SOPA DE LEGUMES
Uma rápida vista de olhos na face oeste do Cântaro bastou
para concluir que as condições para a escalada mista naquela parede eram nulas.
Com o mês de Janeiro a terminar, não deixou de ser uma surpresa descobrir
aquela parede despida de neve, uma vez que (finalmente) tinha caído um bom
nevão na semana anterior.
Entretanto, as temperaturas voltaram a subir a pique e a
chuva do dia anterior ajudou a estragar o cenário. A única vantagem consistia
no facto de a pouca neve sobrante, ter transformado… mais ou menos.
No entanto, a pequena fortuna que representa hoje em dia uma
deslocação à serra, a juntar à nossa fome crónica de “Invernais”, uniram-se
para criar um bom nível de motivação. Apesar das condições adversas, estávamos
decididos a escalar qualquer coisa. Felizmente os nossos critérios de qualidade
e características relativamente às escaladas que escolhemos são extremamente
abrangentes e versáteis. No fundo, com os crampons nos pés e os piolets nas
mãos, para nós, vale praticamente tudo!
Bem-vindos à Serra da Estrela!
A caminho do sector
Abandonámos o carro junto aos mamarrachos de betão de gosto
duvidoso que violentam o cume da serra.
Em azimute, como noutras tantas ocasiões, dirigimo-nos ao
sector do célebre “Corredor Estreito”. Descemos o fácil corredor largo
contornando pela direita o maciço rochoso e, após algumas pernas enfiadas em
ocos na neve, chegámos à base do nosso objectivo.
A calçar os crampons antes de descer o Corredor largo.
Ao primeiro vislumbre o “objectivo” revelou-se… verde!
Quando todas as evidências nos aconselhavam a procurar
outras actividades mais aprazíveis como por exemplo, tomar caipirinhas na
aldeia do Meco, nós estávamos mesmo determinados a subir algo que tivesse
algumas semelhanças – mesmo que remotas – com a escalada mista.
O primeiro lance converteu-se num teste “hardcore” de
resistência, não ao nível físico, apesar da escalada exigente, mas sim ao nível
do vestuário e equipamento.
Condições... mistas?!? A sopa começa a levantar fervura.
A entrar no diedro divertido. Será escalada?
Um diedro de ervas, musgo e… alguma rocha, não se deixou
domar com facilidade. Desde baixo as aparências faziam supor algo menos duro
mas, já deveríamos estar acostumados a este tipo de ilusão, uma vez que é
sempre assim. O resultado final traduziu-se em 35 metros, verticais e intensos
a partir do meio, onde enfrentámos ervas ensopadas, desgarradas, maus gancheios
em lama que teimava em rebolar a troços por cima do gore-tex e até (pasme-se)
alguma neve, claro está, pesada e inconsistente.
Aposto que no Canadá não existem largos desta qualidade!
A Daniela a iniciar o mixed: no rules!
"O que é que eu acabei de escalar?!"
Refeitos do primeiro largo, infame e precário, divagamos
sobre a certeza de que estas aventuras são bem mais gratificantes quando
realizadas com temperaturas negativas, com a erva congelada, algo mais de neve
e quiçá gelo.
Conformados com a realidade, suspirámos e, ao invés de ceder
à lógica do bom senso que sugeria descer, continuámos para cima.
O lance seguinte teve mais semelhanças com a escalada
invernal. Quase todo constituído por rampas de neve, ainda assim intercaladas
por passos de rocha que mereceram o comentário: “Fo… Isto não é dado!”
Neve de verdade. Uau!
Na segunda reunião.
Já bem metidos no interior do “Corredor da Selecção”,
tínhamos a opção de saída muito mais fácil pela direita através do corredor
clássico. No entanto, ali estava aquela evidente passagem pela esquerda, de
aspecto mais difícil mas, depositária da pitada final de picante da ascensão.
Um troço de gelo estrangulava a “goulotte” e ali
adivinhava-se a secção mais dura, sobretudo porque o gelo não aguentava com um
caracol.
Mais uma vez, a solução estava na rocha. Desta feita,
protecções muito fiáveis e uns gancheios “a canhão” proporcionaram uma saída
airosa e até… elegante.
Dois momentos na passagem algo atlética do crux do terceiro lance. Aquele gelo era uma mera ilusão.
Chegados ao topo do sector, celebrámos a nova via com uma
bela sandocha e um merecido café ainda quente, saído da garrafa térmica.
E, claro, a indispensável: foto-cume.
Tínhamos encontrado condições muito longe do modelo ideal.
De qualquer modo, com alguma imaginação e vontade é possível aproveitar aquilo
que a serra nos apresenta.
Feitas as contas, tinha sido um dia divertido.
Uma dose a repetir.
Bem-vindos á Serra da Estrela!
Paulo Roxo
O Croquis:
4 Comments:
Está na hora de "reestruturar" a rede espiões e informadores do estado do gelo...
Dry tooling Tombado?
Will Gadd toma lá Spray Off!
Bem, a mim o "tombado" ainda me fez pensar na vida...
"Spray off" era um bom nome também!!
Paulo Roxo
Seremos nós fanáticos ou simplesmente não nos rendemos às desculpas!
Posso comprovar que se trata de uma grande actividade, condições f**** antásticas.
O mais duro? aproximação
Abraço
Sérgio D
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