A primeira analise levou-nos a considerar que seria
injustificável tão longa aproximação para tão curta escalada. Contudo, contrair
um conjunto de vivências e emoções numa mera consideração tecnicista, baseada
apenas no gesto da escalada seria algo, no mínimo, redutor.
O alpinismo, a escalada, a exploração, são conceitos
inspirados pelo deslumbramento que certos locais isolados e selvagens
potenciam. Neste caso, a floresta, os rios, as lagoas, as montanhas,
conjugaram-se de forma sublime justificando plenamente a caminhada
relativamente longa.
A nova via, a “Ilógica metrológica”, ficou-se pela cereja no
topo do bolo.
Paulo Roxo
Os topos:
5 Comments:
Ola amigos
Muito bom! Mesmo! É um prazer ler,ver e sentir as emoções que o vosso blog me dão, deixão-me sempre à espera de mais aventuras.
Abraço
Mountain4ever
É sempre bom voltar a rever os Pirinéus!
Ficamos ansiosos pelo próximo episódio!
Sergio
Que grandes paisagens. Maravilhoso.
E o texto do final do post não podia ser mais adequado e verídico.
Parabéns por mais esta aventura.
Fantastico!!!!
Sou uma sonhadora... mas vocÊs conseguem me por a sonhar ainda mais... :)
Beijinhos e até breve ;)
PS: Estou a aproximar-me...
Muito bom!!!!
Não é necessário muitos metros para ser uma via 5 estrelas, o ambiente, a aventura e a companhia vale!!!
Gostei!!
Aquele abraço
João Animado
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